sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Toffoli e a tutela militar

Por Jeferson Miola, em seu blog:                     

Quando foi anunciado como Ministro da Defesa por Bolsonaro em 13/11/2018, o general Fernando Azevedo e Silva exercia o cargo de Assessor Especial, nível CJ-3, no gabinete do presidente do STF, Dias Toffoli [Portaria de nomeação nº 265, de 27/9/2018].

Não é o caso de se questionar as habilidades, o caráter ou os atributos profissionais do ex-Chefe do Estado-Maior do Exército; mas sim de se interrogar sobre a presença, no mínimo insólita, de um general do Exército como Assessor Especial da presidência da Suprema Corte – fato, aliás, sem precedentes nem mesmo nos períodos ditatoriais.

A tutela militar do STF

Circula na internet texto do advogado Paulo Carvalhosa denunciando que o STF esteve sob intervenção militar durante o período eleitoral. Detalhe: o citado autor não esconde seu anticomunismo, e o site que repercutiu o texto tem clara inclinação anticomunista.

No texto, o advogado sustenta que a imposição do general Azevedo e Silva a Dias Toffoli teria sido decidida em “reunião de urgência” do Alto Comando das FFAA na noite de 6 de setembro, realizada horas após o ataque à faca a Bolsonaro:

“A reunião foi presidida pelo general Eduardo Villas Bôas, […] que buscou aplacar os ânimos, porque já tinha oficial graduado pronto para pôr a tropa na rua em direção à Brasília.

O oficialato, especialmente um, da ativa, declarou em alto e bom som, para quem quisesse e não quisesse ouvir, que não havia mais poderes republicanos no País e, que o Executivo e o Legislativo haviam perdido toda e qualquer legitimidade para governar, até porque havia o risco do STF, aparelhado pelo MDB, PT e PSDB, libertar o Lula e os demais réus da Lava-Jato, colocando-os na rua para fazerem campanha, acuando assim, mais ainda, a candidatura de Bolsonaro, sobrevivesse ele, ou não, ao atentado, até porque a soltura de Lula chamaria todas as atenções para o fato, desviando-se a atenção pública do tentado assassinato de Bolsonaro, àquela altura, lutando para sobreviver.

Passava das altas horas quando a solução provisória foi sugerida por um pequeno colegiado de militares moderados: colocar um general da reserva, porque se fosse da ativa, ofenderia e o clamor seria muito maior, que conhecesse a tropa e o oficialato, e fosse calmo, convincente, culto, político e cerebrino, no seio do STF, recaindo a escolha sobre Fernando Azevedo e Silva”.

É provável que a reunião, com o clima nervoso relatado, tenha de fato acontecido na noite daquele 6 de setembro. A decisão de nomear o general Azevedo e Silva no STF, porém, não foi tomada naquela circunstância; já tinha sido decidida 3 dias antes.

Em 3/9/2018 o site da Marinha informou que “o ministro Dias Toffoli, do STF, está prestes a assumir o comando da mais alta corte do país e começa aos poucos montar a sua equipe de assessoria. Uma das ações do ministro tem sido sinalizar com as Forças Armadas. Ele teria entrado em contato com o Comandante-Geral do Exército, General Eduardo Villas Bôas, e pedido uma indicação para compor a sua assessoria pessoal. Conforme as informações, o General atendeu o ministro e apontou um nome de confiança”.

A reportagem da Marinha estranhamente também abordou temas que extrapolam a alçada das FFAA definida pela Constituição brasileira. Em um trecho, diz que “em seu gabinete, o ministro encontrará vários assuntos polêmicos para resolver, um deles, por exemplo, é a prisão após a condenação em segunda instância. O ministro pretende voltar nesse assunto no mês de março de ano que vem e uma nova votação pode ser feita, criando ânimos nos advogados dos réus da Operação Lava Jato”.

A reportagem finaliza com uma advertência: “Toffoli, em várias de suas decisões, se mostrou favorável a um novo entendimento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, entretanto, por várias vezes, ele foi vencido pela resistência de Cármen Lúcia. Os procuradores da Operação Lava Jato e o juiz federal Sérgio Moro são defensores da prisão em segunda instância e, para eles, mudar a jurisprudência do tribunal, seria retroceder no combate à corrupção”.

Também no dia 3/9, reportagem do G1 noticiou que “O nome que Villas Bôas indicou é o do general de Exército Fernando Azevedo e Silva”.

Os afagos do Toffoli aos militares

Toffoli não tem brilho jurídico próprio e, do ponto de vista jurídico e intelectual, é tíbio demais para alguém que ocupa o cargo de juiz da Suprema Corte.

Examinando-se a atuação conivente do Toffoli nos momentos de ofensa à Constituição que levaram ao golpe, à instalação do Estado de exceção e à farsa jurídica que impediu a eleição do Lula, a indicação dele para o STF revelou-se um equívoco mortal do governo Lula.

Por razões que a vida ainda se encarregará de esclarecer, Toffoli enganchou-se numa aliança com o colega Gilmar Mendes, de quem se tornou dependente e linha auxiliar na política interna do STF – lugar que lhe assegurou sobrevivência institucional e progresso na carreira.

Antes de assumir a presidência do STF e depois, já no cargo, Toffoli passou a afagar os militares ao assumir a agenda política que interessa ao alto comando das FFAA na conjuntura:

– em julho, abandonou seu entendimento original e comprometeu-se a pautar somente em 2019 o julgamento da inconstitucionalidade de prisão antes de sentença condenatória transitada em julgado. Comprometeu-se, em última análise, em manter a exceção jurídica para deixar Lula em cárcere político por um longo tempo;

– em setembro, nomeou o general Azevedo e Silva Assessor Especial e cassou ilegalmente decisão do colega Ricardo Lewandowski que autorizava Lula conceder entrevistas à Folha de São Paulo e ao El País – ou seja, instaurou a censura prévia da imprensa, cassou a liberdade de expressão e sequestrou os direitos civis e políticos do Lula;

– em outubro, “decretou” a mudança da historiografia brasileira ao afirmar que “hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”. Neste caso, Toffoli adula as FFAA com nível tal de submissão inalcançável até para a Rede Globo.

– em novembro, permaneceu em necrótico silêncio diante da grave declaração do general Villas Bôas confessando que ameaçou o STF em comportamento idem ao filho do Bolsonaro: “Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula”.

Conviria a Dias Toffoli prestar explicações à sociedade. Primeiramente, a respeito das razões e motivações que justificariam a inédita nomeação de um general para assessorar a Suprema Corte do país.

E, em segundo lugar, ele poderia esclarecer acerca dos motivos que, 45 dias depois da nomeação, tornaram desnecessária a assessoria do general. Deu-se por encerrada alguma missão ou etapa de missão? E, neste caso, qual missão?

O assanhamento dos militares na arena política e a luta que travam por espaços no poder de Estado e na república infringe o artigo 142 da Constituição brasileira.

Toffoli precisa deixar claro se está sendo conivente com o avanço do militarismo como poder de mando real, ou se é refém de uma “ditadura eleita”, que tutela o STF e todo o judiciário.

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