Por Ana Carolina Caldas e Pedro Carrano, no jornal Brasil de Fato:
O curitibano Manoel Caetano ingressou no corpo de defesa do ex-presidente Lula (PT) em 2017. Com a saída do advogado Juarez Cirino, era necessário um advogado na capital paranaense para acompanhar de perto o andamento das acusações no âmbito da operação Lava Jato. Dois dias depois da prisão, em 9 de abril de 2018, Caetano recebeu autorização para visitá-lo.
Durante as visitas, Caetano leva informações sobre o andamento do processo, mas também é o amigo que debate a conjuntura política, ouve as resenhas dos livros lidos pelo petista e testemunha momentos emocionantes – como a visita do ex-presidente do Uruguai, José Mujica.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, 300 dias após a prisão política, o advogado relata a intimidade dos encontros com Lula na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR).
Confira os melhores momentos do bate-papo:
Por que você foi escolhido para ser o advogado do Lula aqui em Curitiba?
Quando o Juarez Cirino, criminalista que era o advogado em Curitiba, deixou a equipe que defendia o ex-presidente Lula, eles ficaram sem ter alguém para o apoio aqui na cidade. Pela afinidade com a causa – pois eu já tinha feito trabalhos no processo de impeachment da presidente Dilma – e pela amizade que eu tinha com o Dr. Roberto Teixeira, que é também advogado do Lula, eu assumi a defesa, para dar um apoio aqui na Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal, ambientes em que eu já transito.
Em 2017, eu ingressei no processo como um dos defensores. Quando o presidente Lula foi preso, eu fiquei incumbido de fazer visitas a ele, por ser aqui da cidade. E, justamente por ele estar em uma sala sozinho, sem contato com outras pessoas, estas visitas tornam-se muito importantes.
Como foi a primeira visita?
No passado, me encontrei uma vez com o Lula muito rapidamente. Nunca tínhamos ficado os dois, conversando. Então, dois dias depois da prisão do presidente, eu já fui lá. Fiquei pensando como seria iniciar essa conversa com ele. O que eu vou dizer para ele?
Até hoje, as pessoas que vão visitar pensam que irão encontrar uma pessoa triste, de cabeça baixa. Mas, não. Cheguei lá, e ele já me chamou pelo nome, pois sabia que era eu que iria visitá-lo como advogado. Falei que tínhamos algo em comum: meus pais eram de uma cidade que fica a 50 km de Garanhuns, cidade em que Lula nasceu. Daí em diante, fomos transformando estas visitas em amizade.
Sobre o que vocês conversam nestes encontros diários?
As conversas começam com as informações sobre o andamento do processo, as sugestões do Lula que são passadas para a equipe jurídica. Depois, também falamos sobre a conjuntura política, vida pessoal. Ele conta várias histórias da vida dele. Para mim, tem sido uma experiência muito enriquecedora, pois o presidente Lula é um homem muito culto e extremamente inteligente.
Qual o principal hábito dele no dia a dia?
Ele está lendo muito. Logo nos primeiros meses, o Franklin Martins [ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Brasil] mandou um livro de mais de 700 páginas, chamado “Um defeito de cor” [de Ana Maria Goncalves, publicado pela Editora Record]. Lembro que o Lula chegou a brincar com o tamanho do livro, e disse: “Quanto tempo ele pensa que vou ficar aqui?”.
Ele quer que a gente leia os livros para debater com ele. O Lula não pode receber visitas nos finais de semana, o que dá um papel importante para a Vigília Lula Livre.
Lula tem um carinho especialíssimo pelo povo que fica na vigília. Fala deles quase todos os dias. Para ele, são fundamentais a existência e a resistência da vigília. Na minha análise, tem sido muito importante para manter o alto astral dele, em especial nos finais de semana, quando não recebe visitas. Ele escuta tudo: as cantorias, o "Bom Dia", o "Boa Tarde" e o "Boa Noite" [saudações coletivas dos militantes, em voz alta].
O comportamento de Lula mudou, ao longo desses 300 dias de prisão?
Posso dizer que ele está bem, na medida de alguém que está preso. Em alguns momentos, ele expressa revolta contra o sistema de justiça e contra todo esse processo arbitrário, de uma condenação sem provas. O incrível é que ele se mantém bem psicologicamente, está bem fisicamente, e já teve algumas visitas médicas. Fazem bem as visitas da família: é um momento de festa mesmo.
As visitas de cunho religioso também, mas agora houve uma decisão da justiça proibindo estas visitas. Suponho farão falta para ele.
Como interlocutor dele, você já teve que conter a emoção?
Parece surreal. Muitas vezes, vendo ele lá e sabendo de todo o processo, parece que não estou dentro da realidade. Lula sempre diz que o “ser humano tem uma enorme facilidade de se adaptar as realidades mais adversas”. Então, isso acabou acontecendo com a gente depois de todos estes dias.
No começo, nas primeiras vezes, eu olhava para aquilo tudo e não me parecia que era verdade. Uma vez, ele teve que escrever um bilhete para alguém. Ele ficou a certa distância, e eu observando [interrompe o relato, emocionado]… bem, continuando. Eu me afastei e não suportei, comecei a chorar, de ver aquela cena.
E como foi testemunhar visitas ilustres, como de Jose Mujica [ex-presidente do Uruguai] e tantos outros?
Os momentos mais bonitos que eu testemunhei foram as conversas com grandes amigos do Lula. Na conversa que ele teve com Mujica, eu estava junto. E ver aqueles dois senhores, donos de histórias tão importantes, conversando frente a frente, foi de muita emoção.
A maioria das pessoas sai dizendo: “Olha, presidente. Viemos aqui preocupados em trazer consolo e estamos saindo muito melhores do que entramos”.
Lembro também da visita do ex-presidente da Colômbia [Ernesto Samper] e do ex-prefeito da Cidade do México [Cuauhtémoc Cárdenas]. O Lula, inclusive lembrou dos filhos dele, o que fez o Cárdenas se emocionar.
O Lula mandou recentemente um recado para o Chico Buarque. Você acompanhou?
Sim, mandou porque soube da morte da Miúcha, irmã do Chico. Quando o Chico recebeu, ficou emocionado, com a voz embargada. Disse que não acreditava que o Lula ali, preso, ainda tivesse preocupações tão sensíveis com as pessoas.
Você lembra de algum momento de tristeza do Lula na prisão?
Faleceram alguns amigos do Lula nesse período. Então, ele sentiu muito a morte, por exemplo, do advogado Dr. Rossi. E, mais recentemente, sentiu a morte do Sigmaringa Seixas, que era um grande amigo. Essas notícias fizeram com que ele ficasse triste.
E nos dias em que se anunciava a possibilidade de soltura, o que acontecia?
Naquele domingo [dia 8 de julho de 2018] que aconteceram inúmeras decisões, ele não acreditava que fosse sair. Porém, na parte da tarde, o próprio pessoal da Polícia Federal chegou a dizer a ele que sairia. Isso fez como que ele arrumasse as coisas, até escreveu bilhete para o pessoal da Vigília… Mas acabou que tendo que ficar outra vez.
Como é a rotina diária de Lula na prisão?
Ele acorda, toma café, vai ler e escrever. Normalmente, na hora que vai para fora, faz os exercícios físicos, almoça. À tarde, ele descansa, volta para as leituras, e fazemos nosso encontro por volta das 15h30. Ele faz esteira dentro do quarto e, à noite, janta e fica até tarde lendo. Não assiste TV todos os dias, não.
Como ele se sente hoje?
Como ele tem absoluta certeza de que é inocente, acredita que será absolvido. Lula tem uma força incrível: não perde a esperança e não nos deixa perder também. Apesar de todas as dificuldades, ele tem o pensamento de que a justiça prevalecerá no final.
O curitibano Manoel Caetano ingressou no corpo de defesa do ex-presidente Lula (PT) em 2017. Com a saída do advogado Juarez Cirino, era necessário um advogado na capital paranaense para acompanhar de perto o andamento das acusações no âmbito da operação Lava Jato. Dois dias depois da prisão, em 9 de abril de 2018, Caetano recebeu autorização para visitá-lo.
Durante as visitas, Caetano leva informações sobre o andamento do processo, mas também é o amigo que debate a conjuntura política, ouve as resenhas dos livros lidos pelo petista e testemunha momentos emocionantes – como a visita do ex-presidente do Uruguai, José Mujica.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, 300 dias após a prisão política, o advogado relata a intimidade dos encontros com Lula na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR).
Confira os melhores momentos do bate-papo:
Por que você foi escolhido para ser o advogado do Lula aqui em Curitiba?
Quando o Juarez Cirino, criminalista que era o advogado em Curitiba, deixou a equipe que defendia o ex-presidente Lula, eles ficaram sem ter alguém para o apoio aqui na cidade. Pela afinidade com a causa – pois eu já tinha feito trabalhos no processo de impeachment da presidente Dilma – e pela amizade que eu tinha com o Dr. Roberto Teixeira, que é também advogado do Lula, eu assumi a defesa, para dar um apoio aqui na Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal, ambientes em que eu já transito.
Em 2017, eu ingressei no processo como um dos defensores. Quando o presidente Lula foi preso, eu fiquei incumbido de fazer visitas a ele, por ser aqui da cidade. E, justamente por ele estar em uma sala sozinho, sem contato com outras pessoas, estas visitas tornam-se muito importantes.
Como foi a primeira visita?
No passado, me encontrei uma vez com o Lula muito rapidamente. Nunca tínhamos ficado os dois, conversando. Então, dois dias depois da prisão do presidente, eu já fui lá. Fiquei pensando como seria iniciar essa conversa com ele. O que eu vou dizer para ele?
Até hoje, as pessoas que vão visitar pensam que irão encontrar uma pessoa triste, de cabeça baixa. Mas, não. Cheguei lá, e ele já me chamou pelo nome, pois sabia que era eu que iria visitá-lo como advogado. Falei que tínhamos algo em comum: meus pais eram de uma cidade que fica a 50 km de Garanhuns, cidade em que Lula nasceu. Daí em diante, fomos transformando estas visitas em amizade.
Sobre o que vocês conversam nestes encontros diários?
As conversas começam com as informações sobre o andamento do processo, as sugestões do Lula que são passadas para a equipe jurídica. Depois, também falamos sobre a conjuntura política, vida pessoal. Ele conta várias histórias da vida dele. Para mim, tem sido uma experiência muito enriquecedora, pois o presidente Lula é um homem muito culto e extremamente inteligente.
Qual o principal hábito dele no dia a dia?
Ele está lendo muito. Logo nos primeiros meses, o Franklin Martins [ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Brasil] mandou um livro de mais de 700 páginas, chamado “Um defeito de cor” [de Ana Maria Goncalves, publicado pela Editora Record]. Lembro que o Lula chegou a brincar com o tamanho do livro, e disse: “Quanto tempo ele pensa que vou ficar aqui?”.
Ele quer que a gente leia os livros para debater com ele. O Lula não pode receber visitas nos finais de semana, o que dá um papel importante para a Vigília Lula Livre.
Lula tem um carinho especialíssimo pelo povo que fica na vigília. Fala deles quase todos os dias. Para ele, são fundamentais a existência e a resistência da vigília. Na minha análise, tem sido muito importante para manter o alto astral dele, em especial nos finais de semana, quando não recebe visitas. Ele escuta tudo: as cantorias, o "Bom Dia", o "Boa Tarde" e o "Boa Noite" [saudações coletivas dos militantes, em voz alta].
O comportamento de Lula mudou, ao longo desses 300 dias de prisão?
Posso dizer que ele está bem, na medida de alguém que está preso. Em alguns momentos, ele expressa revolta contra o sistema de justiça e contra todo esse processo arbitrário, de uma condenação sem provas. O incrível é que ele se mantém bem psicologicamente, está bem fisicamente, e já teve algumas visitas médicas. Fazem bem as visitas da família: é um momento de festa mesmo.
As visitas de cunho religioso também, mas agora houve uma decisão da justiça proibindo estas visitas. Suponho farão falta para ele.
Como interlocutor dele, você já teve que conter a emoção?
Parece surreal. Muitas vezes, vendo ele lá e sabendo de todo o processo, parece que não estou dentro da realidade. Lula sempre diz que o “ser humano tem uma enorme facilidade de se adaptar as realidades mais adversas”. Então, isso acabou acontecendo com a gente depois de todos estes dias.
No começo, nas primeiras vezes, eu olhava para aquilo tudo e não me parecia que era verdade. Uma vez, ele teve que escrever um bilhete para alguém. Ele ficou a certa distância, e eu observando [interrompe o relato, emocionado]… bem, continuando. Eu me afastei e não suportei, comecei a chorar, de ver aquela cena.
E como foi testemunhar visitas ilustres, como de Jose Mujica [ex-presidente do Uruguai] e tantos outros?
Os momentos mais bonitos que eu testemunhei foram as conversas com grandes amigos do Lula. Na conversa que ele teve com Mujica, eu estava junto. E ver aqueles dois senhores, donos de histórias tão importantes, conversando frente a frente, foi de muita emoção.
A maioria das pessoas sai dizendo: “Olha, presidente. Viemos aqui preocupados em trazer consolo e estamos saindo muito melhores do que entramos”.
Lembro também da visita do ex-presidente da Colômbia [Ernesto Samper] e do ex-prefeito da Cidade do México [Cuauhtémoc Cárdenas]. O Lula, inclusive lembrou dos filhos dele, o que fez o Cárdenas se emocionar.
O Lula mandou recentemente um recado para o Chico Buarque. Você acompanhou?
Sim, mandou porque soube da morte da Miúcha, irmã do Chico. Quando o Chico recebeu, ficou emocionado, com a voz embargada. Disse que não acreditava que o Lula ali, preso, ainda tivesse preocupações tão sensíveis com as pessoas.
Você lembra de algum momento de tristeza do Lula na prisão?
Faleceram alguns amigos do Lula nesse período. Então, ele sentiu muito a morte, por exemplo, do advogado Dr. Rossi. E, mais recentemente, sentiu a morte do Sigmaringa Seixas, que era um grande amigo. Essas notícias fizeram com que ele ficasse triste.
E nos dias em que se anunciava a possibilidade de soltura, o que acontecia?
Naquele domingo [dia 8 de julho de 2018] que aconteceram inúmeras decisões, ele não acreditava que fosse sair. Porém, na parte da tarde, o próprio pessoal da Polícia Federal chegou a dizer a ele que sairia. Isso fez como que ele arrumasse as coisas, até escreveu bilhete para o pessoal da Vigília… Mas acabou que tendo que ficar outra vez.
Como é a rotina diária de Lula na prisão?
Ele acorda, toma café, vai ler e escrever. Normalmente, na hora que vai para fora, faz os exercícios físicos, almoça. À tarde, ele descansa, volta para as leituras, e fazemos nosso encontro por volta das 15h30. Ele faz esteira dentro do quarto e, à noite, janta e fica até tarde lendo. Não assiste TV todos os dias, não.
Como ele se sente hoje?
Como ele tem absoluta certeza de que é inocente, acredita que será absolvido. Lula tem uma força incrível: não perde a esperança e não nos deixa perder também. Apesar de todas as dificuldades, ele tem o pensamento de que a justiça prevalecerá no final.
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