Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ameaça mortal ao embrião de Estado de bem-estar social construído no país, o desmanche da Previdência segue a prioridade absoluta do condomínio político-econômico que assumiu o governo a partir da eleição de Jair Bolsonaro.
A luta contra a reforma envolve uma batalha política de envergadura histórica. O imenso volume dos interesses envolvidos neste debate ajuda a entender a aliança de ferro entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia para tentar aprovar as mudanças cobradas pelo grande empresariado, em particular pelo mercado financeiro e os grandes bancos, principais interessados na mudança. Apavorados com a possibilidade de que a desordem do governo do tuíter possa desperdiçar uma chance única de ganhos fabulosos, nos últimos dias o grande poder econômico do país enviou sucessivas missões ao ministro da Economia e ao presidente do Congresso para azeitar o caminho de seus interesses, que defendem com urgência e até pressa.
Basta conhecer só uma das vantagens bilionárias que a reforma pode lhes proporcionar para compreender tamanho empenho. Caso o projeto de Paulo Guedes venha a ser aprovado, será o fim das contribuições obrigatórias das empresas para a aposentadoria de seus empregados. A medida não tem a ver com crescimento econômico nem com distribuição de renda -- mas com mais dinheiro no bolso de quem já tem muito.
Hoje as empresas devem a entregar, à Previdência, uma contribuição equivalente a 20% do salário de cada trabalhador registrado, recurso que ajuda a constituir a massa de dinheiro que paga as benefícios e pensões de 30 milhões de brasileiras e brasileiros. Com a criação do sistema de capitalização individual, que é o eixo da reforma, constitui-se a lei do cada-um-por-si-Deus-para todos, que elimina as contribuições dos empresários, assegurando-lhes um ganho imediato de renda calculado em R$ 13,6 bilhões por mês -- ou R$ 175 bilhões por ano, bolada superior ao faturamento da quase totalidade das empresas brasileiras, maior até que o lucro dos grandes bancos do país.
Para enfrentar uma resistência cada vez maior da população, que derrubou um projeto muito mais moderado que Michel Temer tentou aprovar em 2017, e já assusta parlamentares temerosos de não conseguir renovar o mandato, os aliados da reforma debatem uma concessão menos custosa para tentar garantir o principal.
O plano, aceito por bloco de 13 partidos que apoiam a reforma de Paulo Guedes nos pontos essenciais, é de um maquiavelismo primitivo: tentar dividir a população que será chamada a pagar a conta das mudanças, para assegurar a aprovação dos pontos importantes em troca concessões pouco custosas quando comparadas aos ganhos que o sistema financeiro pretendem assegurar.
Assim, retira-se do projeto duas medidas que efetivamente atingem as camadas muito pobres -- o Benefício de Prestação Continuada no valor de R$ 400 e a cobrança de contribuição das aposentadorias rurais, isentas pela Constituição de 1988. São propostas inaceitáveis, que sequer deveriam constar do projeto original e precisam ser eliminadas de qualquer maneira.
Ao mesmo tempo, o Cavalo de Tróia tenta preservar os pontos principais do projeto, inclusive a criação da capitalização individual, a elevação do tempo de contribuição e a mudança nos cálculos que rebaixam o valor das aposentadorias, obrigando o cidadão a trabalhar mais tempo e contribuir com mais dinheiro, para receber benefícios menores.
A utilidade da divisão é fácil de prever: apaziguar a população muito pobre, a quem se promete manter os benefícios de hoje -- como se fosse um favor -- para concentrar a ofensiva contra os trabalhadores mais qualificados, homens e mulheres de renda média, num país onde o teto máximo das aposentadorias do sistema público é R$ 5875 e o valor médio recebido é de R$ 1900.
A finalidade do cavalo de Tróia é política. Pretende ajudar o governo a embalar a reforma com a fantasia de que é uma iniciativa para combater "privilegiados". É assim que se costuma descrever quem consegue trabalhar com registro em carteira, numa retórica que foi patenteada pela ditadura dos generais para recusar aumentos de salários cobrados pelos trabalhadores sindicalizados.
(Em março de 2019, basta recordar os ganhos formidáveis assegurados aos militares na sua própria versão da reforma da Previdência para se reconhecer o caráter indecoroso desta argumentação).
A bolada bilionária em troca de 3/5 dos votos no Congresso ajuda a entender o empenho para garantir a reforma de qualquer maneira, numa hora em que se tornou indispensável manter o próprio Jair Bolsonaro de boca fechada -- pois o combate as reformas da Previdência foi um traço permanente de sua atuação como parlamentar. É isso que demonstra um vídeo inesquecível do deputado Boca Aberta (PROS-PR), onde ele desafia o presidente da República a voltar à Câmara para explicar sua mudança de posicionamento. "O sujeito homem, que tem vergonha na cara, tem que honrar o que fala", diz o parlamentar, eleitor assumido de Bolsonaro.
Como o vídeo deixa claro, e o debate sobre a reforma irá demonstrar de forma cristalina, a defesa da Previdência envolve a proteção da velhice e o futuro da juventude, fortalece os laços de uma sociedade e é, acima de tudo, uma questão de caráter.
Alguma dúvida?
Ameaça mortal ao embrião de Estado de bem-estar social construído no país, o desmanche da Previdência segue a prioridade absoluta do condomínio político-econômico que assumiu o governo a partir da eleição de Jair Bolsonaro.
A luta contra a reforma envolve uma batalha política de envergadura histórica. O imenso volume dos interesses envolvidos neste debate ajuda a entender a aliança de ferro entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia para tentar aprovar as mudanças cobradas pelo grande empresariado, em particular pelo mercado financeiro e os grandes bancos, principais interessados na mudança. Apavorados com a possibilidade de que a desordem do governo do tuíter possa desperdiçar uma chance única de ganhos fabulosos, nos últimos dias o grande poder econômico do país enviou sucessivas missões ao ministro da Economia e ao presidente do Congresso para azeitar o caminho de seus interesses, que defendem com urgência e até pressa.
Basta conhecer só uma das vantagens bilionárias que a reforma pode lhes proporcionar para compreender tamanho empenho. Caso o projeto de Paulo Guedes venha a ser aprovado, será o fim das contribuições obrigatórias das empresas para a aposentadoria de seus empregados. A medida não tem a ver com crescimento econômico nem com distribuição de renda -- mas com mais dinheiro no bolso de quem já tem muito.
Hoje as empresas devem a entregar, à Previdência, uma contribuição equivalente a 20% do salário de cada trabalhador registrado, recurso que ajuda a constituir a massa de dinheiro que paga as benefícios e pensões de 30 milhões de brasileiras e brasileiros. Com a criação do sistema de capitalização individual, que é o eixo da reforma, constitui-se a lei do cada-um-por-si-Deus-para todos, que elimina as contribuições dos empresários, assegurando-lhes um ganho imediato de renda calculado em R$ 13,6 bilhões por mês -- ou R$ 175 bilhões por ano, bolada superior ao faturamento da quase totalidade das empresas brasileiras, maior até que o lucro dos grandes bancos do país.
Para enfrentar uma resistência cada vez maior da população, que derrubou um projeto muito mais moderado que Michel Temer tentou aprovar em 2017, e já assusta parlamentares temerosos de não conseguir renovar o mandato, os aliados da reforma debatem uma concessão menos custosa para tentar garantir o principal.
O plano, aceito por bloco de 13 partidos que apoiam a reforma de Paulo Guedes nos pontos essenciais, é de um maquiavelismo primitivo: tentar dividir a população que será chamada a pagar a conta das mudanças, para assegurar a aprovação dos pontos importantes em troca concessões pouco custosas quando comparadas aos ganhos que o sistema financeiro pretendem assegurar.
Assim, retira-se do projeto duas medidas que efetivamente atingem as camadas muito pobres -- o Benefício de Prestação Continuada no valor de R$ 400 e a cobrança de contribuição das aposentadorias rurais, isentas pela Constituição de 1988. São propostas inaceitáveis, que sequer deveriam constar do projeto original e precisam ser eliminadas de qualquer maneira.
Ao mesmo tempo, o Cavalo de Tróia tenta preservar os pontos principais do projeto, inclusive a criação da capitalização individual, a elevação do tempo de contribuição e a mudança nos cálculos que rebaixam o valor das aposentadorias, obrigando o cidadão a trabalhar mais tempo e contribuir com mais dinheiro, para receber benefícios menores.
A utilidade da divisão é fácil de prever: apaziguar a população muito pobre, a quem se promete manter os benefícios de hoje -- como se fosse um favor -- para concentrar a ofensiva contra os trabalhadores mais qualificados, homens e mulheres de renda média, num país onde o teto máximo das aposentadorias do sistema público é R$ 5875 e o valor médio recebido é de R$ 1900.
A finalidade do cavalo de Tróia é política. Pretende ajudar o governo a embalar a reforma com a fantasia de que é uma iniciativa para combater "privilegiados". É assim que se costuma descrever quem consegue trabalhar com registro em carteira, numa retórica que foi patenteada pela ditadura dos generais para recusar aumentos de salários cobrados pelos trabalhadores sindicalizados.
(Em março de 2019, basta recordar os ganhos formidáveis assegurados aos militares na sua própria versão da reforma da Previdência para se reconhecer o caráter indecoroso desta argumentação).
A bolada bilionária em troca de 3/5 dos votos no Congresso ajuda a entender o empenho para garantir a reforma de qualquer maneira, numa hora em que se tornou indispensável manter o próprio Jair Bolsonaro de boca fechada -- pois o combate as reformas da Previdência foi um traço permanente de sua atuação como parlamentar. É isso que demonstra um vídeo inesquecível do deputado Boca Aberta (PROS-PR), onde ele desafia o presidente da República a voltar à Câmara para explicar sua mudança de posicionamento. "O sujeito homem, que tem vergonha na cara, tem que honrar o que fala", diz o parlamentar, eleitor assumido de Bolsonaro.
Como o vídeo deixa claro, e o debate sobre a reforma irá demonstrar de forma cristalina, a defesa da Previdência envolve a proteção da velhice e o futuro da juventude, fortalece os laços de uma sociedade e é, acima de tudo, uma questão de caráter.
Alguma dúvida?
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