Por Fred Melo Paiva, na revista CartaCapital:
O último a juntar-se à tropa foi o também general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que ocupará a Secretaria de Governo. Entre outras atribuições, fará a articulação política com o Congresso Nacional. A não ser que pretenda lançar-se à tarefa munido de fuzil e baioneta, é bastante provável que o general venha a confirmar a regra: de onde menos se espera é que não vem nada mesmo.
“É uma pessoa que fala mais de um idioma, tem uma vivência fora do Brasil muito grande, é combatente também”, disse Bolsonaro ao justificar a escolha de Santos Cruz para o trato com parlamentares falantes do português e residentes no Brasil, ao que tudo indica destituídos de qualquer intenção de fundar um movimento guerrilheiro.
Fosse apenas a interlocução um problema que se avizinha, o novo governo ainda teria chances de lograr sucesso na lida com deputados e senadores. A questão torna-se mais dramática quando Bolsonaro dá sinais de iludir-se com a própria fantasia: como antipolítico, o outsider de fancaria rejeita a política como ela é, e aumenta a aposta no sentimento antissistêmico que afinal o catapultou ao impensável posto.
“Vamos mostrar como vai ser daqui para a frente. Diferentemente do que aconteceu nas últimas três décadas, o toma lá dá cá, não vai ter cargos (em troca de apoio). Foi essa prática que trouxe o Brasil para o momento que está hoje. Estamos criando uma nova forma de relacionamento (com o Congresso), inventando uma fórmula.” O Einstein que nos fala é Onyx Lorenzoni (DEM), coordenador da equipe de transição do próximo governo e futuro ministro-chefe da Casa Civil. Ele próprio já atropelado pelo andar da carruagem que passa por cima dos partidos e suas lideranças.
A fórmula que se inventa estaria na medida da superficialidade dos 280 caracteres permitidos no Twitter: para evitar o toma lá dá cá, excluem-se os partidos políticos e seus líderes das negociações de apoio, e recorre-se diretamente às bancadas, como aquelas da Bíblia, do Boi e da Bala. O resto do serviço ficaria terceirizado às redes sociais. “Hoje há um instrumento que é a internet”, descobriu a pólvora o senador eleito Flávio Bolsonaro, ao revelar a tática em entrevista para o portal UOL. “Sem dúvida, um forte instrumento de pressão.” Eis a reinvenção da roda, a bem da verdade uma roda que por décadas rodou quadrada, a obrigar as alianças estapafúrdias do “presidencialismo de coalizão”. Tampouco se pode acusar Bolsonaro de não botar em curso aquilo que prometeu quando travestido de antipolítico. O problema reside em algo prosaico: a realidade.
“Bolsonaro cumpriu sete mandatos como deputado federal, mas tudo que fez foi falar aquelas grosserias, não entende absolutamente nada do funcionamento do Congresso, por incrível que pareça”, diz Renato Lessa, mestre e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), professor titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Lessa qualifica a estratégia do novo governo para lidar com o Congresso como “infantil”, “uma receita para a confusão”, “um coquetel explosivo que tem todas as chances de dar errado”.
“Os partidos são operadores da dinâmica do Congresso, em torno deles se organiza toda a lógica da Câmara e do Senado”, explica. “Bancadas são gasosas, baseiam-se em assinaturas que não dão qualquer garantia de que estarão alinhadas quando as demandas não forem as específicas daquele conjunto de deputados ou senadores. Pode-se imaginar que frentes operam em substituição aos partidos, mas não é assim que funciona. As lideranças partidárias terão de ser chamadas, simplesmente porque não há coalizão entre bancadas.
Além disso, partidos são horizontais, capazes de articular várias frentes, enquanto as bancadas são verticais, interessam-se apenas por seus temas. E entre esses não está, por exemplo, a reforma da Previdência. Os integrantes do novo governo parecem não ter noção dos focos de interesse do Congresso.” A fala de Lessa ecoa o senador Eunício Oliveira (MDB) depois de seu primeiro encontro com o futuro ministro da Economia Paulo Guedes, a quem, segundo Eunício, faltava conhecimentos básicos sobre o Orçamento do País: “Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social”. Bingo!
A preferência de Bolsonaro pelas bancadas no lugar dos partidos manifestou-se já na montagem de sua futura equipe. Três políticos do DEM foram escolhidos ministros: Onyx, Tereza Cristina (Meio Ambiente) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde). Apanhados no varejo, nenhum deles foi indicado pelos líderes do partido. “São quadros qualificadíssimos”, disse o presidente da sigla ACM Neto, “mas escolhas do presidente (da República).” Na verdade, Tereza é escolha da frente ruralista, e Mandetta, da Bancada da Saúde. Em entrevista ao jornal O Globo, até o coordenador da Bancada da Bala e aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, deputado Alberto Fraga (DEM), manifestou desconforto com a estratégia do novo governo.
“Não são indicações que vieram do DEM, mas vão atrapalhar, sim, a reeleição de (Rodrigo) Maia (à Presidência da Câmara). As escolhas já causaram ciúmes dentro do plenário, especialmente de partidos com mais deputados que não têm nenhum ministério ainda, como MDB, PP e PR.” Para Lessa, “nunca houve transição em que ficasse tão exposto o despreparo, jamais o Estado esteve entregue a tamanho grau de ignorância a respeito de seu funcionamento”.
A ofensiva do presidente esquecido de rasgar a fantasia atinge até os políticos considerados os maiores aliados. Sem ministério, Magno Malta, antes o “vice dos sonhos”, acabou circunscrito à função de puxador de reza quando da eleição de Bolsonaro. Planeja agora “ver as netas crescerem” e “seguir minha agenda de músico”, segundo entrevista ao site Intercept Brasil. Malta tem 27 discos de música gospel, argh! Onyx Lorenzoni ganhou um inesperado sócio na articulação política, o general Santos Cruz.
Alvo de processo que investiga o recebimento de 200 mil reais da JBS em caixa 2 de campanha, viu-se ainda ameaçado de degola pela esferográfica do chefe: “Havendo qualquer comprovação ou denúncia robusta contra quem quer que seja no meu governo, e esteja ao alcance da minha caneta Bic, ela será usada”. Santos Cruz também abocanha o programa de concessões e privatizações que antes estava na alçada de outro político de confiança, o ex-presidente do PSL e futuro ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno.
Enquanto malogram os políticos, cresce a influência dos militares, uma ala sob o comando da junta de filhos de Bolsonaro, com acesso irrestrito aos ouvidos de papai. Lotados dentro do Palácio do Planalto, já são três os representantes das Forças Armadas na mesma privilegiada posição, contra apenas dois civis – Bebianno e, a depender da Bic presidencial, Lorenzoni.
“O capital político de Bolsonaro resume-se a esse povo gritando ‘mito’. Collor também era assim, e por isso especializou-se em tirar coelhos da cartola. Mas as pessoas enjoam disso em pouco tempo, e no caso de Bolsonaro é mais fácil que venham com um gambá em vez do coelho”, diz Lessa. “Terão de lidar com Renan, Maia, gente que sabe como a banda toca. Não quero profetizar o caos, mas eles não têm lideranças para fazer qualquer articulação. Onyx pertence ao terceiro escalão do Congresso, e a autoridade de Santos Cruz restringe-se ao mundo militar.” Diante das agruras mundo real, espera-se apenas que não tenham a ideia de recorrer ao fuzil e à baioneta.
Eleito pelo WhatsApp, amparado por ministros blogueiros, um filósofo de Facebook e os três filhos escolados no Twitter, o youtuber Jair Bolsonaro prepara-se para o inevitável desembarque na realidade. Egresso de pelo menos quatro anos em que labutou no mundo virtual, a vender como lebre da antipolítica o gato que cumpriu sete mandatos de deputado federal, parece agora armar-se para uma guerra na fronteira de sua bolha. Acercou-se de dois “superministros”, um deles Super Moro, cujos poderes já se mostraram de fato especiais. E convocou os quartéis: até o fechamento desta edição, contavam-se nove os militares chamados ao entorno do presidente, incluindo o vice, general Hamilton Mourão.
O último a juntar-se à tropa foi o também general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que ocupará a Secretaria de Governo. Entre outras atribuições, fará a articulação política com o Congresso Nacional. A não ser que pretenda lançar-se à tarefa munido de fuzil e baioneta, é bastante provável que o general venha a confirmar a regra: de onde menos se espera é que não vem nada mesmo.
“É uma pessoa que fala mais de um idioma, tem uma vivência fora do Brasil muito grande, é combatente também”, disse Bolsonaro ao justificar a escolha de Santos Cruz para o trato com parlamentares falantes do português e residentes no Brasil, ao que tudo indica destituídos de qualquer intenção de fundar um movimento guerrilheiro.
Fosse apenas a interlocução um problema que se avizinha, o novo governo ainda teria chances de lograr sucesso na lida com deputados e senadores. A questão torna-se mais dramática quando Bolsonaro dá sinais de iludir-se com a própria fantasia: como antipolítico, o outsider de fancaria rejeita a política como ela é, e aumenta a aposta no sentimento antissistêmico que afinal o catapultou ao impensável posto.
“Vamos mostrar como vai ser daqui para a frente. Diferentemente do que aconteceu nas últimas três décadas, o toma lá dá cá, não vai ter cargos (em troca de apoio). Foi essa prática que trouxe o Brasil para o momento que está hoje. Estamos criando uma nova forma de relacionamento (com o Congresso), inventando uma fórmula.” O Einstein que nos fala é Onyx Lorenzoni (DEM), coordenador da equipe de transição do próximo governo e futuro ministro-chefe da Casa Civil. Ele próprio já atropelado pelo andar da carruagem que passa por cima dos partidos e suas lideranças.
A fórmula que se inventa estaria na medida da superficialidade dos 280 caracteres permitidos no Twitter: para evitar o toma lá dá cá, excluem-se os partidos políticos e seus líderes das negociações de apoio, e recorre-se diretamente às bancadas, como aquelas da Bíblia, do Boi e da Bala. O resto do serviço ficaria terceirizado às redes sociais. “Hoje há um instrumento que é a internet”, descobriu a pólvora o senador eleito Flávio Bolsonaro, ao revelar a tática em entrevista para o portal UOL. “Sem dúvida, um forte instrumento de pressão.” Eis a reinvenção da roda, a bem da verdade uma roda que por décadas rodou quadrada, a obrigar as alianças estapafúrdias do “presidencialismo de coalizão”. Tampouco se pode acusar Bolsonaro de não botar em curso aquilo que prometeu quando travestido de antipolítico. O problema reside em algo prosaico: a realidade.
“Bolsonaro cumpriu sete mandatos como deputado federal, mas tudo que fez foi falar aquelas grosserias, não entende absolutamente nada do funcionamento do Congresso, por incrível que pareça”, diz Renato Lessa, mestre e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), professor titular de Teoria Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Lessa qualifica a estratégia do novo governo para lidar com o Congresso como “infantil”, “uma receita para a confusão”, “um coquetel explosivo que tem todas as chances de dar errado”.
“Os partidos são operadores da dinâmica do Congresso, em torno deles se organiza toda a lógica da Câmara e do Senado”, explica. “Bancadas são gasosas, baseiam-se em assinaturas que não dão qualquer garantia de que estarão alinhadas quando as demandas não forem as específicas daquele conjunto de deputados ou senadores. Pode-se imaginar que frentes operam em substituição aos partidos, mas não é assim que funciona. As lideranças partidárias terão de ser chamadas, simplesmente porque não há coalizão entre bancadas.
Além disso, partidos são horizontais, capazes de articular várias frentes, enquanto as bancadas são verticais, interessam-se apenas por seus temas. E entre esses não está, por exemplo, a reforma da Previdência. Os integrantes do novo governo parecem não ter noção dos focos de interesse do Congresso.” A fala de Lessa ecoa o senador Eunício Oliveira (MDB) depois de seu primeiro encontro com o futuro ministro da Economia Paulo Guedes, a quem, segundo Eunício, faltava conhecimentos básicos sobre o Orçamento do País: “Esse povo que vem aí não é da política, é da rede social”. Bingo!
A preferência de Bolsonaro pelas bancadas no lugar dos partidos manifestou-se já na montagem de sua futura equipe. Três políticos do DEM foram escolhidos ministros: Onyx, Tereza Cristina (Meio Ambiente) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde). Apanhados no varejo, nenhum deles foi indicado pelos líderes do partido. “São quadros qualificadíssimos”, disse o presidente da sigla ACM Neto, “mas escolhas do presidente (da República).” Na verdade, Tereza é escolha da frente ruralista, e Mandetta, da Bancada da Saúde. Em entrevista ao jornal O Globo, até o coordenador da Bancada da Bala e aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, deputado Alberto Fraga (DEM), manifestou desconforto com a estratégia do novo governo.
“Não são indicações que vieram do DEM, mas vão atrapalhar, sim, a reeleição de (Rodrigo) Maia (à Presidência da Câmara). As escolhas já causaram ciúmes dentro do plenário, especialmente de partidos com mais deputados que não têm nenhum ministério ainda, como MDB, PP e PR.” Para Lessa, “nunca houve transição em que ficasse tão exposto o despreparo, jamais o Estado esteve entregue a tamanho grau de ignorância a respeito de seu funcionamento”.
A ofensiva do presidente esquecido de rasgar a fantasia atinge até os políticos considerados os maiores aliados. Sem ministério, Magno Malta, antes o “vice dos sonhos”, acabou circunscrito à função de puxador de reza quando da eleição de Bolsonaro. Planeja agora “ver as netas crescerem” e “seguir minha agenda de músico”, segundo entrevista ao site Intercept Brasil. Malta tem 27 discos de música gospel, argh! Onyx Lorenzoni ganhou um inesperado sócio na articulação política, o general Santos Cruz.
Alvo de processo que investiga o recebimento de 200 mil reais da JBS em caixa 2 de campanha, viu-se ainda ameaçado de degola pela esferográfica do chefe: “Havendo qualquer comprovação ou denúncia robusta contra quem quer que seja no meu governo, e esteja ao alcance da minha caneta Bic, ela será usada”. Santos Cruz também abocanha o programa de concessões e privatizações que antes estava na alçada de outro político de confiança, o ex-presidente do PSL e futuro ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno.
Enquanto malogram os políticos, cresce a influência dos militares, uma ala sob o comando da junta de filhos de Bolsonaro, com acesso irrestrito aos ouvidos de papai. Lotados dentro do Palácio do Planalto, já são três os representantes das Forças Armadas na mesma privilegiada posição, contra apenas dois civis – Bebianno e, a depender da Bic presidencial, Lorenzoni.
“O capital político de Bolsonaro resume-se a esse povo gritando ‘mito’. Collor também era assim, e por isso especializou-se em tirar coelhos da cartola. Mas as pessoas enjoam disso em pouco tempo, e no caso de Bolsonaro é mais fácil que venham com um gambá em vez do coelho”, diz Lessa. “Terão de lidar com Renan, Maia, gente que sabe como a banda toca. Não quero profetizar o caos, mas eles não têm lideranças para fazer qualquer articulação. Onyx pertence ao terceiro escalão do Congresso, e a autoridade de Santos Cruz restringe-se ao mundo militar.” Diante das agruras mundo real, espera-se apenas que não tenham a ideia de recorrer ao fuzil e à baioneta.
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