No seu estilo pessoal, com declarações grosseiras recheadas de frases toscas, o presidente Jair Bolsonaro tem justificado enfaticamente, nos últimos dias, o processo de desmatamento e redução da fiscalização por meio do qual seu governo colocou a floresta Amazônica no rumo da devastação, com explícito desprezo pela integridade das etnias indígenas e das reservas ambientais existentes da região.
O que o governo Bolsonaro impõe ao país é a desregulamentação da proteção ao meio ambiente, a destruição da política de reservas ambientais e indígenas, o descaso pelo Código Florestal e pela lei de terras. O comportamento de Bolsonaro e suas manifestações públicas sustentam a agressão ambiental e a violência. Não estamos falando em tese. Em apenas seis meses, o governo de extrema-direita já mostrou a que veio.
Em tão curto espaço de tempo, os resultados são assustadores, causam espanto mundial e devem preocupar todos os brasileiros. O desmatamento na Amazônia aumentou 88% em junho, comparado com o ano passado, quando os índices já eram ruins, pois o governo Temer tinha iniciado a paralisia e o desmonte da fiscalização do meio-ambiente e proteção à população indígena. E, em julho também manteve-se a tendência, com um aumento de 68% face ao mês anterior. Quando divulgado o desastre do desmatamento crescente, a reação do presidente, como sempre, foi ignorar a notícia e atacar o mensageiro, tentando desqualificar os dados do INPE, numa clássica reação autoritária.
Deve ser destacada a gravidade da tendência à ampliação do desmatamento diante do que já havia sido conquistado, pois o Brasil tinha uma sólida liderança na preservação do meio ambiente e na busca do desenvolvimento sustentável. Em reportagem de hoje o jornal New York Times informou: “A destruição da floresta amazônica no Brasil aumentou rapidamente desde que o novo presidente de extrema direita do país assumiu e seu governo reduziu esforços para combater a extração ilegal de madeira, pecuária e mineração.”
O jornal americano acrescentou: “Proteger a Amazônia sempre esteve no centro da política ambiental do Brasil nas últimas duas décadas. Em um ponto, o sucesso do Brasil em desacelerar a taxa de desmatamento tornou-se um exemplo internacional de conservação e o esforço para combater a mudança climática. Mas com a eleição de Bolsonaro, um populista que foi multado pessoalmente por violar as regras ambientais, o Brasil mudou substancialmente de rota, recuando dos esforços que fez para desacelerar o aquecimento global ao preservar a maior floresta tropical do mundo.”
É verdade, entre 2004 e 2009, por exemplo, o governo Lula já havia reduzido em 75% o desmatamento na Amazônia. Já havíamos sido, antes disso, o primeiro país a assinar a “Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas”. Durante 30 anos, construímos toda uma política de áreas protegidas. No meu governo, construímos e aprovamos o Código Florestal, definindo a necessidade de áreas de reserva legal rural de proteção ambiental, bem como áreas de proteção permanente. Agora, o governo Bolsonaro quer acabar com essa regulação, liberando a devastação ambiental.
Entre 2004 e 2012, o país criou novas áreas de conservação, aumentou o monitoramento e retirou créditos governamentais de produtores rurais que foram apanhados arrasando áreas protegidas. Isso trouxe o desmatamento ao nível mais baixo desde que a manutenção de registros começou, o que o New York Times reconhece em sua reportagem.
Desenhamos e realizamos também uma política de ampliação em nossa matriz energética das energias renováveis, por meio da introdução do biodiesel, da expansão das energias eólicas e da biomassa. Em 2009, no governo Lula, coordenei a delegação brasileira à COP 15. Em ato histórico, o Brasil se comprometeu voluntariamente a reduzir em mais 80% as emissões causadas por desmatamento, até 2020 e em 36% as emissões de gases de efeito estufa. Realizamos, em 2012, a Rio+20, recebendo no Brasil a representação internacional da ONU e de muitos países do mundo e definindo proposta de desenvolvimento sustentável baseado em quatro eixos: “crescer, incluir, preservar e proteger”.
Na formulação e aprovação do acordo internacional sobre o meio ambiente e o clima, o Acordo de Paris, tivemos participação decisiva e liderança reconhecida. Toda esta construção está vindo abaixo, pela ação dos governos Temer e, agora, Bolsonaro. Fica evidente a voracidade do neoliberalismo, a irrelevância das questões do clima e do meio ambiente para a ultra direita, além da fragilidade a que foi conduzido o Estado Democrático de Direito frente às forças selvagens que defendem o desmonte da legislação ambiental, o fim do Conselho Nacional do Meio Ambiente, e a imobilidade da rede de fiscalização, numa autorização tácita para derrubar florestas, para cometer violências contra indígenas e ativistas no campo, para reduzir ou acabar as áreas de reserva legal e proteção permanente.
No Brasil, as áreas protegidas – unidades de conservação, florestas e parques nacionais, corredores ecológicos, reservas de biodiversidade, unidades de proteção da Amazônia, terras indígenas, reservas legais rurais etc – somam 3,7 milhões de Km2 (11 vezes a área do Reino Unido). E estão sobre gravíssima ameaça.
Esta semana, no Amapá, um líder indígena da etnia Wajãpi, o cacique Emyra Wajãpi, foi morto a facadas. Lideranças da aldeia e funcionários da Secretaria Estadual dos Povos Indígenas afirmam que o ataque é resultado da invasão de um grupo de cerca de 50 garimpeiros na aldeia.
Imagens de satélite analisadas revelam uma expansão recente nos focos de garimpo ilegal em terras indígenas da Amazônia ocorrida desde janeiro deste ano. As declarações de Bolsonaro acabam por sustentar o desmatamento, a agressão à Amazônia e a violência contra os indígenas.
O desastre do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente não se refere unicamente à situação da Amazônia. Em seis meses de governo, 300 novos agrotóxicos tiveram seu uso liberado e muitos deles comprovadamente causam danos à saúde dos que os manipulam e dos consumidores dos produtos agrícolas.
Oito ex-ministros do meio ambiente, recentemente, se reuniram e emitiram uma carta conjunta em que defendem que o Brasil precisa reforçar suas medidas de proteção ambiental, não enfraquecê-las, como tem feito. Aliás, o Brasil está na iminência de perder o acesso a um fundo de proteção da Amazônia, de R$ 3,4 bilhões, criado pelos governos da Alemanha e Noruega.
A destruição dos instrumentos de política ambiental e indígena, o desmonte da fiscalização, o incitamento à violência caracterizam verdadeiros crimes contra os povos originários do Brasil, contra o meio ambiente, a preservação da Amazônia e contra a soberania nacional.
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