quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

PSDB, 30 anos: festa ou funeral?

Por Leandro Gavião, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:

Fundado em junho de 1988, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) completou 30 anos em 2018. Contudo, o clima de comemoração passou longe das fileiras do partido. Ao contrário, paira no ar uma atmosfera de inquietação e de preocupação com o futuro. A razão para tanto encontra-se no desempenho eleitoral, sem dúvida o pior de sua história.

Quando se analisam as disputas de âmbito nacional, estadual e municipal, percebe-se que a trajetória do PSDB sempre foi bastante exitosa. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno, em 1998, marca o ponto alto da legenda, com sua afirmação como segunda força na Câmara dos Deputados – com 99 cadeiras, contra 105 do PFL e 83 do PMDB.

Mesmo após a onda lulo-petista iniciada em 2002, os tucanos mantiveram uma posição de destaque no Parlamento, além de serem os grandes protagonistas da oposição. Ademais, o partido conseguiu assegurar redutos eleitorais importantes, onde seu poder nem sequer foi desafiado – como no caso do governo de São Paulo, onde o PSDB e seus aliados permanecem ininterruptamente desde 1995.

Contudo, os números de 2018 são dramáticos: na corrida presidencial, Geraldo Alckmin amargou um quarto lugar, com menos de 5% dos votos. A derrota torna-se acachapante quando se leva em consideração que a coligação contava com um poderoso arsenal: o apoio do centrão, a simpatia explícita do mercado, R$ 185 milhões em recursos do fundo partidário e o maior tempo de exposição na televisão e no rádio.

Ainda assim, a legenda ficou de fora do segundo turno da disputa presidencial, fato ocorrido pela primeira vez desde 1994. Na Câmara dos Deputados, os tucanos despencaram da quarta bancada para a nona, passando de 54 deputados para apenas 29. Nas disputas pelos governos estaduais, o PSDB logrou êxito apenas em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. No entanto, há problemas ainda mais profundos quando se observa a dinâmica interna do partido.

É de conhecimento geral que o PSDB é uma agremiação rachada. Contudo, a legenda experimenta um novo tipo de divisão, diferente daquela que predominou até recentemente. No passado, as divergências se manifestavam muito mais no âmbito da distribuição regional de poder – a exemplo da rivalidade entre os grupos paulista e mineiro –, gerando conflitos e intrigas na cúpula tucana.

A fratura atual, por sua vez, é de natureza ideológica. Desde a reeleição de Dilma Rousseff, o PSDB optou por radicalizar seu perfil, aproveitando-se de sua condição, à época, de centro gravitacional do antipetismo.

Além da aliança com setores conservadores no Legislativo, a nova postura envolvia práticas estranhas aos seus valores de base, como a inédita contestação do resultado das eleições presidenciais de 2014 e a alimentação de pautas-bombas para prejudicar a economia. O objetivo era simples: sabotar o funcionamento da máquina governamental e aprofundar a crise econômica, potencializando a instabilidade política e a pressão popular pelo impeachment de Dilma. Longe de serem uma teoria da conspiração, essas informações foram concedidas – em tom de autocrítica – pelo ex-presidente do PSDB, Tasso Jereissati.

A tentativa de incrementar o capital político à custa da rejeição ao PT aproximou a legenda de movimentos conservadores, ultraliberais e autoritários, afastando-se de sua identidade centrista. Durante algum tempo, o PSDB conseguiu atrair novos aliados à direita, mas a radicalização, a escassez de fundamentos teóricos e o empoderamento desses grupos geraram conflitos com os próprios tucanos da velha guarda. Essa ala rebelde tem sido chamada de “cabeças pretas” – numa referência aos setores mais jovens, que por vezes se chocam com os antigos líderes de cabelos brancos, como Alberto Goldman.

Tal como a epidemia da “cegueira branca” de José Saramago, o Brasil hodierno vive a disseminação de um “daltonismo ideológico” que contamina a sociedade. Alimentado por fake news e análises reducionistas, esse fenômeno simplifica de forma burlesca a realidade política. Por ironia do destino, o PSDB engrossou a fileira das vítimas do binarismo idiotizante vigente. Sendo assim, o partido passou a ser considerado sofisticado, democrático e “esquerdista” demais para refugiar a nova direita que emergia. Por essa razão, eleitores e atores políticos buscaram outras opções, flertando com partidos mais alinhados com seu discurso radical – PSL e DEM, por exemplo.

O problema é que nem todos os quadros rebeldes abandonaram o PSDB. Ao contrário, alguns permaneceram e cresceram em influência e disputam espaço dentro do partido. Atualmente, a ala liberal-conservadora dos cabeças pretas é liderada por João Doria, que não se furta de entrar constantemente em choque com os intelectuais tucanos da velha guarda. De fato, o próprio léxico utilizado por Doria destoa daquele empregado por figuras históricas do partido, como FHC e José Serra.

Durante sua primeira eleição, Doria buscou se sustentar no liberalismo vulgar do MBL. Dessa vez, ele surfou na onda do discurso conservador e na histeria anticomunista que grassa no país. A disputa contra Márcio França (PSB) foi uma evidência desse fato, ao acusá-lo de ser “socialista” por conta do nome de seu partido.

Na dimensão interna, Doria não demonstra nenhum constrangimento ao se comportar como um autocrata com valores claramente avessos aos da legenda, desrespeitando decisões da Executiva Nacional e agindo sem lealdade com seus correligionários. O apelo ao voto “Bolsodoria” e sua precipitada declaração de apoio a Jair Bolsonaro no segundo turno são alguns exemplos.

Outro fator que prejudicou o PSDB foi a entrada na base aliada de Michel Temer (MDB). Agraciados com três importantes ministérios – Justiça e Cidadania, Cidades e Relações Exteriores –, os tucanos tiveram de enfrentar o complexo desafio de se desvencilhar da péssima imagem do governo, cuja aprovação foi a mais débil da história republicana.

Na dimensão ética, a divulgação da conversa entre Aécio Neves e Joesley Batista descortinou as tenebrosas transações entre a nata tucana e a elite empresarial corrupta, enterrando qualquer possibilidade de sustentar o discurso moralista que visava atrair o eleitorado decepcionado com as práticas de corrupção. Semanas antes do primeiro turno, a Operação Lava Jato chegou ao ex-governador Beto Richa e a seu círculo mais próximo. No Mato Grosso do Sul, o governador Reinaldo Azambuja é alvo de operação da Polícia Federal e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo é acusado de receber propina da Odebrecht.

No fim das contas, ninguém mais duvidava de que o PSDB era apenas mais um integrante da “velha política”, capaz de reproduzir os mesmos hábitos espúrios.

Desse modo, os tucanos cumpriram com maestria a tarefa de desagradar a todos. Tentaram atrair a nova direita, mas não previram o surgimento do fenômeno Bolsonaro. Buscaram transmitir ao eleitor a imagem de um partido limpo, mas os escândalos de corrupção mancharam seu nome. Tentaram afirmar uma posição centrista, mas colaboraram diretamente com as medidas de austeridade de Temer. Por fim, terminaram ainda mais divididos, com muita dificuldade para formalizar consensos. Diante de tantas contradições, não espanta que a legenda tenha sido severamente punida nas urnas.

Trata-se da pior crise de sua história. O partido que foi um dos pilares da Nova República precisa agora aprender a lidar com o acelerado processo de desidratação e com a desconfiança do eleitorado, além de equacionar uma complicada divisão interna. Sem uma urgente renovação, que inclua um novo programa, o resgate de princípios identitários democráticos e reformistas, a aplicação de sanções aos membros que não respeitarem as diretrizes ideológicas e a realização de uma severa autocrítica, o PSDB dificilmente conseguirá recuperar o protagonismo de outrora.

Nesse caso, a solução mais viável seria a desfiliação coletiva dos cardeais tucanos e a fundação de um novo partido, tal como tem aventado FHC. Talvez o desabafo de Arthur Virgílio seja o melhor resumo da situação vivida pelo PSDB: “A sorte de Mário Covas é que ele não está mais aqui para ver no que se transformou o partido que ele idealizou com Franco Montoro” [1].

* Leandro Gavião é doutor em História Política pela Uerj e professor da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e da pós-graduação do Curso Clio/Damásio.

Nota:

1- José Cassio, “FHC, Tasso e Arthur Virgílio se articulam para evitar o ‘enterro de segunda classe’ do PSDB”, DCM, 4 out. 2018.

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