quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Bolsonaro não é um presidente legítimo

Por Bepe Damasco, em seu blog:

O compromisso com a democracia, que tem nas eleições o momento de ouro da afirmação da soberania popular, torna difícil simplesmente virar a página da eleição de 2018 e seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Agir assim, na minha visão, é prestar um desserviço à causa democrática e, tal qual um inocente útil, facilitar a vida dos que querem, e são muitos, varrer a sujeira do pleito para debaixo do tapete, como faz o Tribunal Superior Eleitoral.

Afinal, como diz o sociólogo Marcos Coimbra, ter mais votos do que o adversário não significa vencer uma eleição legitimamente. Por isso, mesmo correndo o risco de ser visto por alguns como chato, volto ao assunto da eleição de 2018, relembrando os episódios que feriram de morte a legitimidade da vitória de Bolsonaro.

1) O antipetismo disseminado na sociedade pelo monopólio da mídia e pela Lava Jato, além da transformação do Judiciário e do MP em braços políticos da burguesia antidemocrática, não seriam capazes de derrotar o candidato do PT a presidente. Isso só foi possível devido à deformação da vontade do eleitor levada a cabo através da indústria da mentiras, calúnias e da difamações concebida e operada pela campanha de Bolsonaro a partir da reta final do primeiro turno. Como o próprio jornal Folha de São Paulo denunciou, foram usados, em flagrante violação da lei, recursos bilionários de empresários por meio de caixa 2.

2) Até então várias pesquisas apontavam, nas simulações de segundo turno, a vitória de Haddad sobre Bolsonaro. Mas a tática eleitoral suja, com base em fake news sórdidas contra Haddad, Manuela e o PT, fez estrago, especialmente no eleitorado evangélico de classe média baixa e pobre do Sudeste e do Sul, conquistando inclusive os votos femininos desses estratos que resistiam ao candidato fascista. Em recente artigo, Coimbra levanta suspeita de que pastores das igrejas neopentecostais possam ter cedido centenas de milhares de números de telefones celulares para os operadores de submundo da campanha bolsonarista.

3) Essa“blitzkrieg” não fraudou apenas o resultado da eleição presidencial. As eleições para deputados e senadores, também no Sudeste e no Sul, foram fortemente afetadas. Dilma, em Minas Gerais, Supilcy, em São Paulo, e Requião, no Paraná, que lideravam com boa margem as pesquisas desde o primeiro dia de campanha, acabaram, sem ninguém entender bem como, derrotados por candidatos do obscurantismo. Faltando duas semanas para as eleições, todas as projeções indicavam que o PT elegeria cerca de 70 deputados. Acabou elegendo 58, e ainda teve dois deles cassados pela ditadura do Judiciário, como o mais votado do PT do Rio, Washington Quaquá. Ilustres desconhecidos convertidos ao nazibolsonarismo, como Wilson Witzel, no Rio, e Zema, em Minas, também se beneficiaram. A eleição para o Congresso Nacional de um número inédito de policiais, militares, religiosos fundamentalistas e fascistas de vários matizes é outra conseqüência dessa ação ilegal de campanha.

4) Já imaginou como o mundo viria abaixo caso Lula e Dilma se negassem a debater no segundo turno com seus adversários? Pois bem, a decisão de Bolsonaro de não comparecer a nenhum debate – afrontando não só princípios democráticos e republicanos, mas, sobretudo, o eleitor - foi vista pela imprensa venal como uma mera tática eleitoral. Só no Brasil um candidato acha que não deve satisfação sobre seus planos e projetos, não se submete ao contraditório e fica por isso mesmo. É certo que não tinha mesmo o que dizer e seria massacrado por Haddad, mas isso é problema dele.

5) Sem o atentado de Juiz de Fora, Bolsonaro teria que expor ao país sua colossal estupidez e ignorância sobre todos os temas relevantes para um candidato a presidente. Em vez disso, capitalizou eleitoralmente a vitimização e a cobertura midiática 24 horas por dia de sua recuperação. Ou seja, Bolsonaro escondeu dos eleitores sua boçalidade numa enfermaria de hospital. Contudo, os últimos vídeos que circulam nas redes sociais só reforçam a suspeita de que a facada não passou de uma monumental, e providencial, encenação. São várias perguntas sem resposta. O dia em que a verdade vier à tona o governo desmorona de vez.

6) Os golpistas incrustados nas instituições do Estado brasileiro rasgaram um tratado internacional do qual o Brasil é signatário ao não acatar resolução da ONU determinando que direitos políticos de Lula fossem respeitados e ele, mesmo preso, pudesse concorrer à presidência da República. Vale destacar que Lula, em que pese encarcerado em Curitiba, liderava com folga todas as pesquisas e tinha chances reais de vencer a eleição ainda no primeiro turno.

7) Lula foi vítima da maior perseguição já sofrida por um político brasileiro justamente para impedir que ele chegasse à presidência pela terceira vez. A favor dele não vale a Constituição, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Judiciário funciona em tempo recorde. Não gosto da expressão de que ele foi condenado sem provas. É bem mais grave: ele foi condenado, isto sim, apesar das provas de sua inocência apresentadas por sua defesa. As acusações contra ele, de tão ridículas e patéticas, não prosperariam em judiciários de países minimamente democráticos. Desde o golpe de estado que apeou a presidenta Dilma Rousseff do governo, a verdadeira obsessão dos golpistas era alijar Lula das eleições.Sabiam que no voto não teriam a menor chance.

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