Presidente Nicolás Maduro (30/4/19). Reprodução: Youtube |
Talvez nem fosse preciso, mas as pegadas de Washington, na nova tentativa de golpe de Estado que a Venezuela sofreu hoje, ficaram clara na fala que o Conselheiro Nacional de Segurança, John Bolton, fez esta tarde, nos jardins da Casa Branca. Ela beira o bizarro.
Conhecido por seu papel destacado entre a extrema-direita norte-americana, Bolton nomeou, um a um, os funcionários do governo venezuelano que, segundo ele, teriam participado da conspiração militar para entregar o poder a Juan Guaidó, “presidente” autoproclamado. “Figuras como o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, o chefe da Suprema Corte, Maikel Moreno, o comandante da guarda presidencial, Rafael Hernandez Dala. Todos concordaram que Maduro tinha de ir embora. É muito importante que agora cumpram seus compromissos…”.
Bolton teria caído em cilada? Seus supostos interlocutores faltaram ao encontro. E às 19h de 30/4, quando se escreve esta nota, parece claro que, por hoje, o golpe fracassou. Guaidó estaria em busca de refúgio na embaixada da França. Outro político opositor, Leopoldo López, já rumou para a representação diplomática do Chile. Coube ao governo Bolsonaro um papel menor: oferecer alívio a 25 militares – todos de baixa patente – que se somaram à aventura fracassada.
A intentona começou pela manhã. Por volta das 9h, o autoproclamado Guaidó apareceu na Praça Altamira – zona nobre de Caracas – ladeado, segundo os jornais internacionais confiáveis, de alguns militares fortemente armados. Também o acompanhava Leopoldó Lópes, que escapara pouco antes de sua própria casa, onde cumpria prisão domiciliar. Guaidó garganteou contar com apoio militar e anunciou que começava, com suas palavras, a “Operação Liberdade”. Dessa vez, ele entraria no Palácio Miraflores. Convocou a população a “ir às ruas”.
O apoio social foi escasso, como demonstram as múltiplas imagens da jornada de hoje. Mas algum apoio na caserna, o autoproclamado obteve – tanto que rumou para a Base Aérea de La Carlota, situada no coração da capital. Ainda é incerto que tenha conseguido adentrar. Pouco a pouco, o grosso dos comandantes militares manifestou seu apoio ao presidente Nicolás Maduro. Por volta do meio dia, o ministro da Defesa – o Vladimir Padriño com quem John Bolton contava – anunciou na TV estatal que a “violência de alguns membros das Forças Armadas” estava debelada.
A jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, que o Guardian britânico considera fonte confiável, construiu, então, uma tantativa de explicação para o fiasco. Houve precipitação, segundo ela. Oputsch estava programado para mais adiante. Foi subitamente antecipado porque alguns opositores temiam que a informação vazasse e Gaidó fosse preso. Tratou-se, a crer nesta hipótese, de quartelada típica, sem adesão popular – e portanto sujeita tanto a nascer quanto a perecer na caserna.
Já nas primeiras horas da manhã, a Casa Branca apoiou a movimentação golpista – “pela democracia”, segundo informou em novilíngua… Mas os EUA não foram os únicos a se pendurar na brocha. Jair Bolsonaro apressou-se a fornecer seu apoio. Além de um tuíte matutino, em que chamou Nicolás Maduro de “ditador apoiado pelo PT, PSOL e alinhados ideológicos”, convocou reunião do Conselho de Defesa Nacional. É provável que, nela, tenha prevalecido a posição dos militares, muito menos delirante que a da família presidencial. Ao final do encontro, o general Augusto, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), apressou-se a dizer que considera Guaidó “fraco militarmente”; que o autoproclamado agiu provavelmente numa ação de “autopropaganda”; e que “eles sabem que não vamos intervir”.
A derrota do golpe merece ser celebrada – ainda mais numa conjuntura em que a direita latino-americana defronta-se com a crescente crise argentina, e pode ser tentada a resolver suas dificuldades pelo caminho da violência. Mas os problemas de fundo da Venezuela não terminaram. Continua atual o dossiê que Outras Palavras publicou a respeito, há dois meses. Entre os textos, destaca-se uma análise do cientista político Edgardo Lander, crítico do chavismo pela esquerda. Ele sustenta: o processo produziu reformas profundas, mas jamais libertou-se do extrativismo, este elemento crítico a herança colonial que marca a América Latina. Só o futuro dirá se ainda há tempo para sair da cilada — e manter a ultra-direita distante.
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