Por Gilberto Maringoni
Em uma semana, Jair Messias demitiu três generais - Santos Cruz (Secretaria de Governo), Franklimberg Freitas (Funai) e Juarez de Paula Cunha (ECT) – e um banqueiro – Joaquim Levy. Além disso, Bolsonaro atacou o STF, afirmou precisar do povo "mais do que do Parlamento” e voltou a defender a entrada do Brasil na Otan, mesmo sabendo que o tema é controverso dentro das Forças Armadas. Tais ações provocam faíscas em aliados de primeira hora.
Bolsonaro não age e não pensa como militar tradicional, apesar de alardear a ideia a todo momento. Abre diversas frentes simultâneas de atrito, ao invés de concentrar ataques em um ou dois alvos de cada vez, para consolidar terreno. Seu apelo exacerbado a um senso comum reacionário mais confunde que esclarece e, sem a menor cerimônia, às vezes recua da palavra empenhada quando se vê em apuros. Suas ações parecem ter a finalidade de levantar poeira e açular a belicosidade de sua base de apoio, para facilitar avanços pontuais.
Há método nesse caos? Para responder a essa questão, é preciso separar as coisas.
Bolsonaro não toca mais a pauta econômica principal, a reforma da Previdência. Esta é tarefa de Rodrigo Maia, no Congresso, que desidrata o projeto de Paulo Guedes para, possivelmente, completá-lo e aprová-lo mais adiante. E, embora tenha alojado Gustavo Montezano, pistoleiro financeiro no BNDES, com o objetivo de demolir o principal pilar do desenvolvimento brasileiro dos últimos 70 anos, a receptividade da alta finança não é boa. É mais um lúmpem incumbido de depredar patrimônio público.
Cumpre-se lembrar que a outra estaca do ultraliberalismo econômico foi fincada pelo STF, no último dia 7. Naquele dia, a Suprema Corte julgou legal a venda de subsidiárias de estatais pelos Conselhos de Administração das empresas, sem licitação ou exame de viabilidade. Abriu-se a porta para dissolver todo a lógica que possibilitou ao Brasil ser o único país da periferia capitalista a completar toda a cadeia produtiva – indústrias de bens leves, duráveis e de produção – até os anos 1980.
Esses são os movimentos principais da coalizão reacionária, que separam momentaneamente a direita tradicional – que pilota a agenda econômica – da extrema-direita fascista, que faz malabarismos na política. Usando-se de alguma licença poética, pode-se dizer, como Leon Trotsky, que são articulações desiguais e combinadas.
Há, além disso, duas vias de acúmulo de tensões na conjuntura. A primeira se dá de baixo para cima com as mobilizações populares de 15 M, 30 M e com a greve geral de 14 de junho. A segunda é perceptível nos atritos entre governo e partes de sua própria base (Congresso, Supremo, grandes bancos, setores do alto comando militar e empresariado ligado à produção). Mas não há ainda um ponto de ruptura visível por qualquer um desses dois flancos. Ou seja, o governo não cairá ou se inviabilizará no curto prazo.
As nomeações feitas por Bolsonaro no BNDES e na Secretaria de Governo indicam um endurecimento de sua coalizão, ao mesmo tempo em que se estreita sua base de apoio. Há – repetimos - descontentamentos sérios no mercado financeiro e no que resta do setor produtivo com a destruição do BNDES.
Jair Messias abandonou a tática empregada há duas ou três semanas, um recuo organizado para recomposição de forças e (re)conquista de aliados. Partiu para ofensiva – ou fuga para a frente - multifronte buscando força no próprio avanço, lastreado no bolsonarismo raiz. Movimentou-se publicamente – com apoio tácito do Jornal Nacional, carro chefe da desqualificação dos vazamentos do Intercept – para reafirmar quem dá as ordens em palácio. Enquadrou Hamilton Mourão, o assanhado vice, que voltou à discrição que o cargo exige. E convocou suas hordas de assalto virtuais para infestar as redes com artilharia pesada.
Qual a saída para esse quadro pra lá de complexo?
É difícil sustentar a ideia de que haverá “fechamento do regime” ou algo assim, a contraface da noção de que “Bolsonaro vai cair”, mencionada acima. O governo não conta com apoio popular suficiente – como a ditadura, em 1968 – para uma aventura autoritária. Nos tempos da decretação do AI-5, a economia começava a crescer, após dois anos de recessão. A situação atual é oposta. Há uma impopularidade crescente em progressão geométrica, que vai da decepção e da irritação e que já redunda em ação social organizada. Ao mesmo tempo, Bolsonaro atua com provocações contínuas para desorientar quem está pela frente.
Para todos os efeitos – e essa é uma arma poderosa para a oposição – a Constituição de 1988 segue em vigor.
Em síntese, dois fatores de contenção dos arreganhos autoritários estão em pé: as possíveis novas denúncias do Intercept e as mobilizações de rua. A ampliação dessas últimas depende fundamentalmente da percepção – que ainda não ocorre – de que a desgraça na vida cotidiana – falta de emprego, salário, saúde e comida na mesa – não será revertida por Bolsonaro. Ao contrário: sua ação corre para aprofundar o abismo social. A ação de massas organizada é decisiva para um desenlace positivo e democrático deste cenário.
A crise é muito séria. Mas a ação destrambelhada do capitão e de sua milícia opera aceleradamente para isolá-lo.
(Conversas com Artur Araújo, sem responsabilidade dele nas insuficiências do texto).
O presidente tem pelo menos quatro abacaxis de grosso calibre diante de si: a saraivada de denúncias do Intercept, o estreitamento político de seu governo, a 16ª. revisão para baixo da expectativa do PIB de 2019 e a entrada em cena do descontentamento popular ativo.
Em uma semana, Jair Messias demitiu três generais - Santos Cruz (Secretaria de Governo), Franklimberg Freitas (Funai) e Juarez de Paula Cunha (ECT) – e um banqueiro – Joaquim Levy. Além disso, Bolsonaro atacou o STF, afirmou precisar do povo "mais do que do Parlamento” e voltou a defender a entrada do Brasil na Otan, mesmo sabendo que o tema é controverso dentro das Forças Armadas. Tais ações provocam faíscas em aliados de primeira hora.
Bolsonaro não age e não pensa como militar tradicional, apesar de alardear a ideia a todo momento. Abre diversas frentes simultâneas de atrito, ao invés de concentrar ataques em um ou dois alvos de cada vez, para consolidar terreno. Seu apelo exacerbado a um senso comum reacionário mais confunde que esclarece e, sem a menor cerimônia, às vezes recua da palavra empenhada quando se vê em apuros. Suas ações parecem ter a finalidade de levantar poeira e açular a belicosidade de sua base de apoio, para facilitar avanços pontuais.
Há método nesse caos? Para responder a essa questão, é preciso separar as coisas.
Bolsonaro não toca mais a pauta econômica principal, a reforma da Previdência. Esta é tarefa de Rodrigo Maia, no Congresso, que desidrata o projeto de Paulo Guedes para, possivelmente, completá-lo e aprová-lo mais adiante. E, embora tenha alojado Gustavo Montezano, pistoleiro financeiro no BNDES, com o objetivo de demolir o principal pilar do desenvolvimento brasileiro dos últimos 70 anos, a receptividade da alta finança não é boa. É mais um lúmpem incumbido de depredar patrimônio público.
Cumpre-se lembrar que a outra estaca do ultraliberalismo econômico foi fincada pelo STF, no último dia 7. Naquele dia, a Suprema Corte julgou legal a venda de subsidiárias de estatais pelos Conselhos de Administração das empresas, sem licitação ou exame de viabilidade. Abriu-se a porta para dissolver todo a lógica que possibilitou ao Brasil ser o único país da periferia capitalista a completar toda a cadeia produtiva – indústrias de bens leves, duráveis e de produção – até os anos 1980.
Esses são os movimentos principais da coalizão reacionária, que separam momentaneamente a direita tradicional – que pilota a agenda econômica – da extrema-direita fascista, que faz malabarismos na política. Usando-se de alguma licença poética, pode-se dizer, como Leon Trotsky, que são articulações desiguais e combinadas.
Há, além disso, duas vias de acúmulo de tensões na conjuntura. A primeira se dá de baixo para cima com as mobilizações populares de 15 M, 30 M e com a greve geral de 14 de junho. A segunda é perceptível nos atritos entre governo e partes de sua própria base (Congresso, Supremo, grandes bancos, setores do alto comando militar e empresariado ligado à produção). Mas não há ainda um ponto de ruptura visível por qualquer um desses dois flancos. Ou seja, o governo não cairá ou se inviabilizará no curto prazo.
As nomeações feitas por Bolsonaro no BNDES e na Secretaria de Governo indicam um endurecimento de sua coalizão, ao mesmo tempo em que se estreita sua base de apoio. Há – repetimos - descontentamentos sérios no mercado financeiro e no que resta do setor produtivo com a destruição do BNDES.
Jair Messias abandonou a tática empregada há duas ou três semanas, um recuo organizado para recomposição de forças e (re)conquista de aliados. Partiu para ofensiva – ou fuga para a frente - multifronte buscando força no próprio avanço, lastreado no bolsonarismo raiz. Movimentou-se publicamente – com apoio tácito do Jornal Nacional, carro chefe da desqualificação dos vazamentos do Intercept – para reafirmar quem dá as ordens em palácio. Enquadrou Hamilton Mourão, o assanhado vice, que voltou à discrição que o cargo exige. E convocou suas hordas de assalto virtuais para infestar as redes com artilharia pesada.
Qual a saída para esse quadro pra lá de complexo?
É difícil sustentar a ideia de que haverá “fechamento do regime” ou algo assim, a contraface da noção de que “Bolsonaro vai cair”, mencionada acima. O governo não conta com apoio popular suficiente – como a ditadura, em 1968 – para uma aventura autoritária. Nos tempos da decretação do AI-5, a economia começava a crescer, após dois anos de recessão. A situação atual é oposta. Há uma impopularidade crescente em progressão geométrica, que vai da decepção e da irritação e que já redunda em ação social organizada. Ao mesmo tempo, Bolsonaro atua com provocações contínuas para desorientar quem está pela frente.
Para todos os efeitos – e essa é uma arma poderosa para a oposição – a Constituição de 1988 segue em vigor.
Em síntese, dois fatores de contenção dos arreganhos autoritários estão em pé: as possíveis novas denúncias do Intercept e as mobilizações de rua. A ampliação dessas últimas depende fundamentalmente da percepção – que ainda não ocorre – de que a desgraça na vida cotidiana – falta de emprego, salário, saúde e comida na mesa – não será revertida por Bolsonaro. Ao contrário: sua ação corre para aprofundar o abismo social. A ação de massas organizada é decisiva para um desenlace positivo e democrático deste cenário.
A crise é muito séria. Mas a ação destrambelhada do capitão e de sua milícia opera aceleradamente para isolá-lo.
(Conversas com Artur Araújo, sem responsabilidade dele nas insuficiências do texto).
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