Foto: Felipe Bianchi |
Reconhecido mundialmente, o neurocientista Miguel Nicolelis avisa: a renascença vivida pelo Brasil com a ampliação das universidades e do acesso ao ensino superior, bem como os programas de fomento e estímulo ao desenvolvimento científico, chegou ao fim. E não é só isso. O processo de desmonte que começou com Michel Temer e vem sendo agravado com Jair Bolsonaro é tão profundo que custará décadas de reconstrução ao país. As declarações foram dadas durante debate nesta terça-feira (25), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo.
"Bolsonaro representa uma posição extremamente anticientífica, com repulsa pela academia e pelo conhecimento. Não dá nem para chamar de medieval, pois o pensamento medieval é brilhante se comparado ao dele. Nem com o neanderthal podemos comparar, pois seria ofensivo ao neanderthal", avalia Nicolelis. "Nem em regimes muito mais autoritários têm-se a cara de pau de destruir a academia como Bolsonaro pretende, pois isso extrapola os limites da racionalidade. O que me preocupa é que, apesar da velocidade do processo de destruição e desmonte, a reconstrução leva décadas".
De seus 58 anos de vida, Nicolelis viveu 31 fora do país. Nos Estados Unidos, encontrou condições para levar a cabo pesquisas que culminaram no sucesso de, dentre outros, o emblemático projeto Walk Again (Andar de Novo), marcado pelo chute inicial da Copa do Mundo de Futebol de 2014, realizada no Brasil, quando um para-atleta (Juliano Pinto) vestiu um exoesqueleto. Apesar disso, revela Nicolelis, foi em seu retorno ao país que descobriu o que é ser brasileiro. "Fui fazer pesquisa no interior do nordeste, no Rio Grande do Norte, onde vivi por um período. Ali entendi o que estava acontecendo no Brasil, ali entendi o que o talento brasileiro é capaz quando tem oportunidades e ali entendi, de fato, o Brasil", relata.
"O mundo inteiro viu o Brasil do período de 2002 a 2014 como algo admirável, exemplar. Isso está sendo desmontado numa velocidade absurda. Quem está por trás de tudo isso entende muito bem como se desmantela uma nação", opina. "É assim que se puxa o tapete de um país emergente como o nosso, que construía um processo democrático orgânico". Apesar da velocidade do processo de destruição e desmonte, alerta Nicolelis, a reconstrução é inversamente proporcional. "Reverter um processo de sucateamento da educação é algo que leva décadas. Não podemos voltar no tempo. Nossa renascença durou só 12 anos, mas retomá-la levará décadas".
Nicolelis contou com a companhia de Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Na avaliação dela, o Estado é fundamental para investir em uma produção científica robusta, mas o que se passa hoje no Brasil é a vigência de um Estado de exceção. "As denúncias trazidas à tona pelo The Intercept Brasil deixa ainda mais claro", avalia. O que é mais grave do ponto de vista da soberania, argumenta Calé, é o abismo que o Brasil deixa se formar à sua frente no xadrez global. "Na disputa geopolítica, à medida que o Brasil abandona a ciência, nos defasamos muito em relação a outras nações. Eles avançam muito e nós retrocedemos muito". Para ela, o Brasil oferece hoje dois caminhos para quem quer fazer ciência: o aeroporto ou o subemprego.
Assista à íntegra do debate [aqui].
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