domingo, 21 de abril de 2019

Entre a censura e a indignação seletiva

Por Luis Felipe Miguel, no Jornal GGN:

Não tenho, evidentemente, nenhuma simpatia pelos pasquins de direita que sofrem a censura imposta pelo STF. Mas se trata de uma grave restrição à liberdade de expressão – que, pelas repetidas declarações de Dias Toffoli nos últimos dias, está longe de ser um valor importante para nossa corte suprema.

A seletividade da indignação dos ministros do Supremo com a levianidade da mídia e o vazamento de informações judiciais é gritante. No processo de derrubada da presidente Dilma Rousseff e de perseguição ao ex-presidente Lula, foram cometidos abusos reais, de enorme gravidade, com a conivência menos ou mais ativa de todos eles. Agora, em episódio bem mais ambíguo, parte-se direto para a intimidação.

Creio isso é parte de um aspecto mais geral do retrocesso que estamos vivendo: o declínio dos padrões de republicanismo que, bem ou mal, estávamos alcançando desde a redemocratização. Agora, o “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” volta a imperar por completo.

Punitivismo exacerbado e impunidade absoluta convivem em paz, desde que esteja claro quem sofre com um e quem se beneficia da outra. Uns têm seus direitos mais elementares negados, ao passo que outros nem são investigados. O nepotismo indisfarçado avança. A separação entre público e privado claudica. Filhos do presidente mandam mais do que ministros, por força do simples parentesco. O governador de São Paulo detona o mobiliário histórico do palácio por capricho de sua decoradora favorita, em contrato com valores não declarados. O governador do Rio inventa seus próprios adereços de poder. O governador do Distrito Federal determina a emissão de carteira de identidade especial para seus filhos. O governador do Goiás fecha o palácio para as filhas fazerem festa. A deputada olavocanabiana de Santa Catarina cobra diárias da Assembleia Legislativa para lançar seu livro em cidades do interior. A lista é virtualmente interminável.

O período de maior cobrança por respeito aos valores republicanos básicos foi no período do PT. Talvez uma parte do mérito possa ser atribuída ao partido, mas o principal é que, com o governo nas mãos de “forasteiros”, de gente que não pertencia às elites de sempre, havia pressão dessa mesma elite para que a lei fosse cumprida e os limites fossem observados.

Agora, como pediam os coxinhas nas manifestações, eles têm o Brasil de volta – e não esperam para retomar os velhos hábitos.

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