Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Moro não foi juiz nos processos da Lava-Jato, foi assistente da acusação. Cobrou ações dos procuradores, indicou caminhos, sugeriu mudar a ordem de operações, antecipou sentenças e participou de conluio para evitar entrevista de Lula, com medo do crescimento da candidatura de Haddad. Chegou a confessar que é sonso, mentiroso e mau caráter, ao admitir, depois de pedir desculpas ao STF pelo vazamento da conversa entre Dilma e Lula, que faria tudo de novo.
Além de manter relações estreitas com um dos lados do processo, no caso os acusadores, num suicídio ritual da função de julgador imparcial, Moro se beneficiou pessoalmente de suas ações ilegais e antiéticas. Como paga pelos serviços prestados, ficou com o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública e com a promessa de ocupar uma das cadeiras da suprema corte. Isso todo mundo agora sabe, como se depreende das palavras transcritas de mensagens trocadas pelo ex-juiz com os integrantes da Lava-Jato de Curitiba.
O que nem todo mundo está se perguntando é por que essas informações foram publicadas pelo The Intercept Brasil, que tem entre seus fundadores o jornalista norte-americano Glenn Greenwald. Por que não na Folha ou na Globo? A pergunta é boa por vários motivos. Há razões jornalísticas, políticas, econômicas e morais para a escolha da página de internet. Em todos aqueles aspectos, a imprensa familiar tradicional se mostra suspeita e parece justificar a entrega dos documentos a quem de fato tem compromisso com a informação.
Em primeiro lugar, o caso mostra que a imprensa nativa, que gosta de se chamar de “profissional”, nunca foi confiável quando se tratava de informar o cidadão sobre a Lava-Jato. Além de firmar fileiras pelo golpe contra Dilma Rousseff, de funcionar como caixa de ressonância dos interesses do mercado e de exibir agenda partidária em torno de vários temas (Previdência, privatização e meio ambiente, entre outros), a imprensa corporativa sempre fez da operação curitibana uma aventura épica comandada por heróis impolutos. Que agora estão com as capas em farrapos.
Em segundo lugar, é curioso que a mesma imprensa comercial se ocupe hoje em repercutir as reportagens do The Intercept, com uma retórica ambivalente e de má fé. De um lado, evita fazer seu trabalho (carregando o furo nas costas), interpretando os dados revelados e buscando fontes autorizadas para esclarecer seu público, se conformando ao papel de reproduzir as reportagens, tentando com isso se eximir de compromissos. Mesmo quando se trata de consequências legais que precisam ser explicadas ao leitor. Algo como: “quem diz que isso afronta a Constituição é o Intercept, estou apenas reproduzindo”.
Por outro lado, as informações reveladas pela fonte das denúncias são tratadas como vazamentos ilegais, invertendo o sentido do interesse público em nome da defesa da privacidade, questionável, de atos ilícitos de agentes públicos. A pergunta é inevitável: com essas informações em mãos, que veículo sério de imprensa no mundo optaria por não publicar em razão da defesa de intimidade dos personagens ou da forma como os dados foram obtidos, desde que comprovadamente autênticos e sem interferência da empresa?
Em quarto lugar, é bastante evidente que a credibilidade do The Intercept em termos mundiais, chancelada por prêmios de prestígio e seriedade no tratamento de dados entregues por fontes anônimas. Em poucos minutos depois de publicados, ancorados por reportagens equilibradas e bem fundamentadas, o escândalo ganhou dimensão internacional. Poderíamos esperar o mesmo em caso de publicação em jornais, páginas de internet e mídia eletrônica que se comportaram como atores atuantes e defensores de interesses particulares na economia e na política do país?
Em quinto, o trabalho conduzido pelo editor Glenn Greenwald tem mostrado uma qualidade editorial inquestionável, sem perder a dimensão estratégica na forma como vem sendo levado ao público. O jornalista norte-americano marcou pontos ao ganhar a confirmação de veracidade por parte dos próprios donos das vozes reveladas, que primeiro acusaram o método considerado criminoso de obtenção dos dados, como quem aprova o conteúdo. Agora, não dá mais para Moro e Dallangnol duvidarem da veracidade dos diálogos, mas apenas manter o choro sobre o leite derramado de suas boas intenções.
Em seguida, o editor deixou clara a responsabilidade ao divulgar apenas informações socialmente relevantes, ao contrário do que o próprio Moro fez em várias fases dos processos que conduziu, como fez com familiares de Lula, por exemplo. Um gesto profissional do jornalista que revela elegância e sagacidade. Neste mesmo aspecto, deixou também consagrado que há muito mais material a ser trabalhado pelos jornalistas e revelado ao cidadão, o que cria uma atmosfera de “escusável medo” por parte dos protagonistas da lambança.
Em sexto lugar, o The Intercept Brasil reafirma que a fonte não será revelada, conforme garante a Constituição Federal, sem temer as retaliações que já se ensaiam. Curiosamente, até mesmo de outros órgãos de imprensa, que deixaram de lado a gravidade das denúncias para se aliar ao senso de perseguição de maus procuradores e de um juiz indigno do cargo. Trata-se de uma situação quase rara no jornalismo brasileiro, sempre alimentado por vazamentos de autoridades que criaram uma safra de repórteres aduladores de uma fonte só.
Em sétimo lugar, é preciso defender o trabalho do The Intercept Brasil, em seu profissionalismo e responsabilidade pública, e garantir a segurança de seus jornalistas e familiares. As ameaças de violência e os pedidos de expulsão do jornalista já começaram. De um lado por covardes que representam o caldo miliciano de certeza de impunidade, de outro por parlamentares que assacam de homofobia, preconceito e incapacidade de conviver com a liberdade de informação.
Em oitavo lugar, a proeminência que o veículo ganha com seu trabalho mostra uma mudança radical nos padrões de circulação de informação no Brasil. Quem achava que o domínio dos veículos hegemônicos era incontornável, agora tem um exemplo da nova realidade informativa nacional e mundial, que circula digitalmente. Não se trata de circulação de mensagens emotivas, memes ou discursos de ódio intrabolhas, mas de jornalismo de alta qualidade, que coloca a mídia empresarial correndo atrás para dar conta das demandas do público.
Em nono lugar, numa prova de independência do editor, pode-se recorrer à história e constatar que Glenn Greenwald já elogiou o trabalho dos procuradores da Lava-Jato, mesmo com a ressalva dos excessos, inclusive fora do país. Além disso, nas rodadas das recentes entrevistas com o Lula em Curitiba, foi o repórter que melhor arguiu o ex-presidente, com perguntas relevantes e firmeza na condução do encontro a partir de valores jornalísticos.
Finalmente, para não alongar demais a surra jornalística dada pelo The Intercept Brasil em seus concorrentes corporativos, é bom lembrar que, de acordo com os próprios editores, apenas 1% do material foi revelado. O que talvez explique o medo patente da Globo em sua cobertura canhestra e repetitiva. Foi a mesma matéria, em diferentes noticiários, como se as palavras fossem medidas à régua pela direção da empresa e ganhassem o ar com jeito de editoriais. Globo e Globonews pareciam, nos últimos dias, fugir da notícia.
O mesmo se observou em relação às manchetes capengas dos jornais do dia seguinte à publicação do The Intercept, que foram seguidas do movimento lento de mudança de ventos. Uma sensação de fuga dos ratos em meio ao naufrágio inevitável. Em editoriais e artigos de entusiastas de carteirinha da Lava-Jato, Moro vai sendo rifado em meio ao silêncio de seu patrão. Convocados a defender o ministro, que já pode colocar na chuva o cavalinho da cadeira do STF, os filhos do presidente fizeram o esperado: agravaram a situação com a ignorância de sempre.
Certamente nas conversas de integrantes da força-tarefa com o ex-juiz não deve ter escapado a presença de personagens ligados à mídia, aos políticos, empresários e ao próprio Judiciário, em todas as suas instâncias. Os próximos lances não devem tardar e ampliar ainda mais o universo de engodos, vaidades doentias, ativismo judicial e fratura do Estado de Direito. A imprensa, pelo visto vai estar presente nos dois lados dessa história.
Além de manter relações estreitas com um dos lados do processo, no caso os acusadores, num suicídio ritual da função de julgador imparcial, Moro se beneficiou pessoalmente de suas ações ilegais e antiéticas. Como paga pelos serviços prestados, ficou com o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública e com a promessa de ocupar uma das cadeiras da suprema corte. Isso todo mundo agora sabe, como se depreende das palavras transcritas de mensagens trocadas pelo ex-juiz com os integrantes da Lava-Jato de Curitiba.
O que nem todo mundo está se perguntando é por que essas informações foram publicadas pelo The Intercept Brasil, que tem entre seus fundadores o jornalista norte-americano Glenn Greenwald. Por que não na Folha ou na Globo? A pergunta é boa por vários motivos. Há razões jornalísticas, políticas, econômicas e morais para a escolha da página de internet. Em todos aqueles aspectos, a imprensa familiar tradicional se mostra suspeita e parece justificar a entrega dos documentos a quem de fato tem compromisso com a informação.
Em primeiro lugar, o caso mostra que a imprensa nativa, que gosta de se chamar de “profissional”, nunca foi confiável quando se tratava de informar o cidadão sobre a Lava-Jato. Além de firmar fileiras pelo golpe contra Dilma Rousseff, de funcionar como caixa de ressonância dos interesses do mercado e de exibir agenda partidária em torno de vários temas (Previdência, privatização e meio ambiente, entre outros), a imprensa corporativa sempre fez da operação curitibana uma aventura épica comandada por heróis impolutos. Que agora estão com as capas em farrapos.
Em segundo lugar, é curioso que a mesma imprensa comercial se ocupe hoje em repercutir as reportagens do The Intercept, com uma retórica ambivalente e de má fé. De um lado, evita fazer seu trabalho (carregando o furo nas costas), interpretando os dados revelados e buscando fontes autorizadas para esclarecer seu público, se conformando ao papel de reproduzir as reportagens, tentando com isso se eximir de compromissos. Mesmo quando se trata de consequências legais que precisam ser explicadas ao leitor. Algo como: “quem diz que isso afronta a Constituição é o Intercept, estou apenas reproduzindo”.
Por outro lado, as informações reveladas pela fonte das denúncias são tratadas como vazamentos ilegais, invertendo o sentido do interesse público em nome da defesa da privacidade, questionável, de atos ilícitos de agentes públicos. A pergunta é inevitável: com essas informações em mãos, que veículo sério de imprensa no mundo optaria por não publicar em razão da defesa de intimidade dos personagens ou da forma como os dados foram obtidos, desde que comprovadamente autênticos e sem interferência da empresa?
Em quarto lugar, é bastante evidente que a credibilidade do The Intercept em termos mundiais, chancelada por prêmios de prestígio e seriedade no tratamento de dados entregues por fontes anônimas. Em poucos minutos depois de publicados, ancorados por reportagens equilibradas e bem fundamentadas, o escândalo ganhou dimensão internacional. Poderíamos esperar o mesmo em caso de publicação em jornais, páginas de internet e mídia eletrônica que se comportaram como atores atuantes e defensores de interesses particulares na economia e na política do país?
Em quinto, o trabalho conduzido pelo editor Glenn Greenwald tem mostrado uma qualidade editorial inquestionável, sem perder a dimensão estratégica na forma como vem sendo levado ao público. O jornalista norte-americano marcou pontos ao ganhar a confirmação de veracidade por parte dos próprios donos das vozes reveladas, que primeiro acusaram o método considerado criminoso de obtenção dos dados, como quem aprova o conteúdo. Agora, não dá mais para Moro e Dallangnol duvidarem da veracidade dos diálogos, mas apenas manter o choro sobre o leite derramado de suas boas intenções.
Em seguida, o editor deixou clara a responsabilidade ao divulgar apenas informações socialmente relevantes, ao contrário do que o próprio Moro fez em várias fases dos processos que conduziu, como fez com familiares de Lula, por exemplo. Um gesto profissional do jornalista que revela elegância e sagacidade. Neste mesmo aspecto, deixou também consagrado que há muito mais material a ser trabalhado pelos jornalistas e revelado ao cidadão, o que cria uma atmosfera de “escusável medo” por parte dos protagonistas da lambança.
Em sexto lugar, o The Intercept Brasil reafirma que a fonte não será revelada, conforme garante a Constituição Federal, sem temer as retaliações que já se ensaiam. Curiosamente, até mesmo de outros órgãos de imprensa, que deixaram de lado a gravidade das denúncias para se aliar ao senso de perseguição de maus procuradores e de um juiz indigno do cargo. Trata-se de uma situação quase rara no jornalismo brasileiro, sempre alimentado por vazamentos de autoridades que criaram uma safra de repórteres aduladores de uma fonte só.
Em sétimo lugar, é preciso defender o trabalho do The Intercept Brasil, em seu profissionalismo e responsabilidade pública, e garantir a segurança de seus jornalistas e familiares. As ameaças de violência e os pedidos de expulsão do jornalista já começaram. De um lado por covardes que representam o caldo miliciano de certeza de impunidade, de outro por parlamentares que assacam de homofobia, preconceito e incapacidade de conviver com a liberdade de informação.
Em oitavo lugar, a proeminência que o veículo ganha com seu trabalho mostra uma mudança radical nos padrões de circulação de informação no Brasil. Quem achava que o domínio dos veículos hegemônicos era incontornável, agora tem um exemplo da nova realidade informativa nacional e mundial, que circula digitalmente. Não se trata de circulação de mensagens emotivas, memes ou discursos de ódio intrabolhas, mas de jornalismo de alta qualidade, que coloca a mídia empresarial correndo atrás para dar conta das demandas do público.
Em nono lugar, numa prova de independência do editor, pode-se recorrer à história e constatar que Glenn Greenwald já elogiou o trabalho dos procuradores da Lava-Jato, mesmo com a ressalva dos excessos, inclusive fora do país. Além disso, nas rodadas das recentes entrevistas com o Lula em Curitiba, foi o repórter que melhor arguiu o ex-presidente, com perguntas relevantes e firmeza na condução do encontro a partir de valores jornalísticos.
Finalmente, para não alongar demais a surra jornalística dada pelo The Intercept Brasil em seus concorrentes corporativos, é bom lembrar que, de acordo com os próprios editores, apenas 1% do material foi revelado. O que talvez explique o medo patente da Globo em sua cobertura canhestra e repetitiva. Foi a mesma matéria, em diferentes noticiários, como se as palavras fossem medidas à régua pela direção da empresa e ganhassem o ar com jeito de editoriais. Globo e Globonews pareciam, nos últimos dias, fugir da notícia.
O mesmo se observou em relação às manchetes capengas dos jornais do dia seguinte à publicação do The Intercept, que foram seguidas do movimento lento de mudança de ventos. Uma sensação de fuga dos ratos em meio ao naufrágio inevitável. Em editoriais e artigos de entusiastas de carteirinha da Lava-Jato, Moro vai sendo rifado em meio ao silêncio de seu patrão. Convocados a defender o ministro, que já pode colocar na chuva o cavalinho da cadeira do STF, os filhos do presidente fizeram o esperado: agravaram a situação com a ignorância de sempre.
Certamente nas conversas de integrantes da força-tarefa com o ex-juiz não deve ter escapado a presença de personagens ligados à mídia, aos políticos, empresários e ao próprio Judiciário, em todas as suas instâncias. Os próximos lances não devem tardar e ampliar ainda mais o universo de engodos, vaidades doentias, ativismo judicial e fratura do Estado de Direito. A imprensa, pelo visto vai estar presente nos dois lados dessa história.
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