Por Mauro Donato, no blog Diário do Centro do Mundo:
Especialistas em contabilidade e em análise de lavagem de dinheiro ouvidos pelo DCM apontam que a evolução patrimonial da família Bolsonaro pode ser fruto de operação ‘caixinha’, como é conhecida a prática de tomar de volta uma parte – ou até a totalidade – do salário de funcionários do gabinete parlamentar.
O escândalo veio à tona após o Coaf detectar uma movimentação de R$ 1,2 milhão do ex-assessor e motorista de Flávio Bolsonaro. Fabrício Queiroz era o receptor de fração dos vencimentos dos demais colegas da Assembleia Legislativa do Rio e, no dia seguinte, fazia saques. Tanto os créditos como os débitos eram feito em dinheiro vivo. Fabrício Queiroz é amigo de longa data da família Bolsonaro.
A luz amarela já tinha piscado faz tempo. A última ex-mulher de Jair Bolsonaro declarou que o futuro presidente sonegava informações ao Imposto de Renda e ocultava patrimônio. Segundo Ana Cristina Valle, Bolsonaro declarava possuir apenas R$ 433,9 mil quando na verdade havia deixado três casas, um apartamento, uma sala comercial e cinco lotes de fora da declaração.
Ana Cristina também afirmou na ocasião que a renda de Bolsonaro era de cerca de R$ 100 mil, sendo que, à época, o salário do deputado era de R$ 26,7 mil e como militar da reserva recebia mais R$ 8,6 mil. Como a renda chegava a R$ 100 mil? A ex-cônjuge disse que o ex-marido recebia “outros proventos”, sem nunca especificar quais seriam.
A luz já deveria ter mudado de amarela para vermelha neste ponto para os órgãos fiscalizadores (e estávamos em 2006). Bolsonaro nunca teve outra atividade rentável – desde 1988 – além da política. Que ‘outros proventos’?
Como diziam os detetives franceses: ‘Cherchez la femme!’ Ela já tinha cantado a bola.
Naquele longínquo ano de 1988, eleito pela primeira vez, Jair Bolsonaro declarou possuir um Fiat Panorama, uma moto e dois lotes de pequeno valor em Resende (pequenos mesmo, coisa de R$ 10 mil cada um em valores de hoje). No entanto, exercendo somente a profissão de ‘político do baixo clero’ desde então, hoje Bolsonaro tem um patrimônio estimado em mais de R$ 7 milhões (ainda que para a Justiça Eleitoral ele tenha declarado possuir um patrimônio de R$ 2,287 milhões).
Quando consideramos o total de bens de Jair & Filhos (só os 3 que cumprem mandato), temos um volume de 13 imóveis, brinquedinhos como jet-ski, carros que valem mais de R$ 105 mil, além de aplicações financeiras. Todo esse ‘Neverland” atinge mais R$ 17 milhões. Só os imóveis, cuja maioria está em pontos valorizados, são estimados em R$ 15 milhões em valor de mercado.
Já no papel, Bolsonaro sempre conta outra história.
A casa onde vive, por exemplo, num condomínio de luxo, à beira-mar, na Barra da Tijuca. O capitão declara ter pago R$ 400 mil por ela, em 2009, sendo que a própria prefeitura do Rio avaliava, na época, em algo como R$ 1,06 milhão um imóvel daquele. O caso é folclórico e já chamava atenção. A ex proprietária havia comprado o imóvel por R$ 580 mil e apenas 4 meses depois vendeu a Bolsonaro por R$ 180 mil a menos!! Nem se fosse mãe de Bolsonaro o desconto seria tão generoso.
Lançar na escritura um valor abaixo do real é bastante comum, infelizmente, e tem por objetivo ocultar uma evolução patrimonial incompatível com seus rendimentos.
Nosso futuro e honesto presidente tem pelo menos um outro imóvel nas mesmas condições. Ele declara ter adquirido por R$ 500 mil, um imóvel que era avaliado em R$ 2,2 milhões em 2012.
E Jair fez escola. Eduardo Bolsonaro, o zero três, desde a primeira vez que foi eleito deputado em 2014, aumentou seu patrimônio em 432% . Mais de 400% em 4 anos! Será isso que militares chamam de milagre econômico?
Não, como mencionado lá no início deste artigo, o milagre pode estar no ‘caixinha’.
Fazendo conta em papel de pão, o total de todos os salários recebidos por Bolsonaro pai mais os filhos zero um, zero dois e zero três, perfaz algo na casa dos R$ 15 milhões de patrimônio. “Opa, então está esclarecido, o patrimônio é compatível”.
Não, caro leitor. Para se chegar aos R$ 15 milhões, Jair & Filhos precisariam ter juntado todo o dinheiro recebido, sem gastarem um centavo – durante décadas – com alimentação, água, luz, telefone, roupas…
Nem faquir consegue.
É aí que entra o repasse do caixinha. As despesas do dia a dia são pagas em cash, com os pingadinhos de R$ 5 mil, R$ 10 mil, entregues na ‘pacoteira’ do Queiroz.
De onde vem a grana?
“No último dia útil do mês é creditado na conta dos funcionários, de todo o funcionalismo da Assembleia, o salário líquido. No primeiro dia útil, subsequente, essas pessoas traziam os valores e entregavam a mim. E eu, naturalmente, passava ao deputado esses valores”. Não parece o PM Fabrício Queiroz depondo? Acalme-se, Queiroz continua mudo e desaparecido.
A fala acima é de 2015. Neuromar Gatto era chefe de gabinete do deputado estadual Diógenes Basegio, do PDT, e entregou o esquema. Segundo ele, Basegio tirava até R$ 800 mil só de caixinha de devolução de funcionários, entre eles alguns fantasmas.
Este é só um de inúmeros exemplos de caixinha, das ‘velhas práticas’ que Bolsonaro arrotava não fazer parte. Foram 27 anos de ostracismo na Câmara e uma evolução patrimonial impressionante. A maneira como tudo isso foi possível precisa ser investigada, mas os indícios (aspectos que tanto agradam alguém como Sergio Moro) estavam expostos faz muito tempo. Bastava terem dado atenção ao que disse a ex-esposa quando precisou deixar o país por estar ameaçada de morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: