Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O ano de 2013 paira como um enigma e uma lição na história brasileira recente. O que começou como protesto popular espontâneo se moldou depois como movimento assenhorado por setores conservadores, que inverteram a pauta crítica em nome de um sentimento difuso de insatisfação. Nas ruas, em mão dupla, se cruzaram classes e ideologias, como identificou o cientista político André Singer.
A disputa pelos rumos do movimento, que começou próximo às demandas populares, logo foi tomado pela direita, que inverteu a forma de compreender a ação popular nas ruas. Até aquele momento, o asfalto parecia território cativo dos movimentos populares e sindicais. A mudança dos rumos das manifestações, em termos quantitativos e qualitativos, mostrou que o cenário seria de disputa. E será sempre, de agora em diante.
Aquelas jornadas, como foram batizadas epicamente, demonstraram que grupos conservadores foram capazes de canalizar a insatisfação generalizada em torno de serviços públicos e da ação do Estado, para moldar sobre ela um projeto político, mesmo que tosco. A corrupção passou a ser o grande inimigo, capaz de colocar no mesmo barco todo o sistema político, que precisava ser descartado por meio de uma ação higiênica.
Essa compreensão, alimentada pelo poder convocatório e alienante dos meios de comunicação, acabou ganhando representação social em ferramentas ainda tateantes das redes sociais. A condenação da política em favor da ação direta de lideranças autoritárias surgiu como estratégia de acesso ao poder. O fisiologismo no Brasil é sagaz e os políticos sem expressão, até então colocados de escanteio, não perderam a oportunidade. Deu no que deu.
O alerta está dado. Não se deve desperdiçar o novo retorno às ruas, arriscando perder o protagonismo de uma pauta agregadora como a da educação, para um discurso moralista e fiscalista, que tem dado sustentação a um governo reconhecidamente incapaz. O ministro da área se mostra indigno do cargo e o próprio presidente compra briga com a sociedade ao atacar estudantes e professores.
Se a voz das ruas é clara, a escuta precisa ser também astuta. Não se deve cair no erro da avaliação eufórica de que há um levante contra o governo e que tudo agora é questão de tempo. Falta convencer ainda muitos interlocutores e dialogar com todos os segmentos sociais insatisfeitos. Construir uma saída. O movimento pela educação não tem dono e precisa ser respeitado em sua diversidade. A esquerda, entretanto, não tem mais o direito de ser ingênua.
A educação pública de qualidade sempre foi uma bandeira universal, capaz de unir a sociedade. Todos defendem o setor como a única saída viável para reverter o grau de injustiça e incivilidade da sociedade brasileira. No entanto, a pauta regressiva da escola sem partido e de outras distorções moralistas vingou nos setores mais ideológicos e desinformados, como estratégia para radicalizar o processo de divisão social. Até que chegou dentro de casa. Ninguém gosta de ver seu filho ser chamado de idiota e imbecil.
Uma coisa é defender barbaridades como o ensino doméstico, a terra plana, o criacionismo, o revisionismo histórico e a crítica a Paulo Freire. Até mesmo, em meio à insegurança geral, propor disciplina militarizada para afagar egos conservadores e autoritários. Outra coisa muito diferente é atacar a educação em si e seus valores. O presidente cruzou a linha.
Abrir fogo contra alunos e professores, além de ameaçar a pesquisa e o conhecimento, são atitudes obscurantistas que envergonham o cidadão. O anti-intelectualismo que domina a nação é suficientemente ridículo – e nisso a figura estulta de Bolsonaro contribui muito – para recolher repulsa quase unânime.
Esse é um movimento que tem tudo para crescer, desde que tenha capacidade de recompor a aliança perdida com setores da classe média, que hoje percebem, constrangidos, que embarcaram numa furada. As jornadas de maio podem ser o primeiro ensaio para afinar o coro dos descontentes.
É esse sentimento que precisa ser despertado: a percepção de que há um projeto contra o país, contra o meio ambiente, contra o trabalhador, contra os direitos humanos, contra a saúde pública, contra a cultura, contra o povo e contra a civilização. A educação é um bom começo para harmonizar a revolta. A disputa da previdência deve ser o próximo passo.
De volta às ruas, de onde nunca deveria ter saído. Essa é a sensação que fica do estrondoso grito de indignação da sociedade em relação aos drásticos cortes na educação. O choque de realidade, literalmente com o pé no chão, tem tudo para esfumaçar a covardia do radicalismo das nuvens que segregam ódio. Mas se as ruas deram de novo o tom da política, é preciso saber escutá-las com sabedoria e, sobretudo, ter capacidade de levar a voz adiante.
O ano de 2013 paira como um enigma e uma lição na história brasileira recente. O que começou como protesto popular espontâneo se moldou depois como movimento assenhorado por setores conservadores, que inverteram a pauta crítica em nome de um sentimento difuso de insatisfação. Nas ruas, em mão dupla, se cruzaram classes e ideologias, como identificou o cientista político André Singer.
A disputa pelos rumos do movimento, que começou próximo às demandas populares, logo foi tomado pela direita, que inverteu a forma de compreender a ação popular nas ruas. Até aquele momento, o asfalto parecia território cativo dos movimentos populares e sindicais. A mudança dos rumos das manifestações, em termos quantitativos e qualitativos, mostrou que o cenário seria de disputa. E será sempre, de agora em diante.
Aquelas jornadas, como foram batizadas epicamente, demonstraram que grupos conservadores foram capazes de canalizar a insatisfação generalizada em torno de serviços públicos e da ação do Estado, para moldar sobre ela um projeto político, mesmo que tosco. A corrupção passou a ser o grande inimigo, capaz de colocar no mesmo barco todo o sistema político, que precisava ser descartado por meio de uma ação higiênica.
Essa compreensão, alimentada pelo poder convocatório e alienante dos meios de comunicação, acabou ganhando representação social em ferramentas ainda tateantes das redes sociais. A condenação da política em favor da ação direta de lideranças autoritárias surgiu como estratégia de acesso ao poder. O fisiologismo no Brasil é sagaz e os políticos sem expressão, até então colocados de escanteio, não perderam a oportunidade. Deu no que deu.
O alerta está dado. Não se deve desperdiçar o novo retorno às ruas, arriscando perder o protagonismo de uma pauta agregadora como a da educação, para um discurso moralista e fiscalista, que tem dado sustentação a um governo reconhecidamente incapaz. O ministro da área se mostra indigno do cargo e o próprio presidente compra briga com a sociedade ao atacar estudantes e professores.
Se a voz das ruas é clara, a escuta precisa ser também astuta. Não se deve cair no erro da avaliação eufórica de que há um levante contra o governo e que tudo agora é questão de tempo. Falta convencer ainda muitos interlocutores e dialogar com todos os segmentos sociais insatisfeitos. Construir uma saída. O movimento pela educação não tem dono e precisa ser respeitado em sua diversidade. A esquerda, entretanto, não tem mais o direito de ser ingênua.
A educação pública de qualidade sempre foi uma bandeira universal, capaz de unir a sociedade. Todos defendem o setor como a única saída viável para reverter o grau de injustiça e incivilidade da sociedade brasileira. No entanto, a pauta regressiva da escola sem partido e de outras distorções moralistas vingou nos setores mais ideológicos e desinformados, como estratégia para radicalizar o processo de divisão social. Até que chegou dentro de casa. Ninguém gosta de ver seu filho ser chamado de idiota e imbecil.
Uma coisa é defender barbaridades como o ensino doméstico, a terra plana, o criacionismo, o revisionismo histórico e a crítica a Paulo Freire. Até mesmo, em meio à insegurança geral, propor disciplina militarizada para afagar egos conservadores e autoritários. Outra coisa muito diferente é atacar a educação em si e seus valores. O presidente cruzou a linha.
Abrir fogo contra alunos e professores, além de ameaçar a pesquisa e o conhecimento, são atitudes obscurantistas que envergonham o cidadão. O anti-intelectualismo que domina a nação é suficientemente ridículo – e nisso a figura estulta de Bolsonaro contribui muito – para recolher repulsa quase unânime.
Esse é um movimento que tem tudo para crescer, desde que tenha capacidade de recompor a aliança perdida com setores da classe média, que hoje percebem, constrangidos, que embarcaram numa furada. As jornadas de maio podem ser o primeiro ensaio para afinar o coro dos descontentes.
É esse sentimento que precisa ser despertado: a percepção de que há um projeto contra o país, contra o meio ambiente, contra o trabalhador, contra os direitos humanos, contra a saúde pública, contra a cultura, contra o povo e contra a civilização. A educação é um bom começo para harmonizar a revolta. A disputa da previdência deve ser o próximo passo.
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