Por Antônio Augusto de Queiroz, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
O novo Congresso Nacional, renovado em 52% na Câmara e 85% no Senado – em relação às 54 vagas em disputa – será mais liberal na economia, mais conservador nos costumes e mais atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente do que o atual. Pulverizado partidariamente e organizado em torno de bancadas informais – como a evangélica, segurança/bala e ruralista –, será o mais conservador desde a redemocratização.
Este pleito teve como principal mote a rejeição ao sistema político e suas práticas. Mesmo os deputados e senadores tendo elaborado regras para assegurar suas reeleições – como a janela partidária, o fundo eleitoral e a redução do tempo de campanha e de propaganda eleitoral –, a onda de renovação foi avassaladora.
As eleições de 2018 também revelam uma mudança de paradigma na forma de fazer campanha no Brasil, com o ingresso definitivo da era digital nas disputas eleitorais, inclusive com o emprego da inteligência artificial no impulsionamento e direcionamento de mensagens a determinadas comunidades nas redes sociais.
De fato, estas eleições romperam com os parâmetros das campanhas anteriores. Historicamente, quatro condições, além de bons programas de governo, sempre foram indispensáveis para ganhar eleição no Brasil: maiores e melhores palanques, mais financiamento, mais tempo de rádio e televisão e militantes de rua.
A renovação, como regra, é saudável, porque a alternância no poder é um dos principais pilares da democracia. Entretanto, como a motivação dessa renovação foi mais de rejeição aos atuais detentores de mandatos (bons e ruins) e menos de substituição qualitativa – com escolhas baseadas em critérios, propostas, trajetórias política e profissional dos candidatos –, há sérias dúvidas sobre a qualidade dos eleitos.
Apenas para ilustrar essa preocupação com a qualidade do novo Congresso, basta dizer que a maioria absoluta dos novos foi eleita por ser liderança evangélica, policial linha-dura, celebridade ou parente de políticos tradicionais. Ademais, foram eleitos alguns expoentes da “nova direita”, cujo único cabedal é terem liderado movimentos antipolítica, negando a validade do próprio sistema político-eleitoral.
Talvez o fato de a eleição ter se dado num ambiente conflagrado, com um período de campanha muito curto e sem debate de propostas, a renovação tenha deixado muito a desejar em termos qualitativos, embora tenha sido grande do ponto de vista quantitativo. Muitos dos “novos” não têm a menor noção do que são, o que fazem e como funcionam as instituições do Estado. Boa parte imagina utilizar o mandato para se vingar do que, equivocadamente, consideram os inimigos da família, da pátria e da probidade, ou para defender o Estado mínimo.
Em termos numéricos, dos 513 deputados eleitos em 31 de outubro de 2018, 269 são novos ou não estavam no exercício do mandato, 244 foram reeleitos e 253 irão exercer seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Dos 407 deputados que tentaram a reeleição, 163 não lograram êxito, tendo sido derrotados. Dos 269 considerados “novos”, 128 têm experiência anterior como agente político – eleito ou nomeado para função de confiança – e 141 nunca exerceram nenhuma função política anterior.
A renovação só não foi maior na Câmara dos Deputados por causa das coligações (que deixam de existir a partir de 2020), que facilitaram a reeleição de muitos candidatos, e pela exigência individual de 10% do cociente eleitoral para o candidato ter direito a ocupar uma vaga na Câmara. Dois partidos – o PSL e o Novo – foram atingidos por essa nova exigência. O primeiro deixou de ocupar mais sete cadeiras em São Paulo, e o segundo, mais uma cadeira no Rio Grande do Sul.
No Senado, o fenômeno foi ainda mais intenso. Dos 54 senadores atuais, apenas oito conseguiram renovar seus mandatos. Quarenta e seis serão novos ou não estavam no exercício do mandato. Destes, pelo menos nove nunca exerceram nenhum cargo político, nem no Executivo nem no Legislativo.
Outra novidade da eleição foi o aumento do número de partidos com representação na Câmara dos Deputados, que passou de 28, na eleição de 2014, para trinta, neste pleito de 2018. Deve haver um enxugamento do número de partidos, porque, entre as legendas que elegeram deputados neste pleito, apenas 21 atingiram a cláusula de barreira. Ou seja, nove não alcançaram nem superaram a cláusula de desempenho. Se utilizarmos como parâmetro o número de partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral, 35, constatamos que catorze não alcançaram a cláusula de barreira.
Os partidos que não atingiram a cláusula de desempenho ficarão privados do acesso aos recursos do fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito e tendem a se fundir com outros que atingiram a cláusula de desempenho ou seus parlamentares migrarão, sem perda de mandato, para um partido que tenha superado a barreira. De uma forma ou de outra, haverá redução do número de partidos na Câmara.
Para atingir a cláusula de barreira em 2018, o partido precisava ter alcançado 1,5% do eleitorado nacional, sendo pelo menos 1% em um terço dos estados (nove) ou ter eleito deputados em pelo menos nove estados diferentes.
Quanto ao espectro ideológico da Câmara dos Deputados, a novidade foi a assunção e o crescimento da direita, com 209 deputados. As demais forças são: a centro-direita, com 94 deputados; o centro, com 75; a centro-esquerda, com sessenta; e a esquerda, com 75. No Senado, a maior presença é das forças de centro, com 29 senadores, seguida da direita, com 22, da centro-direita, com treze, da esquerda, com onze, e da centro-esquerda, com seis. Outros levantamentos apontam um crescimento da direita no Congresso da ordem de 30%, alcançando 301 deputados e 41 senadores a partir de 2019.
Em relação ao perfil socioeconômico, a nova Câmara dos Deputados terá predominância de profissionais liberais e empresários, algo como dois terços da Casa, e um terço dividido entre assalariados e atividades de natureza diversa. Em termos quantitativos, próximo de duzentos são profissionais liberais, 150 são empresários e 160 são assalariados e ocupantes de atividades diversas.
Do ponto de vista das bancadas informais, a correlação de forças é muito desfavorável à área social, aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos trabalhadores. A bancada sindical, por exemplo, teve redução de aproximadamente vinte integrantes, enquanto as bancadas conservadoras, mesmo tendo perdido alguns integrantes, como a ruralista e a evangélica, vêm fortalecidas, tanto pelo fato de suas pautas terem sido apoiadas por um dos candidatos à Presidência, como pela razão de que a bancada da segurança, ou da bala, cresceu, e a bancada empresarial se manteve grande.
A bancada ruralista, por exemplo, vai insistir em transferir do Poder Executivo para o Congresso a prerrogativa de deliberar sobre a demarcação das terras indígenas e propor mudanças para permitir a exploração dessas áreas; continuar pressionando por anistias, renúncias e incentivos fiscais; buscar regulamentar, em bases restritivas, a emenda constitucional de combate ao trabalho escravo; propor revisão na desapropriação por interesse social; e defender o livre uso de defensivos agrícolas, bem como a liberdade para desmatamento.
No caso da bancada da segurança, ou da bala, a pressão incidirá sobre o Estatuto do Desarmamento, a liberação do porte de armas, a redução da maioridade penal, a repressão aos movimentos sociais e a proteção ao policial que matar em serviço.
No caso da bancada evangélica, os temas continuarão os de sempre: união homoafetiva, ideologia de gênero, defesa da família, questão do aborto, direitos bióticos etc.
Em que pese reconhecer que o novo Congresso foi o mais renovado dos últimos vinte anos e que terá mais jovens, mais mulheres, mais negros, mais parlamentares conectados às redes sociais, mais estreantes ou deputados e senadores em primeiro mandato e será mais instruído que os anteriores, pode-se afirmar com segurança que será o mais conservador dos últimos quarenta anos.
Um bom exemplo para ilustrar o caráter conservador do novo Congresso pode ser a origem e a visão de mundo dos 27 deputados eleitos com seus próprios votos. Segundo levantamento do Diap, um terço (nove) dos campeões de votos pertence a partidos de centro, centro-esquerda e esquerda (um do Pros, um do PV, três do PSB, três do PT e um do Psol) e dois terços (dezoito) vieram de partidos de direita e centro-direita (sete do PSL, três do PSD, dois do PR, um do PSC, um do PRB, um do Avante, um do DEM, um do Novo e um do PMN). E os eleitos pelos partidos de direita e centro-direita são, em sua maioria, policiais, evangélicos, parentes de políticos ou líderes de movimentos antipolíticos e de movimentos liberais, como o Movimento Brasil Livre (MBL).
A nova correlação de forças, como se vê, é bastante desfavorável. Isso significa que os partidos de esquerda e centro-esquerda com representação no Congresso terão um enorme desafio para conter as tentativas de retrocesso no papel do Estado, na condução da economia, na gestão pública e na defesa dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, púbicos e privados, da previdência social e dos programas sociais.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.
O novo Congresso Nacional, renovado em 52% na Câmara e 85% no Senado – em relação às 54 vagas em disputa – será mais liberal na economia, mais conservador nos costumes e mais atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente do que o atual. Pulverizado partidariamente e organizado em torno de bancadas informais – como a evangélica, segurança/bala e ruralista –, será o mais conservador desde a redemocratização.
Este pleito teve como principal mote a rejeição ao sistema político e suas práticas. Mesmo os deputados e senadores tendo elaborado regras para assegurar suas reeleições – como a janela partidária, o fundo eleitoral e a redução do tempo de campanha e de propaganda eleitoral –, a onda de renovação foi avassaladora.
As eleições de 2018 também revelam uma mudança de paradigma na forma de fazer campanha no Brasil, com o ingresso definitivo da era digital nas disputas eleitorais, inclusive com o emprego da inteligência artificial no impulsionamento e direcionamento de mensagens a determinadas comunidades nas redes sociais.
De fato, estas eleições romperam com os parâmetros das campanhas anteriores. Historicamente, quatro condições, além de bons programas de governo, sempre foram indispensáveis para ganhar eleição no Brasil: maiores e melhores palanques, mais financiamento, mais tempo de rádio e televisão e militantes de rua.
A renovação, como regra, é saudável, porque a alternância no poder é um dos principais pilares da democracia. Entretanto, como a motivação dessa renovação foi mais de rejeição aos atuais detentores de mandatos (bons e ruins) e menos de substituição qualitativa – com escolhas baseadas em critérios, propostas, trajetórias política e profissional dos candidatos –, há sérias dúvidas sobre a qualidade dos eleitos.
Apenas para ilustrar essa preocupação com a qualidade do novo Congresso, basta dizer que a maioria absoluta dos novos foi eleita por ser liderança evangélica, policial linha-dura, celebridade ou parente de políticos tradicionais. Ademais, foram eleitos alguns expoentes da “nova direita”, cujo único cabedal é terem liderado movimentos antipolítica, negando a validade do próprio sistema político-eleitoral.
Talvez o fato de a eleição ter se dado num ambiente conflagrado, com um período de campanha muito curto e sem debate de propostas, a renovação tenha deixado muito a desejar em termos qualitativos, embora tenha sido grande do ponto de vista quantitativo. Muitos dos “novos” não têm a menor noção do que são, o que fazem e como funcionam as instituições do Estado. Boa parte imagina utilizar o mandato para se vingar do que, equivocadamente, consideram os inimigos da família, da pátria e da probidade, ou para defender o Estado mínimo.
Em termos numéricos, dos 513 deputados eleitos em 31 de outubro de 2018, 269 são novos ou não estavam no exercício do mandato, 244 foram reeleitos e 253 irão exercer seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Dos 407 deputados que tentaram a reeleição, 163 não lograram êxito, tendo sido derrotados. Dos 269 considerados “novos”, 128 têm experiência anterior como agente político – eleito ou nomeado para função de confiança – e 141 nunca exerceram nenhuma função política anterior.
A renovação só não foi maior na Câmara dos Deputados por causa das coligações (que deixam de existir a partir de 2020), que facilitaram a reeleição de muitos candidatos, e pela exigência individual de 10% do cociente eleitoral para o candidato ter direito a ocupar uma vaga na Câmara. Dois partidos – o PSL e o Novo – foram atingidos por essa nova exigência. O primeiro deixou de ocupar mais sete cadeiras em São Paulo, e o segundo, mais uma cadeira no Rio Grande do Sul.
No Senado, o fenômeno foi ainda mais intenso. Dos 54 senadores atuais, apenas oito conseguiram renovar seus mandatos. Quarenta e seis serão novos ou não estavam no exercício do mandato. Destes, pelo menos nove nunca exerceram nenhum cargo político, nem no Executivo nem no Legislativo.
Outra novidade da eleição foi o aumento do número de partidos com representação na Câmara dos Deputados, que passou de 28, na eleição de 2014, para trinta, neste pleito de 2018. Deve haver um enxugamento do número de partidos, porque, entre as legendas que elegeram deputados neste pleito, apenas 21 atingiram a cláusula de barreira. Ou seja, nove não alcançaram nem superaram a cláusula de desempenho. Se utilizarmos como parâmetro o número de partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral, 35, constatamos que catorze não alcançaram a cláusula de barreira.
Os partidos que não atingiram a cláusula de desempenho ficarão privados do acesso aos recursos do fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito e tendem a se fundir com outros que atingiram a cláusula de desempenho ou seus parlamentares migrarão, sem perda de mandato, para um partido que tenha superado a barreira. De uma forma ou de outra, haverá redução do número de partidos na Câmara.
Para atingir a cláusula de barreira em 2018, o partido precisava ter alcançado 1,5% do eleitorado nacional, sendo pelo menos 1% em um terço dos estados (nove) ou ter eleito deputados em pelo menos nove estados diferentes.
Quanto ao espectro ideológico da Câmara dos Deputados, a novidade foi a assunção e o crescimento da direita, com 209 deputados. As demais forças são: a centro-direita, com 94 deputados; o centro, com 75; a centro-esquerda, com sessenta; e a esquerda, com 75. No Senado, a maior presença é das forças de centro, com 29 senadores, seguida da direita, com 22, da centro-direita, com treze, da esquerda, com onze, e da centro-esquerda, com seis. Outros levantamentos apontam um crescimento da direita no Congresso da ordem de 30%, alcançando 301 deputados e 41 senadores a partir de 2019.
Em relação ao perfil socioeconômico, a nova Câmara dos Deputados terá predominância de profissionais liberais e empresários, algo como dois terços da Casa, e um terço dividido entre assalariados e atividades de natureza diversa. Em termos quantitativos, próximo de duzentos são profissionais liberais, 150 são empresários e 160 são assalariados e ocupantes de atividades diversas.
Do ponto de vista das bancadas informais, a correlação de forças é muito desfavorável à área social, aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos trabalhadores. A bancada sindical, por exemplo, teve redução de aproximadamente vinte integrantes, enquanto as bancadas conservadoras, mesmo tendo perdido alguns integrantes, como a ruralista e a evangélica, vêm fortalecidas, tanto pelo fato de suas pautas terem sido apoiadas por um dos candidatos à Presidência, como pela razão de que a bancada da segurança, ou da bala, cresceu, e a bancada empresarial se manteve grande.
A bancada ruralista, por exemplo, vai insistir em transferir do Poder Executivo para o Congresso a prerrogativa de deliberar sobre a demarcação das terras indígenas e propor mudanças para permitir a exploração dessas áreas; continuar pressionando por anistias, renúncias e incentivos fiscais; buscar regulamentar, em bases restritivas, a emenda constitucional de combate ao trabalho escravo; propor revisão na desapropriação por interesse social; e defender o livre uso de defensivos agrícolas, bem como a liberdade para desmatamento.
No caso da bancada da segurança, ou da bala, a pressão incidirá sobre o Estatuto do Desarmamento, a liberação do porte de armas, a redução da maioridade penal, a repressão aos movimentos sociais e a proteção ao policial que matar em serviço.
No caso da bancada evangélica, os temas continuarão os de sempre: união homoafetiva, ideologia de gênero, defesa da família, questão do aborto, direitos bióticos etc.
Em que pese reconhecer que o novo Congresso foi o mais renovado dos últimos vinte anos e que terá mais jovens, mais mulheres, mais negros, mais parlamentares conectados às redes sociais, mais estreantes ou deputados e senadores em primeiro mandato e será mais instruído que os anteriores, pode-se afirmar com segurança que será o mais conservador dos últimos quarenta anos.
Um bom exemplo para ilustrar o caráter conservador do novo Congresso pode ser a origem e a visão de mundo dos 27 deputados eleitos com seus próprios votos. Segundo levantamento do Diap, um terço (nove) dos campeões de votos pertence a partidos de centro, centro-esquerda e esquerda (um do Pros, um do PV, três do PSB, três do PT e um do Psol) e dois terços (dezoito) vieram de partidos de direita e centro-direita (sete do PSL, três do PSD, dois do PR, um do PSC, um do PRB, um do Avante, um do DEM, um do Novo e um do PMN). E os eleitos pelos partidos de direita e centro-direita são, em sua maioria, policiais, evangélicos, parentes de políticos ou líderes de movimentos antipolíticos e de movimentos liberais, como o Movimento Brasil Livre (MBL).
A nova correlação de forças, como se vê, é bastante desfavorável. Isso significa que os partidos de esquerda e centro-esquerda com representação no Congresso terão um enorme desafio para conter as tentativas de retrocesso no papel do Estado, na condução da economia, na gestão pública e na defesa dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, púbicos e privados, da previdência social e dos programas sociais.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.
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