sexta-feira, 5 de julho de 2019

Sugestões para uma estratégia de luta

Por Wladimir Pomar, no site Correio da Cidadania:

Al­guns se­tores da bur­guesia co­meçam a con­si­derar que as tra­pa­lhadas do go­verno, contra as esquerdas e contra si pró­prio, agra­vadas por seu cons­tante em­penho em cri­mi­na­lizar a po­lí­tica e os po­lí­ticos, já teria ido longe de­mais.

Tais tra­pa­lhadas te­riam efeitos an­tagô­nicos em re­lação a suas pre­ten­sões po­lí­ticas, le­vando à perda total do foco sobre os pro­blemas a serem re­al­mente re­sol­vidos, a exemplo da queda de quase 7% no PIB per ca­pita, da ex­pansão trá­gica do de­sem­prego (que tende a su­perar os 13 mi­lhões), e do endivida­mento do setor pú­blico (que está perto de 70% do PIB).

Bol­so­naro pa­rece con­ven­cido que tal si­tu­ação só será re­sol­vida com a aber­tura das “caixas pretas” exis­tentes nos bancos pú­blicos, como o BNDES, o BB e a CEF, assim como nas de­mais em­presas esta­tais e nas apo­sen­ta­do­rias. Mas os se­tores bur­gueses mais atentos à re­a­li­dade su­gerem que os problemas acima só podem ser re­sol­vidos com me­didas efe­tivas para a volta do cres­ci­mento.

Ou seja, com a ele­vação do PIB. E que tal ele­vação de­pende do re­torno de in­ves­ti­mentos na­ci­o­nais e ex­ternos na pro­dução in­dus­trial e em pro­jetos de in­fra­es­tru­tura, in­ves­ti­mentos su­bor­di­nados a um pro­jeto na­ci­onal de de­sen­vol­vi­mento e de in­te­gração de suas ca­deias pro­du­tivas, tendo em vista os mer­cados in­ter­na­ci­o­nais, re­gi­o­nais e na­ci­onal, am­pli­ando as ex­por­ta­ções com pro­dutos tec­no­lo­gi­ca­mente avan­çados. Ou seja, em tese tais se­tores estão en­xer­gando a re­a­li­dade do pro­blema en­fren­tado pelo país.

Por outro lado, con­tra­di­to­ri­a­mente, esses mesmos se­tores bur­gueses acre­ditam que os pro­gramas de pri­va­ti­zação das es­ta­tais e de des­monte do sis­tema pre­vi­den­ciário podem fun­ci­onar como atra­tivos para in­ves­ti­mentos in­ternos e ex­ternos. E tra­ba­lham afa­no­sa­mente pela apro­vação da re­forma bol­so­na­rista da pre­vi­dência. Se­quer se in­surgem contra a venda de re­fi­na­rias es­ta­tais, que su­bor­di­narão o país ainda mais aos preços dos com­bus­tí­veis no mer­cado in­ter­na­ci­onal. Ou contra os in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros no mer­cado de di­nheiro fic­tício, que na prá­tica fun­ci­onam como bombas de sucção de grande parte da renda na­ci­onal, tanto es­tatal quanto pri­vada.

Além disso, tais se­tores da bur­guesia têm pouco senso crí­tico sobre as ex­pe­ri­ên­cias do plano de metas de JK nos anos 1950 e do mi­lagre econô­mico da di­ta­dura mi­litar, nos anos 1960 e 1970. Também não se dão conta de que, com a re­es­tru­tu­ração do ca­pi­ta­lismo he­gemô­nico, a partir dos anos 1960-70, as em­presas trans­na­ci­o­nais pas­saram a in­vestir em países da pe­ri­feria com mão de obra mais ba­rata, lo­gís­tica de baixo custo e amplo mer­cado de con­sumo, para lhes ga­rantir lu­cros mé­dios mais ele­vados.

Isso ex­plica a re­forma ca­pi­ta­lista da agri­cul­tura bra­si­leira dos anos 1960 e 1970, que criou um amplo mer­cado de mão de obra ba­rata para fa­ci­litar os in­ves­ti­mentos das cor­po­ra­ções es­tran­geiras. Por outro lado, a su­bor­di­nação do Es­tado bra­si­leiro, co­man­dado pela di­ta­dura mi­litar, aos in­te­resses desse oli­go­pólio in­dus­trial au­to­mo­bi­lís­tico, o levou a li­quidar os sis­temas de trans­porte fer­ro­viário e ma­rí­timo então exis­tentes e a cons­truir uma lo­gís­tica au­to­mo­bi­lís­tica de alto custo.

Tudo isso, aliado à con­cen­tração da renda no 1% da po­pu­lação, man­teve es­treito o mer­cado de con­sumo, um dos pos­sí­veis atra­tivos para in­ves­ti­mentos na pro­dução in­dus­trial. O que foi agra­vado à me­dida que o ca­pital fi­nan­ceiro he­ge­mo­ni­zava o sis­tema econô­mico e po­lí­tico das grandes po­tên­cias. A livre per­missão bra­si­leira para in­ves­ti­mentos es­tran­geiros no sis­tema es­pe­cu­la­tivo re­duziu ainda mais os in­ves­ti­mentos in­dus­triais e a for­mação do PIB.

Na prá­tica, o país in­gressou num pro­cesso de con­tínua de­sin­dus­tri­a­li­zação, que levou o agro­ne­gócio a se con­si­derar a ver­da­deira e única in­dús­tria bra­si­leira. Por­tanto, te­o­ri­ca­mente, estão certos os se­tores bur­gueses que su­põem que os pro­blemas da so­ci­e­dade bra­si­leira só podem ser re­sol­vidos com a volta do cres­ci­mento (ele­vação do PIB).

O que de­pende, fun­da­men­tal­mente, de in­ves­ti­mentos na­ci­o­nais e ex­ternos na pro­dução in­dus­trial e em pro­gramas de in­fra­es­tru­tura. Tudo isso su­bor­di­nado a um pro­jeto na­ci­onal de de­sen­vol­vi­mento e de in­te­gração das ca­deias pro­du­tivas, tendo em vista a dis­puta dos mer­cados in­ter­na­ci­o­nais com pro­dutos tec­no­lo­gi­ca­mente avan­çados.

Na prá­tica, porém, para que os in­ves­ti­mentos na pro­dução in­dus­trial e na in­fra­es­tru­tura se con­cre­tizem e te­nham um poder efe­tivo no pro­jeto de de­sen­vol­vi­mento econô­mico, so­cial e po­lí­tico bra­si­leiro, ao con­trário do que eles pensam, é in­dis­pen­sável a exis­tência de um mer­cado in­terno isento de mo­no­pó­lios e oli­go­pó­lios, com um forte con­trole sobre a es­pe­cu­lação fi­nan­ceira, e com pro­dutos de custos pas­sí­veis de serem con­su­midos por grandes par­celas da po­pu­lação.

Ou seja, é in­dis­pen­sável que o Brasil tenha um mer­cado con­cor­ren­cial em que o sis­tema ban­cário seja capaz de fi­nan­ciar os in­ves­ti­mentos a baixo custo e im­peça os oli­go­pó­lios ban­cá­rios pri­vados de su­per­fa­tu­rarem preços e lu­cros. E em que as em­presas dos di­fe­rentes se­tores pro­du­tivos se vejam, cons­tan­te­mente, em­pur­radas a re­a­lizar ino­va­ções tec­no­ló­gicas que re­baixem custos e preços e par­ti­cipem ati­va­mente na am­pli­ação do mer­cado de con­sumo.

A ironia da his­tória con­siste em que os se­tores bur­gueses que plei­teiam o cres­ci­mento do PIB para re­solver os pro­blemas do país pa­recem des­co­nhecer que a eco­nomia bra­si­leira, como um todo, é oli­go­po­li­zada por um con­sórcio de grandes em­presas es­tran­geiras com al­gumas poucas em­presas bra­si­leiras. Em tais con­di­ções, um amplo cres­ci­mento do PIB só será pos­sível com a dis­se­mi­nação de em­presas es­ta­tais e pri­vadas pelos mais di­versos se­tores da eco­nomia, de forma a des­travar e des­ba­ratar o sis­tema oli­go­po­lista.

Os bancos pú­blicos, por exemplo, pre­cisam ser ori­en­tados para con­correr ati­va­mente com os bancos pri­vados, de forma a atender a todos os se­tores econô­micos, im­pondo a con­cor­rência ao setor e in­ten­si­fi­cando o re­bai­xa­mento dos custos e a ele­vação dos pa­drões téc­nicos. E o mesmo deve ocorrer com os di­fe­rentes se­tores in­dus­triais, co­mer­ciais e de ser­viços.

Do ponto de vista es­tra­té­gico também é re­co­men­dável que o Es­tado man­tenha o mo­no­pólio de se­tores muito sen­sí­veis, a exemplo do pe­tro­lí­fero, mas é in­dis­pen­sável que mais de uma pe­tro­lí­fera es­tatal atue no mer­cado para im­pedir a bu­ro­cra­ti­zação, as ações de cor­rupção e o es­cle­ro­sa­mento desse mo­no­pólio.

Além disso, para que o pro­cesso de ele­vação dos pa­drões téc­nicos se ma­te­ri­a­lize também será ne­ces­sário que os in­ves­ti­mentos ex­ternos obe­deçam a exi­gên­cias de as­so­ci­ação com em­presas na­ci­o­nais e de trans­fe­rência de altas tec­no­lo­gias. Atu­al­mente, no caso do Brasil, o re­bai­xa­mento de custos e preços, assim como a am­pli­ação da oferta de pro­dutos tec­no­lo­gi­ca­mente avan­çados, ainda de­pende da trans­fe­rência de tec­no­lo­gias já exis­tentes, tor­nando-a uma das con­di­ções para o pla­ne­ja­mento e a exe­cução do de­sen­vol­vi­mento ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico fu­turo.

Apesar de tudo isso, os se­tores bur­gueses te­o­ri­ca­mente pre­o­cu­pados com os pro­jetos de cres­ci­mento apoiam os pro­gramas de venda de es­ta­tais. Ou seja, não en­xergam as con­tra­di­ções desse des­monte em­pre­sa­rial com as pre­ten­sões de elevar o pro­duto in­terno bruto e in­te­grar as ca­deias pro­du­tivas na pro­dução de mer­ca­do­rias tec­no­lo­gi­ca­mente avan­çadas. E não su­põem qual­quer exi­gência de trans­fe­rên­cias tec­no­ló­gicas as­so­ci­adas aos in­ves­ti­mentos es­tran­geiros.

De qual­quer modo, um pro­grama de luta que en­globe as ban­deiras de cres­ci­mento econô­mico como con­dição bá­sica para su­perar os atuais pro­blemas bra­si­leiros pode, além de in­cor­porar grande parte dos pe­quenos pro­pri­e­tá­rios pri­vados, atrair par­celas da média bur­guesia, prin­ci­pal­mente se de­mons­trar ca­pa­ci­dade de mo­bi­lizar massas de mi­lhões e es­tiver com­pro­me­tido com um de­sen­vol­vi­mento econô­mico e so­cial que gere em­pregos e crie um mer­cado de con­sumo amplo e di­nâ­mico.

O que vai de­mandar, re­pita-se, um es­forço es­pe­cial para de­sarmar as de­sas­trosas pro­messas ne­o­li­be­rais, cons­truir pro­gramas se­to­riais de de­sen­vol­vi­mento com par­ti­ci­pação de in­ves­ti­mentos e em­presas es­ta­tais, e atrair in­ves­ti­mentos ex­ternos que con­tri­buam para isso com a trans­fe­rência de novas tec­no­lo­gias e em as­so­ci­ação com em­presas na­ci­o­nais, es­ta­tais e pri­vadas.

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