Por Jonattan Rodriguez Castelli, no site Brasil Debate:
No último dia 30 de abril, o ministro da educação Abraham Weintraub declarou que cortaria 30% do orçamento das universidades federais que provocassem “balbúrdia” em seus campi – citando a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade da Bahia (UFBA). No dia seguinte, o secretário da pasta de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, afirmou que o corte de 30% se estenderia de forma isonômica para todas as universidades. Como se não fosse suficiente, o corte do orçamento livre (gastos discricionários) de mais da metade das federais é superior ao anunciado de 30%, caso da Universidade do Sul da Bahia (54%), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (52%) e da Universidade da Grande Dourados (49%).
Esses cortes podem interromper um longo processo de avanço nos investimentos na educação brasileira. Ávila (2018), a partir de dados do Inep, assinala que o percentual do investimento público em educação como participação do PIB brasileiro, em todos os níveis de ensino, entre os anos 2000 e 2014 aumentou de 4,6% para 6,0%. Desse aumento a educação básica subiu de um investimento de 3,7% do PIB em 2000 para 4,9% em 2014; o ensino médio de 0,6 para 1,1%; e o ensino superior de 0,9 para 1,2% do PIB, no mesmo período.
Ademais, o investimento por aluno na educação básica e no ensino médio também cresceu. O primeiro subiu de R$ 1.946, em 2000, para R$ 5.935, em 2014. Já o segundo subiu de R$ 1.878 para R$ 6.021, no mesmo período (valores deflacionados pelo IPCA). O ensino superior, por seu turno, durante o período analisado se manteve relativamente estagnado, partindo de R$ 21.341 para R$ 21.875. Destaca-se aqui que essa estagnação do gasto por aluno pode decorrer do fato de que, a despeito de o investimento como percentual do PIB nessa área ter crescido, também cresceu o número de universidades e, consequentemente, o número de alunos, o que faz o gasto por estudante ter ficado praticamente inalterado.
O fato é que consequentemente ao maior investimento em educação, o Brasil teve melhoria nos seus indicadores socioeconômicos. Se tomarmos o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) como parâmetro, entre 2011 e 2015, esse indicador (que varia entre 0 e 1) subiu de 0,738 para 0,761. Ao se verificar o comportamento das variáveis que o compõem, nota-se que o IDHM renda cresceu de 0,718 para 0,729; o IDHM longevidade foi de 0,676 para 0,713; enquanto o IDHM escolaridade subiu de 0,820 para 0,841. Dessa maneira, pode-se afirmar que, em razão de o IDHM ser uma média das três variáveis, o avanço da escolaridade teve um impacto positivo nesse indicador.
A expansão das universidades, por sua vez, teve um efeito positivo na elevação da renda de parte da população brasileira. Conforme estudo publicado por Niquito, Ribeiro e Portugal (2018), entre 2000 e 2010 o número de universidades federais em funcionamento no país passou de 39 para 58, uma expansão de quase 50%. Destaca-se ainda que o maior crescimento foi daquelas situadas no interior do país (de 12 em 2000 para 27 em 2010, um aumento de mais de 125%).
O estudo supracitado assinala que, durante esse período, as “evidências empíricas encontradas mostram que o impacto da criação de novos campi universitários sobre a renda per capita dos municípios diretamente afetados é de 3,57%” (p.388), ou seja, um efeito de curto prazo positivo sobre a renda local. A partir disso, pode-se afirmar que o investimento em educação, e no ensino superior público, é benéfico para o bem-estar da sociedade brasileira.
Por fim, o que cabe ser destacado é que, embora esses cortes sejam uma ameaça à evolução recente dos indicadores de desenvolvimento humano brasileiro, a manutenção de investimento em educação enfrenta um desafio fiscal além das canetadas de Bolsonaro e seus ministros: a EC 95, conhecida como “teto dos gastos”.
O teto dos gastos congela as despesas primárias (onde estão os investimentos em educação) do Governo Federal, em seus valores reais de 2016, por até 20 anos. Inicialmente, essa emenda previa o respeito ao piso constitucional para educação (18% das receitas correntes líquidas). Contudo, a partir de 2018 o piso constitucional se desvinculou das receitas da união e passou a ser um valor de referência, no caso, o montante de 2017 corrigido pela inflação.
Salienta-se que o valor previsto para 2017 já não seria capaz de suprir os investimentos básicos e as despesas discricionárias em educação. De acordo com o estudo técnico n. 22/2016, publicado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (CONOF), cerca de 24 bilhões de reais poderão deixar de ser investidos em educação nos próximos 20 anos a partir da adoção do teto dos gastos.
Conforme esse estudo técnico, a Lei Orçamentária Anual de 2017 destinava à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) R$ 51,6 bilhões, correspondente aos 18% que representam o piso constitucional. Desses, aproximadamente, R$ 43,87 bilhões (15,3% das receitas) seriam destinados às despesas obrigatórias – como FUNDEB, custeio de Pessoal e Encargos Sociais – e R$ 6,05 bilhões (2,1% das receitas) às despesas financeiras, somando 17,4% das receitas da união.
Logo, restaria 0,6% (R$ 1,63 bilhão) para serem destinados às despesas discricionárias como: as bolsas de estudo (desde iniciação científica a doutorado), gerenciamento de políticas de educação, capacitação de servidores públicos, funcionamento de instituições federais de educação profissional e tecnológica, entre outras atividades. Porém, todas essas atividades precisariam de um orçamento de R$ 24,07 bilhões (8,4% das receitas correntes líquidas da união) para serem financiadas. Desse modo, o que se percebe desde 2016 é que a educação no Brasil não cabe no orçamento federal devido ao teto dos gastos.
É só a partir da revogação desse regime e da criação de outra arquitetura fiscal que a educação poderá voltar a ser prioridade e os investimentos nas universidades federais poderão ser mantidos. Até lá, vale lembrar as palavras de Darcy Ribeiro: a crise na educação não é uma crise, mas um projeto.
Referências
ATLAS BRASIL. Radar IDHM 2015. Brasília: PNUD; Fundação João Pinheiro; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), agosto de 2017.
ÁVILA, R. I. O Brasil gasta mais no ensino básico do que no superior. Carta Maior. 27 de agosto de 2018.
TANNO, C. R. Estudo Técnico n. 22/2-16: orçamento da educação: riscos de compressão das despesas não asseguradas pela PEC n. 241/2016. Brasília: Câmara dos deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF), outubro de 2016.
NIQUITO, T. W.; RIBEIRO, F. G.; PORTUGAL, M. S. Impacto da criação das novas universidades federais sobre as economias locais. Planejamento e Políticas Públicas (PPP), n.51, jul/dez, 2018.pp. 367-394.
No último dia 30 de abril, o ministro da educação Abraham Weintraub declarou que cortaria 30% do orçamento das universidades federais que provocassem “balbúrdia” em seus campi – citando a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade da Bahia (UFBA). No dia seguinte, o secretário da pasta de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, afirmou que o corte de 30% se estenderia de forma isonômica para todas as universidades. Como se não fosse suficiente, o corte do orçamento livre (gastos discricionários) de mais da metade das federais é superior ao anunciado de 30%, caso da Universidade do Sul da Bahia (54%), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (52%) e da Universidade da Grande Dourados (49%).
Esses cortes podem interromper um longo processo de avanço nos investimentos na educação brasileira. Ávila (2018), a partir de dados do Inep, assinala que o percentual do investimento público em educação como participação do PIB brasileiro, em todos os níveis de ensino, entre os anos 2000 e 2014 aumentou de 4,6% para 6,0%. Desse aumento a educação básica subiu de um investimento de 3,7% do PIB em 2000 para 4,9% em 2014; o ensino médio de 0,6 para 1,1%; e o ensino superior de 0,9 para 1,2% do PIB, no mesmo período.
Ademais, o investimento por aluno na educação básica e no ensino médio também cresceu. O primeiro subiu de R$ 1.946, em 2000, para R$ 5.935, em 2014. Já o segundo subiu de R$ 1.878 para R$ 6.021, no mesmo período (valores deflacionados pelo IPCA). O ensino superior, por seu turno, durante o período analisado se manteve relativamente estagnado, partindo de R$ 21.341 para R$ 21.875. Destaca-se aqui que essa estagnação do gasto por aluno pode decorrer do fato de que, a despeito de o investimento como percentual do PIB nessa área ter crescido, também cresceu o número de universidades e, consequentemente, o número de alunos, o que faz o gasto por estudante ter ficado praticamente inalterado.
O fato é que consequentemente ao maior investimento em educação, o Brasil teve melhoria nos seus indicadores socioeconômicos. Se tomarmos o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) como parâmetro, entre 2011 e 2015, esse indicador (que varia entre 0 e 1) subiu de 0,738 para 0,761. Ao se verificar o comportamento das variáveis que o compõem, nota-se que o IDHM renda cresceu de 0,718 para 0,729; o IDHM longevidade foi de 0,676 para 0,713; enquanto o IDHM escolaridade subiu de 0,820 para 0,841. Dessa maneira, pode-se afirmar que, em razão de o IDHM ser uma média das três variáveis, o avanço da escolaridade teve um impacto positivo nesse indicador.
A expansão das universidades, por sua vez, teve um efeito positivo na elevação da renda de parte da população brasileira. Conforme estudo publicado por Niquito, Ribeiro e Portugal (2018), entre 2000 e 2010 o número de universidades federais em funcionamento no país passou de 39 para 58, uma expansão de quase 50%. Destaca-se ainda que o maior crescimento foi daquelas situadas no interior do país (de 12 em 2000 para 27 em 2010, um aumento de mais de 125%).
O estudo supracitado assinala que, durante esse período, as “evidências empíricas encontradas mostram que o impacto da criação de novos campi universitários sobre a renda per capita dos municípios diretamente afetados é de 3,57%” (p.388), ou seja, um efeito de curto prazo positivo sobre a renda local. A partir disso, pode-se afirmar que o investimento em educação, e no ensino superior público, é benéfico para o bem-estar da sociedade brasileira.
Por fim, o que cabe ser destacado é que, embora esses cortes sejam uma ameaça à evolução recente dos indicadores de desenvolvimento humano brasileiro, a manutenção de investimento em educação enfrenta um desafio fiscal além das canetadas de Bolsonaro e seus ministros: a EC 95, conhecida como “teto dos gastos”.
O teto dos gastos congela as despesas primárias (onde estão os investimentos em educação) do Governo Federal, em seus valores reais de 2016, por até 20 anos. Inicialmente, essa emenda previa o respeito ao piso constitucional para educação (18% das receitas correntes líquidas). Contudo, a partir de 2018 o piso constitucional se desvinculou das receitas da união e passou a ser um valor de referência, no caso, o montante de 2017 corrigido pela inflação.
Salienta-se que o valor previsto para 2017 já não seria capaz de suprir os investimentos básicos e as despesas discricionárias em educação. De acordo com o estudo técnico n. 22/2016, publicado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (CONOF), cerca de 24 bilhões de reais poderão deixar de ser investidos em educação nos próximos 20 anos a partir da adoção do teto dos gastos.
Conforme esse estudo técnico, a Lei Orçamentária Anual de 2017 destinava à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) R$ 51,6 bilhões, correspondente aos 18% que representam o piso constitucional. Desses, aproximadamente, R$ 43,87 bilhões (15,3% das receitas) seriam destinados às despesas obrigatórias – como FUNDEB, custeio de Pessoal e Encargos Sociais – e R$ 6,05 bilhões (2,1% das receitas) às despesas financeiras, somando 17,4% das receitas da união.
Logo, restaria 0,6% (R$ 1,63 bilhão) para serem destinados às despesas discricionárias como: as bolsas de estudo (desde iniciação científica a doutorado), gerenciamento de políticas de educação, capacitação de servidores públicos, funcionamento de instituições federais de educação profissional e tecnológica, entre outras atividades. Porém, todas essas atividades precisariam de um orçamento de R$ 24,07 bilhões (8,4% das receitas correntes líquidas da união) para serem financiadas. Desse modo, o que se percebe desde 2016 é que a educação no Brasil não cabe no orçamento federal devido ao teto dos gastos.
É só a partir da revogação desse regime e da criação de outra arquitetura fiscal que a educação poderá voltar a ser prioridade e os investimentos nas universidades federais poderão ser mantidos. Até lá, vale lembrar as palavras de Darcy Ribeiro: a crise na educação não é uma crise, mas um projeto.
Referências
ATLAS BRASIL. Radar IDHM 2015. Brasília: PNUD; Fundação João Pinheiro; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), agosto de 2017.
ÁVILA, R. I. O Brasil gasta mais no ensino básico do que no superior. Carta Maior. 27 de agosto de 2018.
TANNO, C. R. Estudo Técnico n. 22/2-16: orçamento da educação: riscos de compressão das despesas não asseguradas pela PEC n. 241/2016. Brasília: Câmara dos deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF), outubro de 2016.
NIQUITO, T. W.; RIBEIRO, F. G.; PORTUGAL, M. S. Impacto da criação das novas universidades federais sobre as economias locais. Planejamento e Políticas Públicas (PPP), n.51, jul/dez, 2018.pp. 367-394.
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