domingo, 20 de janeiro de 2019

Venezuela e o fanatismo do Itamaraty

Por Jeferson Miola, em seu blog:                 

O ex-embaixador Rubens Ricúpero exprimiu como ninguém a estupefação causada pelo comunicado do Itamaraty sobre a reunião do ministro Ernesto Araújo “com as principais forças políticas democráticas venezuelanas”.

O chanceler do Bolsonaro atacou que “o sistema chefiado por Nicolás Maduro constitui um mecanismo de crime organizado. Está baseado na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo” [ler comunicado].

Para Ricúpero, o linguajar do comunicado “não tem nenhum propósito útil” […], representa “uma mudança de mais de 200 anos de tradição de comedimento, senso de medidas e de proporção” […] que “desmoraliza o Brasil não perante a Venezuela, mas perante o mundo. Eu nunca vi nada parecido”.

Outro antigo diplomata afirmou, em off, que “nunca se viu uma nota dessas no Itamaraty, … e nem no hospício”.

Na opinião de Ricúpero, esta “linguagem desabrida, ofensiva, de acusações de crimes, […] em outra época da história, levaria a uma guerra” [ler aqui].

Ricúpero lamenta que “o Brasil vai ficar sempre com essa mancha. Ainda que um dia ele evolua e não tenha um governo troglodita no futuro, vai ficar sempre com essa mancha histórica de um país que foi capaz de cometer esses absurdos. É uma coisa que não se apaga”.

Estão cheios de razão diplomatas, analistas e especialistas em relações internacionais que se escandalizam com a condução e os rumos da política externa sob o governo Bolsonaro.

Há um amplo consenso nos meios políticos nacionais e estrangeiros, independentemente de identidade ideológica, acerca dos prejuízos e das dificuldades desnecessárias que o Brasil enfrentará devido aos desatinos e estupidezes do atual comando do Itamaraty.

A política de alinhamento incondicional com o presidente Donald Trump e de permanente confronto ideológico – que no caso da Venezuela equivaleu a uma declaração de guerra – é reflexo do domínio e da hegemonia do fanatismo da extrema-direita brasileira e internacional, em especial a norte-americana, na gestão da política externa do país.

Com Bolsonaro, o Itamaraty não desempenha uma política de Estado para defender e exercer os interesses do Brasil no mundo, como seria esperado, mas executa a política partidária do PSL. É uma política alinhada, organizada e articulada internacionalmente com estruturas partidárias da extrema-direita de outros países do mundo, sob a liderança do filho presidencial Eduardo Bolsonaro.

A reunião que gerou o comunicado contra a Venezuela ilustra bem essa indecorosa realidade, conforme comprovam os aspectos a seguir destacados:

1] a agenda do ministro Ernesto Araújo no dia 17/1/2019 previa, exclusivamente, “reunião com interlocutores venezuelanos e representantes de países do Grupo de Lima e dos Estados Unidos, seguida de almoço”. A reunião teve 11 horas de duração. Nos tempos de “diplomacia civilizada”, para usar uma expressão do embaixador Rubens Ricúpero, no mínimo causaria estranheza a intromissão dos EUA e da OEA em decisões do Brasil a respeito de assuntos sul-americanos;

2] embora participaram agentes norte-americanos e os empregados da OEA submissos a Washington, a reunião não contou com representação institucional do MERCOSUL, da UNASUL e da CELAC – organismos e mecanismos regionais de integração eficientes na resolução de conflitos continentais e no esforço contínuo de preservação da paz na região;

3] a agenda divulgada menciona a participação de “interlocutores venezuelanos” na reunião. Posteriormente, com a repercussão na imprensa, soube-se que os tais “interlocutores venezuelanos” são, na realidade, conhecidos agentes da ultra-direita venezuelana; alguns deles implicados em atos de conspiração e sabotagem e fugitivos da justiça do país vizinho.

Outro fato marcante acerca da reunião foi o tweet que Eduardo Bolsonaro publicou às 22:57h de 17/1/2019, pouco tempo depois do término da reunião que tomou toda a agenda diária do chanceler brasileiro:

“Mesmo em recesso voltei dos EUA direto para Brasília, onde tive reuniões por toda a tarde e agora também de noite tratando de temas emergenciais referentes à Venezuela e [à] política externa. A Narcoditadura de Maduro é um câncer que precisa ser extirpado”.



A manifestação de Eduardo Bolsonaro permite inferir que ele retornou dos EUA, onde estava recebendo instruções sobre o posicionamento do Brasil contra a Venezuela, e desembarcou diretamente na reunião do Itamaraty para operar as agressivas instruções recebidas.

Em debate televisivo, o jornalista Samy Adghirni, da Bloomberg, fez o seguinte comentário:

“A reunião […] foi um evento cercado de mistério. Houve muito pouco contato com a imprensa. É muito importante destacar que a divulgação do evento foi feita pelo PSL, pelo partido do Presidente, e não pelo Itamaraty. Causou alvoroço no ministério, muita gente só ficou sabendo ali na hora que o evento estava começando. Mas, por trás disso, está a figura do Eduardo Bolsonaro …” [vídeo aqui].
O chanceler Ernesto Araújo é uma figura lunática e simplória que faz as vezes de bobo útil. Talvez seja o preço que ele esteja disposto a pagar para se manter no cargo que jamais ocuparia não estivesse o Brasil vivendo esse estado de transe reacionária e anti-civilizacional.

A política externa do Brasil está inteiramente dominada por um fanatismo ideológico e religioso. A imposição ideológica da extrema-direita, além de inconsequente e irresponsável, é burra e desastrosa, porque trará prejuízos duradouros à imagem e aos interesses do Brasil no mundo.

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