quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O espetáculo da fascistização

Por Marcelo Zero

Brasília está sitiada para a posse do presidente que defende a tortura e a ditadura.

Há um enorme aparato militar ostensivo distribuído em pontos estratégicos e de grande visibilidade.

A Esplanada e a Praça dos Três Poderes, o coração da cidade, estão cercadas por tropas numerosas.

A toda hora, helicópteros militares sobrevoam a cidade de Niemeyer e Lúcio Costa.

Parece que estamos em guerra ou que há uma quartelada em andamento.

Alega-se que tudo isso seria necessário em nome da segurança do evento.

Trata-se, a meu ver, de alegação frágil.

No mundo civilizado, em países sujeitos a atos de terrorismo, há esquemas de segurança rígidos para eventos semelhantes.

Mas, por motivos claros, eles são bem mais discretos e certamente menos militarizados.

Nos EUA, por exemplo, os agentes do Serviço Secreto, do FBI etc. atuam discretamente, misturando-se a convidados e público.

Coloca-se ênfase em atividades de inteligência e na vigilância secreta, que são muito mais eficientes na prevenção a atentados que a presença ostensiva de militares uniformizados com tanques e mísseis. Por óbvio, patrulhamentos militares ostensivos são facilmente burláveis por terroristas minimamente eficazes.

Assim, parece-me que o esquema militar grandioso e caríssimo da posse de Bolsonaro tem duas outras funções principais:

1) Impedir eventuais manifestações contrárias ao presidente neofascista e, sobretudo,

2) Fazer a propaganda do novo regime autoritário.

O primeiro ponto é óbvio. O segundo, nem tanto.

Tanto o fascismo como o nazismo foram regimes que recorreram a espetáculos grandiosos para sua afirmação e legitimação.

O historiador Karl Dietrich Bracher argumenta que o sucesso da ideologia nazista não pode ser entendido sem a compreensão do papel central da propaganda.

Tal propaganda criou um forte fenômeno psicorreligioso na população alemã.

O líder passou a ser visto como uma espécie de representante do divino na Terra, um ser infalível, que pairava sobre todos.

Fundamental para a configuração de tal fenômeno foram as cerimônias cuidadosamente coreografadas e intensamente militarizadas, como os famosos rallies de Nuremberg, nos quais se comemorava o aniversário do partido nazista.

Nessas cerimônias, o aspecto militarista era central.

Uniformes, estandartes e bandeiras desfilavam em rígida formação.

O objetivo era projetar força e poder. Força e poder para intimidar os inimigos e força e poder para “empoderar” os membros da seita político-religiosa.

Dessa forma, o cidadão comum, humilhado e amedrontado pela recessão, a insegurança e a derrota na Primeira Guerra Mundial, sentia-se forte e protegido. Sua vida medíocre ganhava propósito e sentido.

E o propósito comum era defender os valores culturais e religiosos do “Ocidente” e os valores nacionais da Alemanha contra a ameaça maléfica, universalista e corrupta do bolchevismo e do judaísmo.

Qualquer semelhança com o bolsonarismo, sua mistura de fundamentalismo cristão e reacionarismo político, sua cruzada santa contra o “marxismo cultural” que ameaça o “Ocidente” e seu discurso fortemente autoritário, violento e militarizante não é mera coincidência.

Embora em épocas e circunstâncias muito diferentes, o bolsonarismo cumpre, no Brasil da crise, o mesmo papel psicopolítico que o nazismo desempenhou na República de Weimar.

Ele proporciona, mediante a projeção de força, poder simbólico e propósito a uma legião de gente fragilizada e amedrontada, que busca no ódio a inimigos imaginários a sua redenção.

Por isso mesmo, seu primeiro grande ato será distribuir armas aos “cidadãos de bem”.

Nesse sentido, a posse do “Mito”, nesse ambiente de militarização ostensiva, será um primeiro grande rally político do nosso fascismo. Uma espécie de Nuremberg em Brasília.

Não se trata, portanto, de segurança contra atentados. Pelo menos não no essencial.

E não se trata, muito menos, de uma festa republicana, democrática, destinada a unir os brasileiros.

Ao contrário, trata-se de uma cerimônia para demarcar terreno simbólico e político.

Uma cerimônia para dividir o Brasil entre aqueles que têm de ser banidos, presos ou “metralhados” e aqueles que, agora, dispõem da força e “legitimidade” necessárias para eliminar seus “inimigos”.

Por muito tempo, o Brasil e sua democracia desprezaram a ameaça do fascismo bolsonarista.

Agora, talvez seja tarde demais.

O rally político deste primeiro de janeiro poderá ser o primeiro de muitos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: