Por Vincent Ortiz e Antoine Cargoet, no site Outras Palavras:
Encontramos Ignácio Ramonet, ex editor do Le Monde Diplomatique, co-fundador da Attac e do Fórum Social Mundial. Ex professor da Universidade de Paris VII, Ramonet tornou-se figura proeminente do altermundismo, é especialista em estudos sobre América Latina e sistema midiático. Nessa entrevista, ele trata das mutações pelas quais passou o campo midiático, sobre a maneira como as redes sociais contribuem para modificá-lo, sobre a erosão da hegemonia neoliberal, sobre o fenômeno populista, e ainda sobre os fenômenos políticos recentes que marcaram a América Latina (eleição de López Obrador no México, derrota de Gustavo Petro na Colômbia, eleição de Bolsonaro no Brasil…).
A lei francesa anti “fake news”, preparada em acordo com os grandes donos da mídia e com as empresas que lidam com os servidores e as redes sociais, foi adotada pela Assembléia Nacional em novembro de 2018. Que sentimentos ela lhe provoca?
No campo midiático, as “fake news” (falsas notícias) não constituem um elemento realmente novo. Não é porque a expressão “fake news” é nova que as mentiras e falsidades das mídias também o são. Nós conhecemos a desinformação, a manipulação, a intoxicação e a lavagem cerebral desde o surgimento das chamadas “mídias de massa” no final do século XIX. E vamos conter a atual epidemia de informação tóxica por meio de uma lei? A intenção é, sem dúvida, louvável, mas eu, pessoalmente, sou cético.
Como todas as leis que buscam conter os “excessos” das mídias, esta terá um efeito limitado. É um pouco como se o legislador decidisse que “está proibido mentir nas mídias”. É claro que do ponto de vista moral está correto. Mas as leis sobre imprensa, códigos de ética de mídia ou de ética profissional dos jornalistas já são exigidos. E nós vemos claramente os limites… A prova é que foi necessário inventar mais recentemente, dentro das redações, a figura do “mediador”, e mais tarde os serviços de “checagem de fatos”… Penso que a lei lei anti “fake news” responde sobretudo a uma preocupação da sociedade. E que para as grandes oligarquias midiáticas, assim como para os jornalistas dominantes, não passa de um alibi destinado a apaziquar os ânimos sociais. Não acho mudará muita coisa
Estamos assentados em um sistema de mídia do tipo “quântico”, que opera tão bem com a verdade quanto com a mentira. Essa coexistência simultânea de verdade e mentira é a principal característica da atual mecânica da mídia. E é a ameaça central, em matéria de informação, que deve afrontar o cidadão. Ele agora deve viver com informação tóxica assim como, na saúde, ele vive com as ameaças que representam os vírus ou bactérias. O que não significa que ele tenha que se resignar a isso. Pelo contrário, deve mobilizar-se, armar-se para lutar e se vacinar contra seus efeitos nocivos. A este respeito, pode-se até imaginar – sem ser completamente paranoico – que a lei, enquanto finge tranquilizar, visa de certa forma a desmobilizar os cidadãos … E fazê-los, paradoxalmente, alvos ainda mais fáceis para notícias falsas …
Alguns acreditam que notícias falsas são o produto de redes sociais que funcionam em buzz, ou algoritmos … Você acha que há uma leitura um pouco simplista do fenômeno “fake news”?
Qual deveria ser a principal preocupação de todo sistema midiático? Difundir uma informação verificada, garantida contra mentiras, assim como certos produtos alimentares possuem a garantia “sem cafeína”, “sem açúcar” ou “sem glútem”. “Sem informação tóxica”. Informar os cidadãos, mas submetendo as informações a um filtro prévio, uma purificação (assim como dizemos “estação de purificação” para eliminar os resíduos) que elimine as falsas informações e as informações tóxicas de todo tipo…
No entanto, a partir do momento em que a aceleração da mídia atingiu a velocidade da luz, a verificação séria tornou-se quase impossível. Além disso, todos nos tornamos, por meio de smartphones e redes sociais, produtores compulsivos de informações. O sistema de mídia e os jornalistas perderam o monopólio da transmissão de notícias. Nesse contexto, a mídia teria todo o interesse em garantir a verificação, pelo menos para nos convencer de que as informações que nos chegam através delas são mais confiáveis do que aquelas que chegam até nós através do sistema selvagem das redes sociais (Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, YouTube, etc.).
Mas não é o caso. O sistema de mídia não fornece muitas garantias adicionais em relação às redes sociais. E não é por razões morais. Não pode fazê-lo por razões puramente técnicas, de concorrência e, em última análise, por interesses comerciais. Em primeiro lugar, por causa da aceleração da circulação da informação, o hiato entre o momento em que uma mídia recebe informação e aquele em que ela se difunde desapareceu. Também porque, em face do medo de que uma publicação concorrente divulgue uma informação primeiro, a mídia agora tende a transmitir notícias assim que a recebe. Sem dispender de tempo para verificá-los … Deixa para desmentir ou corrigir mais tarde. Isso coloca os cidadãos em uma situação que eu chamo de “insegurança informacional” porque eles nunca sabem se uma informação é verdadeira ou falsa …
Costumo comparar o jornalista contemporâneo ao comentarista esportivo de uma partida de futebol na TV. Presente no estádio, o comentarista não conhece mais do que o espectador sobre o resultado da partida. Ele ignora a pontuação final do jogo, assim como a pessoa em casa na frente de sua pequena tela. Se o espectador – que conhece as regras do jogo – cortasse o som, poderia seguir perfeitamente o jogo sem a ajuda do comentarista … Para que ele serve então? Qual é, de certo modo, seu “valor agregado”? Levantar essas questões já é significativo sobre o papel secundário ou até dispensável do comentarista.
No campo da informação ocorre o mesmo fenômeno: o papel do jornalista está prestes a se tornar o de um simples comentarista…Tecnicamente incapazes de verificar as informações, as mídias não são mais garantias de qualidade da informação, e contornam essa carência por meio de um excesso de comentários… Quanto menos eles sabem, mais dizem.
Você escreveu em 2011 um artigo intitulado “Automatos da Informação”, no qual aponta a automação da informação, cada dia mais governada por algoritmos, para um público cada vez mais direcionado. Na época, você avaliou que este não se tornaria um modelo dominante. Hoje, o Facebook assina contratos com os principais jornais norte-americanos e franceses para destacar suas publicações e, em troca, essas mídias podem se adaptar aos algoritmos do Facebook para maximizar suas visualizações Você acha que num momento em que todo mundo usa o Facebook, Twitter, etc, esse modelo de informação governado por algoritmos está prestes a se tornar o modelo dominante?
Já é o caso. O que fazia uma informação sair nas primeiras páginas da imprensa tradicional de papel? Era o conselho editorial ou, em última instância, o editor-chefe ou o diretor do jornal que decidia de maneira soberana, em função do conjunto de notícias do dia. Hoje, quem decide colocar na abertura de tela tal ou qual informação na versão web de uma mídia? É o número de “cliques”, consultas digitais, que automaticamente fazem “subir” a informação, deixando-a em destaque. A hierarquia de informações é agora determinada pelo número de cliques.
Mas por outro lado, sabemos que tanto o Google como o Facebook distorcem seus dados. Isso quer dizer que hoje temos a possibilidade de comprar, mediante o pagamento de uma taxa, os “primeiros lugares”, para estar entre as informações que aparecem melhor situadas na tela quando procuramos dados no web. As primeiras propostas do Google não são as mais consultadas, mas aquelas cujas empresas-mãe anunciam e pagam por elas. Se o usuário não prestar atenção, ele será pego. Além desses casos, para todas as mídias, o sistema é o mesmo: são as redes sociais que determinam a hierarquia das informações.
O campo midiático não está mais reduzido à única galáxia de mídia tradicional, composta da trilogia sagrada: imprensa escrita, rádio, televisão. Hoje, o meio dominante são as redes sociais. Lembre-se que o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, já havia vencido sua primeira campanha eleitoral, em novembro de 2008, com base no uso inovador das redes sociais. E ainda assim foi em um estágio embrionário. Obama ainda estava em programas de TV para dar entrevistas porque seus consultores de marketing eleitoral pensavam que a televisão ainda era o meio dominante.
A lei francesa anti “fake news”, preparada em acordo com os grandes donos da mídia e com as empresas que lidam com os servidores e as redes sociais, foi adotada pela Assembléia Nacional em novembro de 2018. Que sentimentos ela lhe provoca?
No campo midiático, as “fake news” (falsas notícias) não constituem um elemento realmente novo. Não é porque a expressão “fake news” é nova que as mentiras e falsidades das mídias também o são. Nós conhecemos a desinformação, a manipulação, a intoxicação e a lavagem cerebral desde o surgimento das chamadas “mídias de massa” no final do século XIX. E vamos conter a atual epidemia de informação tóxica por meio de uma lei? A intenção é, sem dúvida, louvável, mas eu, pessoalmente, sou cético.
Como todas as leis que buscam conter os “excessos” das mídias, esta terá um efeito limitado. É um pouco como se o legislador decidisse que “está proibido mentir nas mídias”. É claro que do ponto de vista moral está correto. Mas as leis sobre imprensa, códigos de ética de mídia ou de ética profissional dos jornalistas já são exigidos. E nós vemos claramente os limites… A prova é que foi necessário inventar mais recentemente, dentro das redações, a figura do “mediador”, e mais tarde os serviços de “checagem de fatos”… Penso que a lei lei anti “fake news” responde sobretudo a uma preocupação da sociedade. E que para as grandes oligarquias midiáticas, assim como para os jornalistas dominantes, não passa de um alibi destinado a apaziquar os ânimos sociais. Não acho mudará muita coisa
Estamos assentados em um sistema de mídia do tipo “quântico”, que opera tão bem com a verdade quanto com a mentira. Essa coexistência simultânea de verdade e mentira é a principal característica da atual mecânica da mídia. E é a ameaça central, em matéria de informação, que deve afrontar o cidadão. Ele agora deve viver com informação tóxica assim como, na saúde, ele vive com as ameaças que representam os vírus ou bactérias. O que não significa que ele tenha que se resignar a isso. Pelo contrário, deve mobilizar-se, armar-se para lutar e se vacinar contra seus efeitos nocivos. A este respeito, pode-se até imaginar – sem ser completamente paranoico – que a lei, enquanto finge tranquilizar, visa de certa forma a desmobilizar os cidadãos … E fazê-los, paradoxalmente, alvos ainda mais fáceis para notícias falsas …
Alguns acreditam que notícias falsas são o produto de redes sociais que funcionam em buzz, ou algoritmos … Você acha que há uma leitura um pouco simplista do fenômeno “fake news”?
Qual deveria ser a principal preocupação de todo sistema midiático? Difundir uma informação verificada, garantida contra mentiras, assim como certos produtos alimentares possuem a garantia “sem cafeína”, “sem açúcar” ou “sem glútem”. “Sem informação tóxica”. Informar os cidadãos, mas submetendo as informações a um filtro prévio, uma purificação (assim como dizemos “estação de purificação” para eliminar os resíduos) que elimine as falsas informações e as informações tóxicas de todo tipo…
No entanto, a partir do momento em que a aceleração da mídia atingiu a velocidade da luz, a verificação séria tornou-se quase impossível. Além disso, todos nos tornamos, por meio de smartphones e redes sociais, produtores compulsivos de informações. O sistema de mídia e os jornalistas perderam o monopólio da transmissão de notícias. Nesse contexto, a mídia teria todo o interesse em garantir a verificação, pelo menos para nos convencer de que as informações que nos chegam através delas são mais confiáveis do que aquelas que chegam até nós através do sistema selvagem das redes sociais (Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, YouTube, etc.).
Mas não é o caso. O sistema de mídia não fornece muitas garantias adicionais em relação às redes sociais. E não é por razões morais. Não pode fazê-lo por razões puramente técnicas, de concorrência e, em última análise, por interesses comerciais. Em primeiro lugar, por causa da aceleração da circulação da informação, o hiato entre o momento em que uma mídia recebe informação e aquele em que ela se difunde desapareceu. Também porque, em face do medo de que uma publicação concorrente divulgue uma informação primeiro, a mídia agora tende a transmitir notícias assim que a recebe. Sem dispender de tempo para verificá-los … Deixa para desmentir ou corrigir mais tarde. Isso coloca os cidadãos em uma situação que eu chamo de “insegurança informacional” porque eles nunca sabem se uma informação é verdadeira ou falsa …
Costumo comparar o jornalista contemporâneo ao comentarista esportivo de uma partida de futebol na TV. Presente no estádio, o comentarista não conhece mais do que o espectador sobre o resultado da partida. Ele ignora a pontuação final do jogo, assim como a pessoa em casa na frente de sua pequena tela. Se o espectador – que conhece as regras do jogo – cortasse o som, poderia seguir perfeitamente o jogo sem a ajuda do comentarista … Para que ele serve então? Qual é, de certo modo, seu “valor agregado”? Levantar essas questões já é significativo sobre o papel secundário ou até dispensável do comentarista.
No campo da informação ocorre o mesmo fenômeno: o papel do jornalista está prestes a se tornar o de um simples comentarista…Tecnicamente incapazes de verificar as informações, as mídias não são mais garantias de qualidade da informação, e contornam essa carência por meio de um excesso de comentários… Quanto menos eles sabem, mais dizem.
Você escreveu em 2011 um artigo intitulado “Automatos da Informação”, no qual aponta a automação da informação, cada dia mais governada por algoritmos, para um público cada vez mais direcionado. Na época, você avaliou que este não se tornaria um modelo dominante. Hoje, o Facebook assina contratos com os principais jornais norte-americanos e franceses para destacar suas publicações e, em troca, essas mídias podem se adaptar aos algoritmos do Facebook para maximizar suas visualizações Você acha que num momento em que todo mundo usa o Facebook, Twitter, etc, esse modelo de informação governado por algoritmos está prestes a se tornar o modelo dominante?
Já é o caso. O que fazia uma informação sair nas primeiras páginas da imprensa tradicional de papel? Era o conselho editorial ou, em última instância, o editor-chefe ou o diretor do jornal que decidia de maneira soberana, em função do conjunto de notícias do dia. Hoje, quem decide colocar na abertura de tela tal ou qual informação na versão web de uma mídia? É o número de “cliques”, consultas digitais, que automaticamente fazem “subir” a informação, deixando-a em destaque. A hierarquia de informações é agora determinada pelo número de cliques.
Mas por outro lado, sabemos que tanto o Google como o Facebook distorcem seus dados. Isso quer dizer que hoje temos a possibilidade de comprar, mediante o pagamento de uma taxa, os “primeiros lugares”, para estar entre as informações que aparecem melhor situadas na tela quando procuramos dados no web. As primeiras propostas do Google não são as mais consultadas, mas aquelas cujas empresas-mãe anunciam e pagam por elas. Se o usuário não prestar atenção, ele será pego. Além desses casos, para todas as mídias, o sistema é o mesmo: são as redes sociais que determinam a hierarquia das informações.
O campo midiático não está mais reduzido à única galáxia de mídia tradicional, composta da trilogia sagrada: imprensa escrita, rádio, televisão. Hoje, o meio dominante são as redes sociais. Lembre-se que o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, já havia vencido sua primeira campanha eleitoral, em novembro de 2008, com base no uso inovador das redes sociais. E ainda assim foi em um estágio embrionário. Obama ainda estava em programas de TV para dar entrevistas porque seus consultores de marketing eleitoral pensavam que a televisão ainda era o meio dominante.
Tudo mudou em 2016. Pela primeira vez desde a década de 1940 e a ascensão da televisão, Donald Trump fez sua campanha eleitoral vitoriosa sem dar uma única entrevista para nenhum dos quatro principais canais norte-americanos (ABC, CBS, NBC, Fox). Vale notar que a audiência média acumulada de noticiários dos quatro principais canais dos EUA é de apenas 29 milhões de telespectadores (em um país de 325 milhões de habitantes …). Em contraste, nas redes sociais, Donald Trump tem cerca de 30 milhões de “amigos” no Facebook e cerca de 60 milhões de seguidores no Twitter … Para quem ele fala diretamente …
Devemos também mencionar o novo fenômeno dos “mídia-indivíduos” e dos “influencers” (influenciadores), isto é, pessoas que – pela primeira vez desde o surgimento da mídia de massa no século XIX – não devem sua notoriedade pública às grandes mídias tradicionais (imprensa, rádio, televisão), mas exclusivamente às redes sociais. Esses influenciadores podem ter um público maior do que o dos principais canais de televisão somados … É o caso, por exemplo, de Kim Kardashian. No início estrela de reality shows, ela possui no Twitter, Facebook, Snapchat e Instagram cerca de 224 milhões de seguidores… Vale lembrar, a título de comparação, que o programa televisivo que possui a maior audiência do mundo é o Super Bowl americano e seus 113 milhões de espectadores … Kim Kardashian, sozinha, possui 100 milhões a mais!
Agora existem centenas de influencers em todo o mundo que podem vender, para seus milhões de seguidores fiéis, todos os tipos de produtos: moda, roupas, objetos, maquiagem, viagens, hotéis, tecnologia, etc. E também, é claro: idéias, causas e candidatos a eleições … Esses “indivíduos-mídias” não existiam no ecossistema da mídia tradicional de que ainda falam as faculdades de comunicação ou escolas de jornalismo … Não são, portanto, apenas os autômatos … Estamos agora em uma mecânica midiática em que os efeitos disruptivos das redes sociais vão muito além da “explosão de jornalismo” de que falei.
Sobre as redes sociais e mídias dominantes, que geralmente se juntam, que estratégias são possíveis para driblá-las? Que oportunidades a oferta de redes sociais oferece?
Sabemos que, nos anos 1990 e 2000, alguns intelectuais dissidentes – Pierre Bourdieu, por exemplo – optaram de fato pelo drible. Não render-se aos programas de TV, por considerá-los inaudíveis, devido a seu quadro de retórica, que consideravam deformado. Pierre Bourdieu contou, em seu livro “Sobre a televisão”, como se insurgiu contra o dispositivo que queria constrangir seu pensamento. Ele denunciou então o truque do debate televisivo do qual se servem as mídias dominantes a fim de encenar sua ideia de “democracia midiática”. Uma “democracia midiática” cujo absurdo, recordemos, Jean-Luc Godard havia cruelmente denunciado por meio da seguinte definição: Um minuto para os nazistas, um minuto para os judeus.
Na mesma época, Noam Chomsky demonstrou igualmente que, na TV, o significante determina o significado. A estrutura midiática termina por condicionar o que você pretende dizer. Ele assim explica: Em um debate televisivo, se você diz o que todo mundo pensa – isto é, se você repete a doxa social, um minuto é suficiente, para defender não importa qual argumento. Mas se você pretende afirmar o contrário daquilo que todo mundo pensa, então um minuto não basta. Porque você deverá desmentir as ideias recebidas, descontruí-las, remontar uma explicação, etc. Será preciso mais tempo. Irão negá-lo, sob o pretexto de que na televisão “tudo é rápido”.. Então, em uma tele de TV você jamais poderá dizer o que pensa se aquilo que pensa não for o que todo mundo pensa…
Nesta mesma linha, há cerca de trinta anos, um jornal mensal como o Le Monde Diplomatique construiu-se igualmente, por escolha de sua redação, pelas margens do sistema de mídia dominante. Tomou duas decisões inovadoras a esse respeito: por um lado, tornar a comunicação um objeto de informação. Criar um tipo de metagenro: informar sobre informação. Despertar no grande público um interesse pela teoria da comunicação e pela teoria da informação. Era novo. À exceção das revistas especializadas, a grande mídia não falava sobre isso. O Diplo foi praticamente o primeiro a dizer, em suas colunas, que a comunicação e a informação eram assuntos políticos pelos quais os cidadãos deveriam se interessar. Porque a mídia desempenha um papel decisivo na vida da cidade. A economia da imprensa, a propriedade de mídia, sua estrutura industrial, a retórica do discurso da mídia, o desvendamento da manipulação ou da propaganda são temas que o cidadão moderno precisa de saber, bem como geopolítica e geo-economia.
A segunda decisão foi precisamente aquela sobre a qual você falou, a da alternativa. Nós pensávamos, no Diplo, que não poderíamos realizar uma verdadeira reflexão crítica sobre a mídia dominante, estando constantemente presentes, como jornalistas convidados, na mesma grande mídia que criticávamos. Um de nossos argumentos era que intervir nos meios de comunicação de massa equivalia a se comprometer, a se deixar cooptar — para retomar um termo de 68 – pelas mídias dominantes cuja função primeira, jamais devemos esquecer, é domesticar o povo. Era necessário, portanto, manter uma distancia crítica e profilática.
Penso que, no momento de hegemonia das redes sociais, deveríamos buscar essa reflexão sobre o papel das mídias dominantes. Nós vivemos uma grande reviravolta tecnológica. E que constitui um dos principais desafios das sociedades contemporâneas. São as mídias que melhor refletem essa formidável mutação. Porque elas encontram-se no olho do furacão. Não devemos esquecer que isso a que chamamos de “novas tecnologias” são, antes de tudo, tecnologias de comunicação e informação. E que preocupa fundamentalmente o jornalismo e as mídias. Como consequência, não é possível haver uma teoria crítica imutável sobre as mídias. Que algo válido há trinta anos ainda o seja, necessariamente, hoje em dia – já que tudo se modificou. Em matéria de teoria de mídias é necessário retomar a análise. Porque as leis da mecânica e da mídia não são constantes.
Por exemplo, sobre essa questão a respeito de nossa presença nas mídias dominantes, o contexto se modificou completamente. Se as mídias dominantes são hoje as redes sociais, a questão de participar ou não não se coloca mais. Cada um de nós pode possuir agora nossa própria rede social. Não há necessidade de fazer parte de nenhuma outra. É você que define seu espaço. É o que disse Donald Trump. Ele não frequenta a plataforma das grandes mídias clássicas porque ele está em sua própria “indivíduo-mídia”.
Devemos também mencionar o novo fenômeno dos “mídia-indivíduos” e dos “influencers” (influenciadores), isto é, pessoas que – pela primeira vez desde o surgimento da mídia de massa no século XIX – não devem sua notoriedade pública às grandes mídias tradicionais (imprensa, rádio, televisão), mas exclusivamente às redes sociais. Esses influenciadores podem ter um público maior do que o dos principais canais de televisão somados … É o caso, por exemplo, de Kim Kardashian. No início estrela de reality shows, ela possui no Twitter, Facebook, Snapchat e Instagram cerca de 224 milhões de seguidores… Vale lembrar, a título de comparação, que o programa televisivo que possui a maior audiência do mundo é o Super Bowl americano e seus 113 milhões de espectadores … Kim Kardashian, sozinha, possui 100 milhões a mais!
Agora existem centenas de influencers em todo o mundo que podem vender, para seus milhões de seguidores fiéis, todos os tipos de produtos: moda, roupas, objetos, maquiagem, viagens, hotéis, tecnologia, etc. E também, é claro: idéias, causas e candidatos a eleições … Esses “indivíduos-mídias” não existiam no ecossistema da mídia tradicional de que ainda falam as faculdades de comunicação ou escolas de jornalismo … Não são, portanto, apenas os autômatos … Estamos agora em uma mecânica midiática em que os efeitos disruptivos das redes sociais vão muito além da “explosão de jornalismo” de que falei.
Sobre as redes sociais e mídias dominantes, que geralmente se juntam, que estratégias são possíveis para driblá-las? Que oportunidades a oferta de redes sociais oferece?
Sabemos que, nos anos 1990 e 2000, alguns intelectuais dissidentes – Pierre Bourdieu, por exemplo – optaram de fato pelo drible. Não render-se aos programas de TV, por considerá-los inaudíveis, devido a seu quadro de retórica, que consideravam deformado. Pierre Bourdieu contou, em seu livro “Sobre a televisão”, como se insurgiu contra o dispositivo que queria constrangir seu pensamento. Ele denunciou então o truque do debate televisivo do qual se servem as mídias dominantes a fim de encenar sua ideia de “democracia midiática”. Uma “democracia midiática” cujo absurdo, recordemos, Jean-Luc Godard havia cruelmente denunciado por meio da seguinte definição: Um minuto para os nazistas, um minuto para os judeus.
Na mesma época, Noam Chomsky demonstrou igualmente que, na TV, o significante determina o significado. A estrutura midiática termina por condicionar o que você pretende dizer. Ele assim explica: Em um debate televisivo, se você diz o que todo mundo pensa – isto é, se você repete a doxa social, um minuto é suficiente, para defender não importa qual argumento. Mas se você pretende afirmar o contrário daquilo que todo mundo pensa, então um minuto não basta. Porque você deverá desmentir as ideias recebidas, descontruí-las, remontar uma explicação, etc. Será preciso mais tempo. Irão negá-lo, sob o pretexto de que na televisão “tudo é rápido”.. Então, em uma tele de TV você jamais poderá dizer o que pensa se aquilo que pensa não for o que todo mundo pensa…
Nesta mesma linha, há cerca de trinta anos, um jornal mensal como o Le Monde Diplomatique construiu-se igualmente, por escolha de sua redação, pelas margens do sistema de mídia dominante. Tomou duas decisões inovadoras a esse respeito: por um lado, tornar a comunicação um objeto de informação. Criar um tipo de metagenro: informar sobre informação. Despertar no grande público um interesse pela teoria da comunicação e pela teoria da informação. Era novo. À exceção das revistas especializadas, a grande mídia não falava sobre isso. O Diplo foi praticamente o primeiro a dizer, em suas colunas, que a comunicação e a informação eram assuntos políticos pelos quais os cidadãos deveriam se interessar. Porque a mídia desempenha um papel decisivo na vida da cidade. A economia da imprensa, a propriedade de mídia, sua estrutura industrial, a retórica do discurso da mídia, o desvendamento da manipulação ou da propaganda são temas que o cidadão moderno precisa de saber, bem como geopolítica e geo-economia.
A segunda decisão foi precisamente aquela sobre a qual você falou, a da alternativa. Nós pensávamos, no Diplo, que não poderíamos realizar uma verdadeira reflexão crítica sobre a mídia dominante, estando constantemente presentes, como jornalistas convidados, na mesma grande mídia que criticávamos. Um de nossos argumentos era que intervir nos meios de comunicação de massa equivalia a se comprometer, a se deixar cooptar — para retomar um termo de 68 – pelas mídias dominantes cuja função primeira, jamais devemos esquecer, é domesticar o povo. Era necessário, portanto, manter uma distancia crítica e profilática.
Penso que, no momento de hegemonia das redes sociais, deveríamos buscar essa reflexão sobre o papel das mídias dominantes. Nós vivemos uma grande reviravolta tecnológica. E que constitui um dos principais desafios das sociedades contemporâneas. São as mídias que melhor refletem essa formidável mutação. Porque elas encontram-se no olho do furacão. Não devemos esquecer que isso a que chamamos de “novas tecnologias” são, antes de tudo, tecnologias de comunicação e informação. E que preocupa fundamentalmente o jornalismo e as mídias. Como consequência, não é possível haver uma teoria crítica imutável sobre as mídias. Que algo válido há trinta anos ainda o seja, necessariamente, hoje em dia – já que tudo se modificou. Em matéria de teoria de mídias é necessário retomar a análise. Porque as leis da mecânica e da mídia não são constantes.
Por exemplo, sobre essa questão a respeito de nossa presença nas mídias dominantes, o contexto se modificou completamente. Se as mídias dominantes são hoje as redes sociais, a questão de participar ou não não se coloca mais. Cada um de nós pode possuir agora nossa própria rede social. Não há necessidade de fazer parte de nenhuma outra. É você que define seu espaço. É o que disse Donald Trump. Ele não frequenta a plataforma das grandes mídias clássicas porque ele está em sua própria “indivíduo-mídia”.
* Publicado originalmente no site Le Vent se Lève. Tradução de Felipe Calabrez.
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