Do Twitter de Paulo Coelho |
O escritor brasileiro Paulo Coelho publicou um artigo no Washington Post onde narra as torturas que sofreu na ditadura militar sem razão alguma: nunca foi militante de esquerda, nunca participou da luta armada nem era um inimigo público do regime. Ele levou choques elétricos nos genitais e foi colocado numa solitária em 1974 por ser um compositor. Um artista.
Depoimentos como os de Paulo contrariam os “argumentos” da extrema-direita de que só aqueles que pegaram em armas foram torturados e mortos nos porões da ditadura. Na verdade, qualquer pessoa podia ser vítima do terrorismo de Estado imposto pelos militares ao país. Bastava participar de uma passeata contra o governo que um estudante podia ser assassinado. Bastava ser indígena ou camponês. Bastava ser negro e ter cabelos black power. Qualquer um corria o risco de ser torturado e morto porque a ditadura militar, sobretudo a partir do AI-5, em 1968, era um bicho feroz e faminto.
Paulo Coelho conta: “28 de maio de 1974: um grupo de homens armados entra no meu apartamento. Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que eles estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Sou levado para o DOPS, fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles.”
O compositor, parceiro de Raul Seixas em algumas de suas canções mais famosas, é colocado num táxi para “tomar um café” com um dos sujeitos que o levaram ao DOPS, mas o carro é cercado e bloqueado por outros dois. “Um homem com uma arma me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: ‘Não posso morrer tão cedo’. Entro em uma espécie de catatonia: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de outros amigos que desapareceram; sou um desaparecido, e minha última visão será a de um hotel.”
Paulo Coelho é então levado para o local onde será torturado. “Sou retirado e espancado enquanto ando por aquilo que parece ser um corredor. Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. Terrorista, dizem. Merece morrer. Está lutando contra seu país. Vai morrer devagar, mas antes vai sofrer muito.”
“Sou levado para a sala de torturas, com uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa. Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo no meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais.”
“No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. Repito que assino o que desejarem, confesso o que quiserem, apenas me digam o que devo confessar. Eles ignoram meus pedidos.” Paulo Coelho diz que, quando é finalmente liberado, numa praça do Rio de Janeiro, seus pais “envelheceram” e estão em pânico, querendo que não saia mais para a rua, e que os amigos desapareceram com medo de se associar a ele, inclusive “o cantor”. Raul? “Ninguém responde a meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.”
E conclui, para o mundo saber: “São essas décadas de chumbo que o presidente Jair Bolsonaro –depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março”.
Leia a íntegra do artigo aqui.
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