Por Cezar Britto, no site Congresso em Foco:
Tive a honra de ser convidado, integrando um pequeno grupo de seis juristas, para participar da audiência pública promovida pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, da Câmara dos Deputados. A ideia era apresentar a minha opinião sobre a constitucionalidade da PEC 06/19, apresentada pelo governante atual e que trata na Reforma da Previdência e outros assuntos “jabutis”. Não querendo desmerecer o charmoso réptil, “jabuti” é o jargão político utilizado quando se tenta incluir em uma norma em debate regras estranhas ao tema principal, aprovando-as sem grande aprofundamento.
Durante mais de seis horas de debates, entre argumentos jurídicos, posições políticas predefinidas e agressões pessoais – das quais não escapei enquanto alvo – escutei, repetidamente, que a Reforma da Previdência era fundamental para o Brasil, sob pena de comprometimento definitivo do nosso futuro enquanto país, sobretudo no que se refere à sobrevivência digna das gerações ainda por nascer. O mesmo argumento apocalíptico repetido por empresários e banqueiros, além de grande parte da chamada grande imprensa e das pessoas repetidoras das ideias preconcebidas. A “verdade real” espelhada é, portanto, de conteúdo simples: ou se aprova a Reforma da Previdência, ou se quebra o Brasil.
Não quero – ao menos agora – afirmar que a “pós-verdade” que se espalha é uma cópia fiel da célebre máxima da propaganda nazista de Joseph Goebbels, sobre as mentiras repetidas que se tornam “verdades”. Mas posso afirmar que não é a primeira vez que estes mesmos grupos econômicos espalham argumentos apocalípticos – sabidamente falsos – para convencer a sociedade a abrir mão de direitos fundamentais, especialmente a classe trabalhadora e os mais pobres. Afinal, como se diz popularmente, “o uso do cachimbo deixa a boca torta”.
Quem não lembra que o Estado, argumentando que queria evitar uma crise sistêmica, bancou os bancos, autorizando-os, inclusive, a praticar juros extorsivos e até cobrar pelas tarifas e custos de suas atividades? Quem não se recorda que, propagandeando ser a única forma de baixar os juros cobrados das empresas e evitar que falissem, deu-se ao crédito dos bancos o direito de preferência sobre quase todos os créditos (Lei 11.101/2015)? Quem não carrega na memória a pregação de que uma Reforma Trabalhista, que revogasse os direitos dos trabalhadores, era a única forma de combater o desemprego e aumentar a produtividade empresarial? Ou que as empresas aéreas brasileiras quebrariam se não cobrassem pelas comidas, bagagens e assentos?
Sabe-se agora, que as passagens aéreas no Brasil continuam sendo uma das mais caras do mundo e que os bancos bancados pelo Estado seguem, sem qualquer reciprocidade social, defendendo e praticando o que se pode denominar “Capitalismo de Seguro Estatal”. Descobriu-se, anos depois, que os bancos não aliviaram as empresas da falência anunciada, que a mudança legislativa apenas serviu para que se revogasse a histórica e total proteção dos créditos trabalhistas, pois os trabalhadores não poderiam ser punidos pela má-gestão, má-fé ou desvios patronais, bem assim tornando inexequível os créditos trabalhistas, a exemplo da Vasp e da Varig. Constatou-se que a Reforma Trabalhista, ao transformar a CLT na “Consolidação das Lesões Trabalhistas”, aumentou o números de desempregados e desalentados para trágicos 12,7 milhões e 4,7 milhões de brasileiros e brasileiras, respectivamente.
Outra vez o argumento da catástrofe é utilizado para retirar da sociedade o direito a uma aposentadoria digna para aquele que, durante toda a vida, contribuiu para o crescimento das riquezas patronais e do Brasil. Na caneta legislativa é revelada a misoginia governante, pois às mulheres – já vítimas históricas do patriarcado que impõe a dupla jornada, a remuneração inferior e a informalidade compulsória – determina-se o aumento simultâneo do tempo de contribuição e da idade de aposentação, fazendo com que, na prática, apenas se aposentem por idade e com valores reduzidos. A mesma perversidade imposta aos trabalhadores rurais, professores, pessoas com deficiência e aqueles que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A proposta não garante o reajuste compensador da inflação, permite a redução do projeto de vida das pessoas, amplia a base de cálculo definidora do valor final, dificulta a aposentação das pessoas com deficiência, prejudica os anistiados políticos, reduz em milhões os trabalhadores que têm direito ao PIS/PASEP e não observa o direito adquirido daqueles que já estavam no regime de transição. Mais ainda, retira a obrigatoriedade do orçamento constitucional que faz superavitária a seguridade social e, tão grave quanto, retira da Constituição Federal qualquer debate qualificado sobre o direito à aposentadoria decente.
Certamente por saber do retrocesso social provocado por sua proposta, ousou-se propor, a exemplo dos Atos Institucionais da ditadura civil-militar, que as injustiças provocadas não poderão ser corrigidas pelo Poder Judiciário. A exemplo da que transfere para os bancos a gestão pública das futuras aposentadorias, via uma esdruxula capitalização exclusiva dos recursos individuais da classe trabalhadora, modelo de privatização que faliu em mais de 16 países, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, OIT. Assim, como se vê, a catástrofe anunciada não passa da velha e lesiva catástrofe argumentativa.
Durante mais de seis horas de debates, entre argumentos jurídicos, posições políticas predefinidas e agressões pessoais – das quais não escapei enquanto alvo – escutei, repetidamente, que a Reforma da Previdência era fundamental para o Brasil, sob pena de comprometimento definitivo do nosso futuro enquanto país, sobretudo no que se refere à sobrevivência digna das gerações ainda por nascer. O mesmo argumento apocalíptico repetido por empresários e banqueiros, além de grande parte da chamada grande imprensa e das pessoas repetidoras das ideias preconcebidas. A “verdade real” espelhada é, portanto, de conteúdo simples: ou se aprova a Reforma da Previdência, ou se quebra o Brasil.
Não quero – ao menos agora – afirmar que a “pós-verdade” que se espalha é uma cópia fiel da célebre máxima da propaganda nazista de Joseph Goebbels, sobre as mentiras repetidas que se tornam “verdades”. Mas posso afirmar que não é a primeira vez que estes mesmos grupos econômicos espalham argumentos apocalípticos – sabidamente falsos – para convencer a sociedade a abrir mão de direitos fundamentais, especialmente a classe trabalhadora e os mais pobres. Afinal, como se diz popularmente, “o uso do cachimbo deixa a boca torta”.
Quem não lembra que o Estado, argumentando que queria evitar uma crise sistêmica, bancou os bancos, autorizando-os, inclusive, a praticar juros extorsivos e até cobrar pelas tarifas e custos de suas atividades? Quem não se recorda que, propagandeando ser a única forma de baixar os juros cobrados das empresas e evitar que falissem, deu-se ao crédito dos bancos o direito de preferência sobre quase todos os créditos (Lei 11.101/2015)? Quem não carrega na memória a pregação de que uma Reforma Trabalhista, que revogasse os direitos dos trabalhadores, era a única forma de combater o desemprego e aumentar a produtividade empresarial? Ou que as empresas aéreas brasileiras quebrariam se não cobrassem pelas comidas, bagagens e assentos?
Sabe-se agora, que as passagens aéreas no Brasil continuam sendo uma das mais caras do mundo e que os bancos bancados pelo Estado seguem, sem qualquer reciprocidade social, defendendo e praticando o que se pode denominar “Capitalismo de Seguro Estatal”. Descobriu-se, anos depois, que os bancos não aliviaram as empresas da falência anunciada, que a mudança legislativa apenas serviu para que se revogasse a histórica e total proteção dos créditos trabalhistas, pois os trabalhadores não poderiam ser punidos pela má-gestão, má-fé ou desvios patronais, bem assim tornando inexequível os créditos trabalhistas, a exemplo da Vasp e da Varig. Constatou-se que a Reforma Trabalhista, ao transformar a CLT na “Consolidação das Lesões Trabalhistas”, aumentou o números de desempregados e desalentados para trágicos 12,7 milhões e 4,7 milhões de brasileiros e brasileiras, respectivamente.
Outra vez o argumento da catástrofe é utilizado para retirar da sociedade o direito a uma aposentadoria digna para aquele que, durante toda a vida, contribuiu para o crescimento das riquezas patronais e do Brasil. Na caneta legislativa é revelada a misoginia governante, pois às mulheres – já vítimas históricas do patriarcado que impõe a dupla jornada, a remuneração inferior e a informalidade compulsória – determina-se o aumento simultâneo do tempo de contribuição e da idade de aposentação, fazendo com que, na prática, apenas se aposentem por idade e com valores reduzidos. A mesma perversidade imposta aos trabalhadores rurais, professores, pessoas com deficiência e aqueles que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A proposta não garante o reajuste compensador da inflação, permite a redução do projeto de vida das pessoas, amplia a base de cálculo definidora do valor final, dificulta a aposentação das pessoas com deficiência, prejudica os anistiados políticos, reduz em milhões os trabalhadores que têm direito ao PIS/PASEP e não observa o direito adquirido daqueles que já estavam no regime de transição. Mais ainda, retira a obrigatoriedade do orçamento constitucional que faz superavitária a seguridade social e, tão grave quanto, retira da Constituição Federal qualquer debate qualificado sobre o direito à aposentadoria decente.
Certamente por saber do retrocesso social provocado por sua proposta, ousou-se propor, a exemplo dos Atos Institucionais da ditadura civil-militar, que as injustiças provocadas não poderão ser corrigidas pelo Poder Judiciário. A exemplo da que transfere para os bancos a gestão pública das futuras aposentadorias, via uma esdruxula capitalização exclusiva dos recursos individuais da classe trabalhadora, modelo de privatização que faliu em mais de 16 países, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, OIT. Assim, como se vê, a catástrofe anunciada não passa da velha e lesiva catástrofe argumentativa.
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