A concepção sobre se há ou não uma crise terminal da democracia liberal, tal qual nós a conhecemos a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, é o que deveria guiar, a meu juízo, a formulação de uma estratégia dos partidos democráticos que se opõem ao liberal-rentismo, à destruição da soberania nacional e do Estado Social, como estamos vendo hoje em escala global e – sem dúvida – de forma bem radical aqui no Brasil.
A espera das próximas eleições não parece levar em consideração que é necessário modelar agora, alianças e programas capazes de conversar com as novas “bases” populares, ora seduzidas pelas religiões do dinheiro, ora encantadas com a falsa autonomia da “uberização” da economia, que não só gera novas subjetividades no mundo do trabalho, mas que é também capaz de ensejar que os trabalhadores passem a se auto-inculpar pela sua vida miserável de quatorze horas diárias de trabalho, sem segurança e sem garantias mínimas de sobrevivência.
Manuel Castells diz que sim, no seu “Ruptura” (Zahar, 2019), ela, a democracia liberal, está no fim. Macron, na França, diz que os remédios liberais tradicionais para o capitalismo – dentro da democracia – fracassaram; Tsipras lamenta o fim da sua experiência social-democrata no regime parlamentar grego e Pedro Sanches não consegue formar um governo estável, para bloquear a devastação conservadora liberal da Espanha. Portugal sobrevive e FHC não sabe mais o que dizer sobre seu aliado malvado (Bolsonaro), aqui no Brasil: os partidos tradicionais da esquerda e da centro-esquerda - aqui e lá - com raras exceções, esperam as próximas eleições sem formular alternativas que não sejam “um pouco mais ou um pouco menos” de liberalismo rentista.
O processo de formação de opinião na sociedade industrial clássica de caráter liberal-democrático, que tinha posição de vanguarda nas democracias ocidentais no século XX, dava-se a partir do rádio e das mobilizações de rua. No rádio e na rua as opiniões se formavam pela contraposição direta do movimento das classes sociais, no qual os opostos eram transparentes e identificáveis, responsáveis pelas suas opiniões perante o eleitorado, quando a este era dado o direito de se manifestar livremente, nas urnas eleitorais.
Não raro estes processos se interrompiam abruptamente, por golpes ou tentativas de insurgência, assumidas também de maneira clara pelos sujeitos políticos, que já eram conhecidos na sua visibilidade política e social consolidada. Estes processos não eram nem melhores nem piores do que os atuais, mas é certo que os processos atuais - para a formação da opinião - tornaram-se mais controláveis pelos ricos e que os os processos de formação da opinião anteriores, possibilitavam clandestinidades “analógicas”, mais rudes e informais, logo mais acessíveis aos menos endinheirados. O atuais processos de formação da opinião -sem dúvida- impelidos por clandestinidades tecnológicas mais custosas, tornam-se certamente mais controláveis pelos ricos, o que lhe permite escapar-de qualquer punição, pelas frestas não reguladas na “lei e na ordem” democrática vigentes.
Nas sociedades liberal-democráticas atuais, então, o processo de formação de opinião é promovido por sujeitos ocultos – escondidos nas redes infinitas da virtualidade – nos “think-tanks” dos grupos financeiros e dos serviços de inteligência dos países ricos. Ele prolifera nas redações dos oligopólios midiáticos, que temperam as notícias a seu gosto e “pausterizam” o fascismo quando lhes é conveniente. Ele – o processo de formação da opinião – também degrada-se na horizontalidade dos recalques intercambiados em rede, com virulência, na intransparência dos sujeitos pela qual é assaltada a razão, a honra e a dignidade das pessoas, de forma cada vez mais odiosa e sem perspectivas de retomada de uma comunhão humana autêntica.
Sobreviverá a democracia liberal, sem que haja uma profunda mudança no seu arcabouço jurídico institucional? Parece-me que não, pois as formas do liberalismo democrático das sociedade de classes tradicionais, forjadas na sua essência há mais de 200 anos, já são incompatíveis com a substância democrática e social que as grandes revoluções sociais promoveram a partir de 1789. Mas a solução é mais democracia, não menos democracia, como querem os fascistas em todos os momentos de crise.
Esta talvez seja a única verdade capaz de nos unir, para alavancar uma resistência ofensiva em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho, numa sociedade que se degrada e desmorona a olhos vistos, nos dias que já se aceleraram muito mais como tragédia e dor, do que como redenção da utopias.
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