domingo, 17 de fevereiro de 2019

Os preparativos da invasão da Venezuela

Por Carlos Fazio, no site Carta Maior:

Em Caracas, a normalidade da vida cotidiana contrasta com a visão apocalíptica difundida no exterior pelas agências internacionais de notícias e pela Internet. Aos olhos de um observador imparcial e objetivo, não há rastros da publicitada catástrofe humanitária. Tampouco há resquício algum de uma ditadura: se imaginam alguém se proclamando presidente encarregado durante os regimes de Franco, Pinochet, Videla, Bordaberry ou Fujimori?

Sobre a Venezuela, há duas realidades, mas uma é falsa. Por um lado, há um país e uma Caracas que retoma todos os dias o seu ritmo habitual, o qual é alimentado por rumores e notícias falsas via Twitter, Instagram, Facebook e WhatsApp, sobre uma suposta ofensiva final, teledirigida desde Washington. Por outro, a imagem publicitada no exterior, que corresponde à manipulação midiática e à propaganda de guerra nas redes, numa espécie de enxame de notícias negativas, desenhadas por especialistas em operações psicológicas do Pentágono e da Agência Central de Inteligência, que através de uma potente operação político-comunicacional, apoiada pelo big data (a expansão de dados de inteligência em grande escala), que consegue posicionar artificialmente, nas capitais da América Latina e da Europa, o primeiro presidente 2.0 da história, o fantoche Juan Guaidó.

Produto de um laboratório das fábricas da elite, e das políticas de mudança de regime de Washington, Guaidó encabeça um suposto governo paralelo, imposto a golpes de Twitter por Donald Trump, e repete todos os dias as ordens do punhado de belicistas e supremacistas do governo nas sombras que dirige os Estados Unidos: o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton; o vice-presidente, Mike Pence; o secretário de Estado, Mike Pompeo, o enviado especial à Venezuela e criminoso de guerra, Elliot Abrams − condenado pelo caso Irã-Contras e criador dos esquadrões da morte na Nicarágua, El Salvador e Guatemala, envolvido nas matanças de El Mozote, perpetradas pelo batalhão Atlácatl do exército salvadorenho, em 1981, assim como no golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez, em 2002, que culminou no frustrado reinado de dois dias do empresário Pedro Carmona Estanga −, acompanhados na conjuntura pelo secretário do Tesouro, Steven Mnuchin.

A contradição fundamental hoje na Venezuela é a de império ou nação. E, a nível interno, os problemas passam pela dicotomia entre revolução e contrarrevolução. Washington já não se preocupa em ocultar a autoria intelectual e logística das ações magnicidas, golpistas e de assédio (des)informativo contra a Venezuela. Quando o louco Bolton apareceu diante dos meios de comunicação com um livreto amarelo, o qual passou a ler diante de 5 mil tropas na Colômbia, estava encenando uma pouco sutil operação de guerra psicológica voltada à geração de neurose e caos nas audiências, para viabilizar uma eventual invasão de marines na Venezuela através da fronteira colombiana, o que é respaldado pelas ideias do próprio Trump, que contemplou uma opção militar para derrubar o presidente constitucional Nicolás Maduro. Nessa mesma linha de pressão psicológica está inserida a visita a Bogotá do chefe do Comando Sul do Pentágono, general Mark Stammer, em 29 de janeiro; as fake news sobre o bloqueio da ajuda humanitária na ponte internacional Las Tienditas, na fronteira entre Táchira (Venezuela) e Cúcuta (Colômbia), reproduzida pela imprensa global; e as declarações de Pompeo sobre a presença de células ativas da organização libanesa Hezbollah na Venezuela.

Essas situações não se contrapõem aos preparativos de uma eventual invasão. Assim, se torna essencial a posição da embaixada dos Estados Unidos em Caracas, cuja massa de funcionários não necessários saiu do país após a ruptura de relações diplomáticas de Maduro, medida que pode ter sido induzida por Washington para assegurar um terreno livre para um possível conflito bélico. Vários funcionários da missão possuem amplos antecedentes em missões subversivas e de mudança de regime na região, em particular Alexander Sutton, chefe da Agência Internacional para o Desenvolvimento (USAid), tentáculo do Departamento de Estado para financiar guerras.

Historicamente, as missões diplomáticas dos Estados Unidos servem de plataforma para gerar desestabilização e golpes de Estado. Sutton, que foi detectado em dezembro passado realizando trabalhos encobertos nos estados de Zulia e Táchira, fronteiriços com a Colômbia, está vinculado aos processos golpistas e de mudança de regime na Venezuela (2002), Haiti (2004) e Honduras (2009), quando se desempenhava como diretor regional do Instituto Republicano Institucional, uma seção do Partido Republicano dentro da USAid e da Fundação Nacional para a Democracia, outra vitrine legal da CIA.

Em tais circunstâncias, a missão do covarde (e sacrificável) Juan Guaidó é servir como argumento narrativo para a entrada da ajuda humanitária, a desculpa que a quadrilha de psicopatas de Trump (Bolton, Pompeo, Pence, Abrams) precisa para iniciar o caos construtivo na Venezuela, com a infiltração de mercenários e terroristas, realizando bombardeios a centros neurálgicos e a posterior ocupação militar do país. Como variáveis dessa situação, os exemplos de Somália, Iraque, Líbia e Síria estão frescos na memória. Só que o Pentágono nunca foi capaz de derrotar um país que decidiu resistir à sua força invasora superior. Quando esta tem que permanecer no território, geralmente termina atolada.

* Publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Victor Farinelli.

Um comentário:

  1. Faço uma oração diária (e olha que não sou religioso) para esta turma "quebrar a cara" lá na Venezuela! O jogo sujo dos americanos tem que ter uma primeira oposição real, inclusive armada e forte.
    Será que teremos um povo mais corajoso desta vez, do que nós brasileros não fomos em 64, 2012 e agora com o Bolsonaro? É por isto que oro tanto!
    Julião

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