Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Rede Brasil Atual:
Em 1964, o divórcio demorou mais tempo para acontecer. Os meios de comunicação em conjunto, com as raras exceções da Última Hora e de alguns jornais menores, fizeram campanha aberta e cerrada para o golpe. O “Basta” na manchete do Correio da Manhã na véspera da queda do presidente João Goulart e a “Restaurada a democracia” na capa do O Globo no dia seguinte são exemplos emblemáticos da fúria golpista.
Agiram de forma semelhante para derrubar a presidenta Dilma em 2016, convocando manifestações de rua e endossando os argumentos políticos usados pela oposição. E seguiram apoiando o governo ilegítimo de Michel Temer, sustentando as arbitrariedades da Lava Jato para tirar Lula da disputa presidencial e abrindo caminho para uma nova gestão militar, por enquanto ainda não institucionalizada, operando sob disfarces. Mas já dão mostras de arrependimento. Tudo muito rápido.
No outro golpe, o divórcio legal levou quase seis anos para se concretizar. A tomada do poder pelos militares ocorreu em março de 1964 e só no dia 26 de janeiro de 1970 foi publicado o Decreto-Lei nº 1.077, assinado pelo ditador Emilio Garrastazu Médici e pelo ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, oficializando a censura prévia aos meios de comunicação. Censores passavam a atuar nas redações em alguns casos e em outros os originais do que seria publicado tinham que ser enviados para a polícia, em Brasília, antes da impressão.
Nas considerações do Decreto, a ditadura argumentava com a existência de “publicações e canais de televisão (que) executam programas contrários à moral e aos bons costumes (...) insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira”. E, claro, não ficava por aí, na seara dos costumes. Dizia que “o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional”. Como se vê a dobradinha entre restrições morais e dominação política não é nenhuma novidade.
Agora o rompimento veio mais depressa e, pelo menos até o momento, não foi oficializado. A rapidez do divórcio atual em relação à maior lentidão de 1964 tem uma explicação fácil de ser observada. Naquela época, o partido da mídia saiu-se vitorioso com o golpe, representando as forças civis conservadoras que foram aos “bivaques” pedir a derrubada do governo constitucional.
Desta vez não. O candidato da direita adotado pelo partido midiático, com o nome fantasia de PSDB, sucumbiu fragorosamente. Sem alternativa, engoliram a contragosto o representante da extrema-direita, talvez com a ilusão de que pudessem domesticá-lo. Deram com os burros n’água.
Repetiu-se aqui o cenário grotesco dos Estados Unidos, onde a simpatia de grande parte da mídia pela candidata Hilary Clinton vem sendo respondida com virulência pelo governo Trump. O presidente do Brasil mimetiza o estadunidense na forma digital e no conteúdo panfletário.
Mas aqui as coisas são mais complicadas. A dependência dos meios de comunicação das verbas e dos favores governamentais inibe um rompimento mais brusco da parte ofendida.
Dois fatos nesse sentido são marcantes: a cooptação da Rede Record desde a campanha eleitoral e a revelação recente do périplo de um alto funcionário da Globo pelos gabinetes ministeriais do atual governo, fato revelado e condenado pelo ocupante da Presidência da República.
Mas ao que tudo indica a corda está esticando. Se do lado oficial os ataques diretos à mídia, ou indiretos através das redes sociais por seus apoiadores, seguem intensos, do lado midiático começam a aparecer sinais mais fortes de repulsa. O mais nítido foi estampado pelo ultra-conservador “O Estado de S. Paulo” que, em editorial no 8 de março, sob título “Quebrando louças” praticamente rompeu com o presidente embora deixe, ao que tudo indica, uma possibilidade de apoio ao vice.
O trecho final do texto vale ser lido na íntegra:
“O bom senso sugere que não se deve esperar que Bolsonaro de repente compreenda seu papel e se transforme num estadista, capaz de, em poucas palavras, guiar as expectativas do País.
"Diante disso, a ala adulta do governo parece ter decidido trabalhar por conta própria, tentando reparar os danos da comunicação caótica e imprudente de Bolsonaro – desde os prejuízos econômicos causados pelo despropositado antagonismo público do presidente em relação à China e aos países árabes, até a dificuldade de arregimentar apoio a uma reforma da Previdência na qual Bolsonaro parece não acreditar.
"Pelo que se viu até aqui, todo o esforço que alguns de seus auxiliares estão fazendo para que o presidente desastrado não quebre toda a louça será inútil. Bolsonaro está ficando cada vez mais rápido e certeiro. Em Davos, precisou de seis minutos para mostrar sua incompetência administrativa. Com os fuzileiros navais, não precisou de mais de quatro minutos para revelar sua face autoritária e sua ignorância cívica."Cabe apenas perguntar se a “ala adulta” do governo a que se refere o editorial é a do vice-presidente, encarnando o papel que o candidato Geraldo Alckmin não soube representar, ou assumindo por completo a sua face militar.
Se for assim, outras coincidências trágicas em relação a 1964 podem estar à nossa espera. E ai à mídia só restará voltar a posar de heroína, publicando receitas de bolo ou poemas de Camões em suas páginas censuradas.
Desta vez o namoro entre parte da mídia e o governo acabou mais cedo. Não completou três meses. Restam alguns encontros fortuitos que só se mantêm por conta da esperança comum de acabar com a Previdência. Só por isso.
Em 1964, o divórcio demorou mais tempo para acontecer. Os meios de comunicação em conjunto, com as raras exceções da Última Hora e de alguns jornais menores, fizeram campanha aberta e cerrada para o golpe. O “Basta” na manchete do Correio da Manhã na véspera da queda do presidente João Goulart e a “Restaurada a democracia” na capa do O Globo no dia seguinte são exemplos emblemáticos da fúria golpista.
Agiram de forma semelhante para derrubar a presidenta Dilma em 2016, convocando manifestações de rua e endossando os argumentos políticos usados pela oposição. E seguiram apoiando o governo ilegítimo de Michel Temer, sustentando as arbitrariedades da Lava Jato para tirar Lula da disputa presidencial e abrindo caminho para uma nova gestão militar, por enquanto ainda não institucionalizada, operando sob disfarces. Mas já dão mostras de arrependimento. Tudo muito rápido.
No outro golpe, o divórcio legal levou quase seis anos para se concretizar. A tomada do poder pelos militares ocorreu em março de 1964 e só no dia 26 de janeiro de 1970 foi publicado o Decreto-Lei nº 1.077, assinado pelo ditador Emilio Garrastazu Médici e pelo ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, oficializando a censura prévia aos meios de comunicação. Censores passavam a atuar nas redações em alguns casos e em outros os originais do que seria publicado tinham que ser enviados para a polícia, em Brasília, antes da impressão.
Nas considerações do Decreto, a ditadura argumentava com a existência de “publicações e canais de televisão (que) executam programas contrários à moral e aos bons costumes (...) insinuam o amor livre e ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira”. E, claro, não ficava por aí, na seara dos costumes. Dizia que “o emprego desses meios de comunicação obedece a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional”. Como se vê a dobradinha entre restrições morais e dominação política não é nenhuma novidade.
Agora o rompimento veio mais depressa e, pelo menos até o momento, não foi oficializado. A rapidez do divórcio atual em relação à maior lentidão de 1964 tem uma explicação fácil de ser observada. Naquela época, o partido da mídia saiu-se vitorioso com o golpe, representando as forças civis conservadoras que foram aos “bivaques” pedir a derrubada do governo constitucional.
Desta vez não. O candidato da direita adotado pelo partido midiático, com o nome fantasia de PSDB, sucumbiu fragorosamente. Sem alternativa, engoliram a contragosto o representante da extrema-direita, talvez com a ilusão de que pudessem domesticá-lo. Deram com os burros n’água.
Repetiu-se aqui o cenário grotesco dos Estados Unidos, onde a simpatia de grande parte da mídia pela candidata Hilary Clinton vem sendo respondida com virulência pelo governo Trump. O presidente do Brasil mimetiza o estadunidense na forma digital e no conteúdo panfletário.
Mas aqui as coisas são mais complicadas. A dependência dos meios de comunicação das verbas e dos favores governamentais inibe um rompimento mais brusco da parte ofendida.
Dois fatos nesse sentido são marcantes: a cooptação da Rede Record desde a campanha eleitoral e a revelação recente do périplo de um alto funcionário da Globo pelos gabinetes ministeriais do atual governo, fato revelado e condenado pelo ocupante da Presidência da República.
Mas ao que tudo indica a corda está esticando. Se do lado oficial os ataques diretos à mídia, ou indiretos através das redes sociais por seus apoiadores, seguem intensos, do lado midiático começam a aparecer sinais mais fortes de repulsa. O mais nítido foi estampado pelo ultra-conservador “O Estado de S. Paulo” que, em editorial no 8 de março, sob título “Quebrando louças” praticamente rompeu com o presidente embora deixe, ao que tudo indica, uma possibilidade de apoio ao vice.
O trecho final do texto vale ser lido na íntegra:
“O bom senso sugere que não se deve esperar que Bolsonaro de repente compreenda seu papel e se transforme num estadista, capaz de, em poucas palavras, guiar as expectativas do País.
"Diante disso, a ala adulta do governo parece ter decidido trabalhar por conta própria, tentando reparar os danos da comunicação caótica e imprudente de Bolsonaro – desde os prejuízos econômicos causados pelo despropositado antagonismo público do presidente em relação à China e aos países árabes, até a dificuldade de arregimentar apoio a uma reforma da Previdência na qual Bolsonaro parece não acreditar.
"Pelo que se viu até aqui, todo o esforço que alguns de seus auxiliares estão fazendo para que o presidente desastrado não quebre toda a louça será inútil. Bolsonaro está ficando cada vez mais rápido e certeiro. Em Davos, precisou de seis minutos para mostrar sua incompetência administrativa. Com os fuzileiros navais, não precisou de mais de quatro minutos para revelar sua face autoritária e sua ignorância cívica."Cabe apenas perguntar se a “ala adulta” do governo a que se refere o editorial é a do vice-presidente, encarnando o papel que o candidato Geraldo Alckmin não soube representar, ou assumindo por completo a sua face militar.
Se for assim, outras coincidências trágicas em relação a 1964 podem estar à nossa espera. E ai à mídia só restará voltar a posar de heroína, publicando receitas de bolo ou poemas de Camões em suas páginas censuradas.
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