Por Marcelo Manzano, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Fazendo jus ao frio mais-que-polar de sua Chicago, Paulo Guedes parece ter preferido hibernar nos primeiros 45 dias como superministro da Economia. Falou menos do que de hábito e, do que fez, pouco se sabe. Nos raros momentos em que botou a cara para fora, como em Davos, Guedes falou para os seus nada além do que dele se esperava: privatizações, abertura comercial, reforma da previdência. De resto, o silêncio foi sua marca.
Das duas, uma: não faz marola porque segue profundamente fiel às abstrações que excomungam qualquer ação dirigente da esfera governamental ou está confinado com sua equipe preparando projetos de lei que prometem implodir boa parte das instituições e aparelhos de Estado que bem ou mal escoravam nossa sociedade desde a Constituição Federal de 1988 – tudo indica que a segunda hipótese é a verdadeira.
Os anúncios preliminares são preocupantes. No dia 7 de janeiro, ao longo da posse dos novos presidentes dos bancos públicos federais (BNDES, BB e CEF), todas as falas convergiram para os mesmos pontos: a drástica redução do crédito dirigido e dos juros subsidiados. Vindo de quem veio – todos da banca privada, com sobejo conhecimento dos mercados de capitais – o subtexto obvio é que assumem os bancos públicos para lhes desossar. Em seus power-points prometem que sem o sequestro estatal da poupança, o sistema financeiro privado não apenas irá florescer, como será capaz de atender, sem custos fiscais, a plenitude da demanda por financiamentos de curto, médio e longo prazos – a história das periferias econômicas, contudo, não registra um único caso exitoso desse tipo de estratégia.
Das duas, uma: não faz marola porque segue profundamente fiel às abstrações que excomungam qualquer ação dirigente da esfera governamental ou está confinado com sua equipe preparando projetos de lei que prometem implodir boa parte das instituições e aparelhos de Estado que bem ou mal escoravam nossa sociedade desde a Constituição Federal de 1988 – tudo indica que a segunda hipótese é a verdadeira.
Os anúncios preliminares são preocupantes. No dia 7 de janeiro, ao longo da posse dos novos presidentes dos bancos públicos federais (BNDES, BB e CEF), todas as falas convergiram para os mesmos pontos: a drástica redução do crédito dirigido e dos juros subsidiados. Vindo de quem veio – todos da banca privada, com sobejo conhecimento dos mercados de capitais – o subtexto obvio é que assumem os bancos públicos para lhes desossar. Em seus power-points prometem que sem o sequestro estatal da poupança, o sistema financeiro privado não apenas irá florescer, como será capaz de atender, sem custos fiscais, a plenitude da demanda por financiamentos de curto, médio e longo prazos – a história das periferias econômicas, contudo, não registra um único caso exitoso desse tipo de estratégia.
Já no início de fevereiro, ao se reunir com a diretoria do BNDES, o ultraliberal Paulo Guedes voltou à carga e não teve qualquer pudor ao anunciar o uso de seu extraordinário capital político outorgado pela eleição do Bolsonaro para enfraquecer o Estado brasileiro: assim como ocorreu no governo de FHC, a missão prioritária do banco criado por Getúlio Vargas deixará de ser o financiamento do investimento privado de longo prazo e passará a ser o processo de desestatização – na versão atual, ajudando na operação e na concessão de garantias para viabilizar a venda de empresas públicas de estados e municípios.
Ao 23º dia de governo, quando em um ato aparentemente improvisado o gabinete de Bolsonaro anunciou a “Agenda de 100 dias de governo”, das 34 “ações” elencadas, dez estavam abrigadas sob o vasto guarda-chuva do ministro Guedes. Dessas, poucas eram mais do que espuma, provavelmente parte da tática de não se comprometerem com metas maiores e mais polêmicas.
No front fiscal, pelo lado das despesas, foram anunciadas a intenção de poupar até R$ 9,8 bilhões por ano apenas endurecendo as regras e aumentando a fiscalização nos processos de concessão de benefícios do INSS (MP 871 e ação 7) e também o desejo de extinguir 21 mil cargos da administração pública federal, com o que sobrariam R$ 209 milhões por ano no orçamento da União (ação 8).
Já pelo lado das receitas, na “ação 13” foram elencados os setores que deverão encabeçar o processo de privatização (doze aeroportos, dez terminais portuários e novos trechos da malha ferroviária) e na “ação 19” anunciada a intenção de conseguir aprovar no Conselho Nacional de Política Energética (CMPE) a revisão dos contratos de cessão onerosa e dos parâmetros técnicos e econômicos da licitação de área do pré-sal – prevista para ocorrer no terceiro trimestre de 2019, ou seja, muito depois dos cem dias.
Dentre as demais “ações” da “agenda”, para além de propostas de caráter duvidoso – como a de compartilhar o cadastro do Sistema Nacional de Emprego (SINE) com empresas de recrutamento de pessoal –, duas outras merecem ser sublinhadas: 1) a proposta de abertura comercial (ações 9 e 23), que já teve um primeiro movimento com a derrubada (e posterior recuo) do veto ao leite importado de países que subsidiam fortemente o produto; e 2) o retorno da ideia de concessão de autonomia formal ao Banco Central (ação 34) – embora na prática a ampla autonomia do nosso BC já vigore há algum tempo, é forçoso lembrar que tanto nos Estados Unidos quanto na Itália, os governantes de direita que hoje por lá imperam (e que aqui inspiram o núcleo duro do governo Bolsonaro) têm apertado o cerco sobre os seus respectivos BCs, visando reduzir-lhes os graus de liberdade. Por isso, além de ociosa, talvez hoje a proposta não emplaque pelo seu inusitado anacronismo histórico.
Correndo em raia paralela à da “Agenda de 100 dias”, não passou desapercebida do público as movimentações e as minutas que tratam da reforma da Previdência, ansiosamente aguardada pelo mercado e temida pela classe trabalhadora. Entre o pouco que já se sabe a respeito do modelo previdenciário que o governo pretende apresentar ao Congresso, consta que deverá ser instituída uma idade mínima (65 para os homens e 62 para as mulheres), respeitando algumas regras de transição que não devem se estender por mais de quinze anos. Além disso, parece que se pretende alterar as alíquotas de contribuição previdenciária, aumentando o percentual sobre a remuneração de funcionários públicos (ativos e inativos) e impondo algum ônus às remunerações das carreiras militares. Quanto à migração para um sistema de capitalização, antes defendido vigorosamente por Guedes, ao que sugere o noticiário, será deixada para outra oportunidade.
Em suma, afora essa agenda paralela que tramita pelas gavetas do Ministério da Economia e que, suspeita-se, pode ensejar uma reforma da Previdência que reduza o seu atual caráter redistributivo, talvez o ato mais elucidativo de Guedes até aqui tenha sido justamente o primeiro: a nomeação de seus subordinados. Em um pano rápido de seus segundo e terceiro escalões revela-se o peso-pesado de operadores do mercado de capitais (10), todos em cargos estratégicos; a manutenção de quadros da tecnocracia pública (ortodoxa e fiscalista) que já vinham atuando no governo Temer (16) e a influência de centros de pensamento econômico de tradição ortodoxa, notadamente a FGV-Rio (4), o IBMEC (2) e a Universidade de Chicago (4).
Embora o novo desenho do superministério e principalmente o perfil de seus novos dirigentes tenha renovado as esperanças dos mesmos que há pouco mais de um ano apostavam seus ativos no “dream team” de Henrique Meirelles (o mês de janeiro encerrou com o Ibovespa saltando 10,82% e o real se valorizando 5,5%.), é de se esperar que a alta concentração de jejunos nos postos de comando da política econômica, associada à exagerada centralização na gestão do novo ministério (são cerca de 40 mil servidores sob o comando de um único ultraliberal), poderá truncar o andamento dos processos decisórios e amplificar as tensões junto a outros núcleos do governo. Além disso, dado o potencial conflitivo dos principais projetos da agenda econômica de Guedes, a capacidade política de seu grupo precisará ainda ser testada quando os projetos estiverem efetivamente em discussão no Parlamento e na sociedade.
* Marcelo Manzano é economista, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e coordenador de pós-graduação da Flacso/Brasil.
* O Observatório da Economia Contemporânea tem como foco a discussão da economia nas suas várias dimensões; estrutural e conjuntural, empírica e teórica, internacional e doméstica. Sua ênfase, porém, será na política econômica, com acompanhamento aprofundado da conjuntura internacional e da economia brasileira no governo Bolsonaro. Fazem parte do Observatório, economistas e cientistas sociais, professores e pesquisadores de diversas instituições, listados a seguir: Alexandre Barbosa, André Calixtre, André Biancarelli, Angelo Del Vecchio, Antonio Correa de Lacerda, Bruno De Conti, Carolina Baltar, Claudio Amitrano, Claudio Puty, Clemente Ganz Lúcio, Cristina Penido, Daniela Prates, David Kupfer, Denis Maracci Gimenez, Elias Jabbour, Ernani Torres, Esther Bermeguy, Esther Dweck, Fernando Sarti, Giorgio Romano, Guilherme Magacho, Guilherme Mello, Isabela Nogueira de Moraes, Ítalo Pedrosa, João Romero, Jorge Abrahão, José Celso Cardoso, José Dari Krein, Luiz Fernando de Paula, Luiz Gonzaga Belluzzo, Marcelo Miterhof, Marta Castilho, Maryse Farhi, Nelson Barbosa, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Barros, Ricardo Carneiro, Tânia Bacelar e William Nozaki.
Ao 23º dia de governo, quando em um ato aparentemente improvisado o gabinete de Bolsonaro anunciou a “Agenda de 100 dias de governo”, das 34 “ações” elencadas, dez estavam abrigadas sob o vasto guarda-chuva do ministro Guedes. Dessas, poucas eram mais do que espuma, provavelmente parte da tática de não se comprometerem com metas maiores e mais polêmicas.
No front fiscal, pelo lado das despesas, foram anunciadas a intenção de poupar até R$ 9,8 bilhões por ano apenas endurecendo as regras e aumentando a fiscalização nos processos de concessão de benefícios do INSS (MP 871 e ação 7) e também o desejo de extinguir 21 mil cargos da administração pública federal, com o que sobrariam R$ 209 milhões por ano no orçamento da União (ação 8).
Já pelo lado das receitas, na “ação 13” foram elencados os setores que deverão encabeçar o processo de privatização (doze aeroportos, dez terminais portuários e novos trechos da malha ferroviária) e na “ação 19” anunciada a intenção de conseguir aprovar no Conselho Nacional de Política Energética (CMPE) a revisão dos contratos de cessão onerosa e dos parâmetros técnicos e econômicos da licitação de área do pré-sal – prevista para ocorrer no terceiro trimestre de 2019, ou seja, muito depois dos cem dias.
Dentre as demais “ações” da “agenda”, para além de propostas de caráter duvidoso – como a de compartilhar o cadastro do Sistema Nacional de Emprego (SINE) com empresas de recrutamento de pessoal –, duas outras merecem ser sublinhadas: 1) a proposta de abertura comercial (ações 9 e 23), que já teve um primeiro movimento com a derrubada (e posterior recuo) do veto ao leite importado de países que subsidiam fortemente o produto; e 2) o retorno da ideia de concessão de autonomia formal ao Banco Central (ação 34) – embora na prática a ampla autonomia do nosso BC já vigore há algum tempo, é forçoso lembrar que tanto nos Estados Unidos quanto na Itália, os governantes de direita que hoje por lá imperam (e que aqui inspiram o núcleo duro do governo Bolsonaro) têm apertado o cerco sobre os seus respectivos BCs, visando reduzir-lhes os graus de liberdade. Por isso, além de ociosa, talvez hoje a proposta não emplaque pelo seu inusitado anacronismo histórico.
Correndo em raia paralela à da “Agenda de 100 dias”, não passou desapercebida do público as movimentações e as minutas que tratam da reforma da Previdência, ansiosamente aguardada pelo mercado e temida pela classe trabalhadora. Entre o pouco que já se sabe a respeito do modelo previdenciário que o governo pretende apresentar ao Congresso, consta que deverá ser instituída uma idade mínima (65 para os homens e 62 para as mulheres), respeitando algumas regras de transição que não devem se estender por mais de quinze anos. Além disso, parece que se pretende alterar as alíquotas de contribuição previdenciária, aumentando o percentual sobre a remuneração de funcionários públicos (ativos e inativos) e impondo algum ônus às remunerações das carreiras militares. Quanto à migração para um sistema de capitalização, antes defendido vigorosamente por Guedes, ao que sugere o noticiário, será deixada para outra oportunidade.
Em suma, afora essa agenda paralela que tramita pelas gavetas do Ministério da Economia e que, suspeita-se, pode ensejar uma reforma da Previdência que reduza o seu atual caráter redistributivo, talvez o ato mais elucidativo de Guedes até aqui tenha sido justamente o primeiro: a nomeação de seus subordinados. Em um pano rápido de seus segundo e terceiro escalões revela-se o peso-pesado de operadores do mercado de capitais (10), todos em cargos estratégicos; a manutenção de quadros da tecnocracia pública (ortodoxa e fiscalista) que já vinham atuando no governo Temer (16) e a influência de centros de pensamento econômico de tradição ortodoxa, notadamente a FGV-Rio (4), o IBMEC (2) e a Universidade de Chicago (4).
Embora o novo desenho do superministério e principalmente o perfil de seus novos dirigentes tenha renovado as esperanças dos mesmos que há pouco mais de um ano apostavam seus ativos no “dream team” de Henrique Meirelles (o mês de janeiro encerrou com o Ibovespa saltando 10,82% e o real se valorizando 5,5%.), é de se esperar que a alta concentração de jejunos nos postos de comando da política econômica, associada à exagerada centralização na gestão do novo ministério (são cerca de 40 mil servidores sob o comando de um único ultraliberal), poderá truncar o andamento dos processos decisórios e amplificar as tensões junto a outros núcleos do governo. Além disso, dado o potencial conflitivo dos principais projetos da agenda econômica de Guedes, a capacidade política de seu grupo precisará ainda ser testada quando os projetos estiverem efetivamente em discussão no Parlamento e na sociedade.
* Marcelo Manzano é economista, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e coordenador de pós-graduação da Flacso/Brasil.
* O Observatório da Economia Contemporânea tem como foco a discussão da economia nas suas várias dimensões; estrutural e conjuntural, empírica e teórica, internacional e doméstica. Sua ênfase, porém, será na política econômica, com acompanhamento aprofundado da conjuntura internacional e da economia brasileira no governo Bolsonaro. Fazem parte do Observatório, economistas e cientistas sociais, professores e pesquisadores de diversas instituições, listados a seguir: Alexandre Barbosa, André Calixtre, André Biancarelli, Angelo Del Vecchio, Antonio Correa de Lacerda, Bruno De Conti, Carolina Baltar, Claudio Amitrano, Claudio Puty, Clemente Ganz Lúcio, Cristina Penido, Daniela Prates, David Kupfer, Denis Maracci Gimenez, Elias Jabbour, Ernani Torres, Esther Bermeguy, Esther Dweck, Fernando Sarti, Giorgio Romano, Guilherme Magacho, Guilherme Mello, Isabela Nogueira de Moraes, Ítalo Pedrosa, João Romero, Jorge Abrahão, José Celso Cardoso, José Dari Krein, Luiz Fernando de Paula, Luiz Gonzaga Belluzzo, Marcelo Miterhof, Marta Castilho, Maryse Farhi, Nelson Barbosa, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Barros, Ricardo Carneiro, Tânia Bacelar e William Nozaki.
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