A possibilidade de um processo de impeachment, cada vez mais perto da Casa Branca, coloca em xeque a principal aposta do governo Jair Bolsonaro em sua política externa. Mais do que as investigações contra Donald Trump – conduzidas pelo procurador especial Robert Mueller, que apura supostas interferências da Rússia nas eleições de 2016 –, pesam contra o republicano pesadas desconfianças dentro de seu próprio partido.
O impeachment seria, em tese, uma possibilidade remota, considerando que para ser deposto o presidente dos Estados Unidos precisa ter contra ele dois terços dos votos do Senado, onde seu partido tem maioria. “O cerco está se fechando, cada vez mais perto dele. Mas daí a sofrer o impeachment vai uma distância. Agora, tudo depende das acusações concretas que vierem contra ele”, diz Thomas Heye, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A questão é que, embora seja revestido de aspectos legais e formais, o impeachment é um processo basicamente político, como os brasileiros puderam conferir em 2016. “Se Trump ficar politicamente insustentável, ele cai. E aí qualquer coisa é pretexto. Vide Dilma Rousseff", diz o analista.
No caso de Trump, ele parece estar longe da segurança mesmo com maioria republicana no Senado. Segundo artigo publicado no The New York Times na última semana de 2018, intitulado “A inevitabilidade do impeachment”, assinado por Elizabeth Drew, “até mesmo os republicanos podem estar decidindo que o presidente se tornou um fardo muito grande para seu partido ou um perigo muito grande para o país”.
Dependendo dos rumos políticos e dos interesses de seu próprio partido, o presidente dos Estados Unidos pode, inclusive, se antecipar e, como Richard Nixon em 1974, renunciar antes da conclusão do processo.
Se Trump cair, como fica Bolsonaro e sua política externa? “Se isso acontecer, o que acho pouco provável, enfraqueceria o governo Bolsonaro. Ele optou por uma política externa alinhada à Casa Branca, se afastando dos países vizinhos, da América do Sul. Ele se enfraqueceria porque sempre colocou esse alinhamento como um trunfo”, avalia Pedro Fassoni, professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para Heye, “se o presidente americano cai, é o momento de (Bolsonaro) sorrir, disfarçar e tentar partir para outra”. No entanto, nesse processo, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, seria “degolado” do governo, na opinião do professor da UFF, já que é, aparentemente, o responsável por conduzir o alinhamento com os EUA. “Ou, melhor dizendo, entre Brasil e Trump. Mas se Trump cai, o Brasil fica. Aí teremos que atrair novamente outros parceiros internacionais, alguns dos quais já estão fechando as portas para nós claramente, como França, União Europeia e Alemanha.”
A presença do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na posse de Bolsonaro, é outro indicativo importante da mudança na orientação da política externa brasileira. O presidente brasileiro se comprometeu a mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Em seu país, Netanyahu também corre riscos. É alvo de denúncias por corrupção. No Brasil, o próprio líder israelense garantiu que não renuncia antes das eleições, antecipadas para abril.
Contradições
O Brasil colocou em segundo plano suas relações com a América do Sul, o que seria um contrassenso. A Constituição Federal é uma das poucas no mundo que estabelece como objetivo a integração com os países vizinhos, lembra Heye. O parágrafo único do artigo 4° da Constituição de 1988 diz expressamente: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
“Foi feito muito esforço para isso, estávamos tendo sucesso, e agora eles conseguiram associar a ideia de integração com a ideia de comunismo, bolivarianismo, coisas desse tipo”, diz Heye.
Fassoni observa que Bolsonaro começa o governo não apenas com maioria no Congresso, como tem aliados importantes nos principais governos estaduais, como São Paulo, Rio e Minas. "O que pode contribuir muito mais para o enfraquecimento do governo dele são as contradições internas.”
Contradições, em sua opinião, explicitadas no discurso de Ernesto Araújo nessa quarta-feira (2). O novo chanceler declarou, por exemplo: "Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global". “Cabe muita coisa nessa expressão ‘ordem global’. Por exemplo, um sistema econômico capitaneado pelos Estados Unidos. Se a interpretação for essa, o ministro caiu em contradição com o que pensa o ministro Paulo Guedes”, aponta Fassoni.
Para ele, os ministros estão “batendo cabeça”. “Tudo o que falam parece de improviso, como se fossem balões de ensaio para testar a repercussão e ver se continuam sustentando essas teses ou mudam o discurso”.
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