Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Diversos analistas de nossa vida política chegaram a acreditar que o destino de Jair Bolsonaro seria escrito pelo amigo Queiroz.
O enredo imaginário seria assim. Apanhado com uma mão nos recursos trazidos pela turma das milícias e a outra na assinatura de um cheque destinado à primeira dama Michelle, o amigo Queiroz estava predestinado a cumprir uma missão histórica: explodir um esquema com ramificações capazes de ligar o submundo das milícias que mataram Marielle Franco ao Planalto de Bolsonaro, forçando um impeachment inevitável.
Simples ilusão de ótica, é preciso reconhecer.
Num sistema de justiça capaz de alimentar um golpe de Estado sem crime de responsabilidade, em 2016 e, dois anos depois, impedir a candidatura Lula condenado por "ato de ofício indeterminado", o melhor diagnóstico sobre a atuação de nosso judiciário nas encruzilhadas do Direito e da Política pode ser resumido numa definição clássica do teatrólogo alemão Bertoldt Brecht: "Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue convencê-los a fazer Justiça".
Naquela que constitui a mais recente versão brasileira da frase de Brecht, negou-se a Lula um direito que se assegurou a Flávio Bolsonaro, em dois casos que envolviam garantias individuais previstas num mesmo artigo da Constituição.
Em abril de 2018, ao rejeitar um habeas corpus que teria permitido a presença de Lula na campanha presidencial, o STF ignorou o "transito em julgado", princípio constitucional previsto no inciso LVII do artigo 5o, que impede o cumprimento de uma sentença penal antes do esgotamento de todos os recursos.
Em julho de 2019, ao suspender as investigações sobre Flávio Bolsonaro, o presidente do STF, Dias Toffoli, tomou como base uma garantia constitucional, prevista em outro capítulo do mesmo artigo 5o, que protege o sigilo bancário, impedindo que informações confidenciais do COAF possam ser usadas contra um réu sem expressa autorização judicial.
Não há dúvida que, nos dois casos, falava-se de garantias constitucionais incontestáveis. Para Lula, valeu a exceção. Para Flavio Bolsonaro, a regra.
A quantidade imensa de investigações que serão paralisadas e mesmo anuladas a partir daí apenas ilustra o preço que se está disposto a pagar num país onde "o estado é usado como propriedade do grupo social que o controla", para usar as palavras da professora Maria Sylvia de Carvalho Franco, em Homens Livres na Ordem Escravocrata. "O aparelho governamental nada mais é do que parte do sistema de poder desse grupo, um elemento para o qual se volta e utiliza sempre que as circunstâncias o indiquem como meio adequado".
Graças à troca de mensagens divulgada pelo Intercept Brasil, é possível saber que o tratamento seletivo da Lava Jato para situações semelhantes e mesmo idênticas, estava longe de ser uma preocupação única de quem se encontrava do lado prejudicado.
Conversando sobre citações de 2016 que envolviam Fernando Henrique Cardoso, Deltan Dallagnol chegou a comentar com Sérgio Moro que a divulgação do caso poderia passar "recado de imparcialidade", sugerindo que poderia ser útil para a imagem da Lava Jato. Mas o argumento não convenceu Sérgio Moro: "acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante".
O ambiente se torna ainda mais complicado após a campanha presidencial, quando as aproximações entre Sérgio Moro e Bolsonaro se tornaram uma moeda de troca importante na nova situação política.
Num diálogo com outros procuradores, Dallagnol não manifesta a menor dúvida sobre a culpa de Flávio Bolsonaro. Num momento em que a nomeação de Moro para uma vaga no Supremo parecia mais urgente do que a oferta para ocupar o Ministério da Justiça, o chefe da força-tarefa deixa claro seu receio sobre o comportamento do ainda juiz na nova situação.
“É óbvio o q aconteceu… E agora, José? Seja como for, o presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no Supremo? Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anti corrupcão se o filho dele vai sentir a pauta na pele?”, indaga Dallagnol a outros procuradores, apontando para o traço principal das relações entre Justiça e Política do novo período - a promiscuidade entre a Lava Jato e o governo Bolsonaro.
Alguma dúvida?
O enredo imaginário seria assim. Apanhado com uma mão nos recursos trazidos pela turma das milícias e a outra na assinatura de um cheque destinado à primeira dama Michelle, o amigo Queiroz estava predestinado a cumprir uma missão histórica: explodir um esquema com ramificações capazes de ligar o submundo das milícias que mataram Marielle Franco ao Planalto de Bolsonaro, forçando um impeachment inevitável.
Simples ilusão de ótica, é preciso reconhecer.
Num sistema de justiça capaz de alimentar um golpe de Estado sem crime de responsabilidade, em 2016 e, dois anos depois, impedir a candidatura Lula condenado por "ato de ofício indeterminado", o melhor diagnóstico sobre a atuação de nosso judiciário nas encruzilhadas do Direito e da Política pode ser resumido numa definição clássica do teatrólogo alemão Bertoldt Brecht: "Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue convencê-los a fazer Justiça".
Naquela que constitui a mais recente versão brasileira da frase de Brecht, negou-se a Lula um direito que se assegurou a Flávio Bolsonaro, em dois casos que envolviam garantias individuais previstas num mesmo artigo da Constituição.
Em abril de 2018, ao rejeitar um habeas corpus que teria permitido a presença de Lula na campanha presidencial, o STF ignorou o "transito em julgado", princípio constitucional previsto no inciso LVII do artigo 5o, que impede o cumprimento de uma sentença penal antes do esgotamento de todos os recursos.
Em julho de 2019, ao suspender as investigações sobre Flávio Bolsonaro, o presidente do STF, Dias Toffoli, tomou como base uma garantia constitucional, prevista em outro capítulo do mesmo artigo 5o, que protege o sigilo bancário, impedindo que informações confidenciais do COAF possam ser usadas contra um réu sem expressa autorização judicial.
Não há dúvida que, nos dois casos, falava-se de garantias constitucionais incontestáveis. Para Lula, valeu a exceção. Para Flavio Bolsonaro, a regra.
A quantidade imensa de investigações que serão paralisadas e mesmo anuladas a partir daí apenas ilustra o preço que se está disposto a pagar num país onde "o estado é usado como propriedade do grupo social que o controla", para usar as palavras da professora Maria Sylvia de Carvalho Franco, em Homens Livres na Ordem Escravocrata. "O aparelho governamental nada mais é do que parte do sistema de poder desse grupo, um elemento para o qual se volta e utiliza sempre que as circunstâncias o indiquem como meio adequado".
Graças à troca de mensagens divulgada pelo Intercept Brasil, é possível saber que o tratamento seletivo da Lava Jato para situações semelhantes e mesmo idênticas, estava longe de ser uma preocupação única de quem se encontrava do lado prejudicado.
Conversando sobre citações de 2016 que envolviam Fernando Henrique Cardoso, Deltan Dallagnol chegou a comentar com Sérgio Moro que a divulgação do caso poderia passar "recado de imparcialidade", sugerindo que poderia ser útil para a imagem da Lava Jato. Mas o argumento não convenceu Sérgio Moro: "acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante".
O ambiente se torna ainda mais complicado após a campanha presidencial, quando as aproximações entre Sérgio Moro e Bolsonaro se tornaram uma moeda de troca importante na nova situação política.
Num diálogo com outros procuradores, Dallagnol não manifesta a menor dúvida sobre a culpa de Flávio Bolsonaro. Num momento em que a nomeação de Moro para uma vaga no Supremo parecia mais urgente do que a oferta para ocupar o Ministério da Justiça, o chefe da força-tarefa deixa claro seu receio sobre o comportamento do ainda juiz na nova situação.
“É óbvio o q aconteceu… E agora, José? Seja como for, o presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no Supremo? Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anti corrupcão se o filho dele vai sentir a pauta na pele?”, indaga Dallagnol a outros procuradores, apontando para o traço principal das relações entre Justiça e Política do novo período - a promiscuidade entre a Lava Jato e o governo Bolsonaro.
Alguma dúvida?
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