domingo, 18 de agosto de 2019

Bolsonaro é o "maestro do ódio"


“Num instante em que a nossa história está sendo escrita com palavras, gestos e atos sobre a supremacia da violência, é mais do que urgente que abramos a Constituição Federal e lermos quais são os direitos humanos individuais e sociais que estão sendo violados de maneira orquestrada, sob a batuta do maestro do ódio, que tudo faz para desgovernar”, afirmou – sem citar o nome do presidente da República – o advogado e ex-secretário José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos, logo na abertura da chamada Mesa Nacional de Diálogo contra a Violência. O evento, realizado hoje (15) na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, reuniu diversas entidades para discutir como enfrentar o momento político adverso, representado pelo governo de Jair Bolsonaro. “Sinto que a sociedade se estrutura em defesa da democracia“, disse Dias. O vice-presidente da Ordem, Luiz Viana, foi o anfitrião do encontro.

Para ele, é momento de resistir e “recompor” o palanque, como na campanha das Diretas Já, em 1984, pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente, buscando uma “linguagem comum” entre diversas correntes políticas. “Vivemos tempos de medo. O radicalismo incendiado de ódio infiltra-se na rede social das diárias insanas declarações presidenciais. A sociedade tem o dever de se defender e promulgar o império da paz e da justiça.”

Além da OAB e da Comissão Arns, estavam presentes representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ministério Público Federal (MPF), Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) e Conselho Federal de Psicologia, entre outras entidades. Todos aprovaram uma carta, que foi lida durante o evento (confira a íntegra ao final).

Ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade, Dias afirmou ainda que os insultos recentemente proferidos por Bolsonaro contra a CNV são motivos de orgulho para os integrantes do colegiado. “Ofendidos teríamos sido se dele recebêssemos elogios”, acrescentou. O presidente considerou “balela” as conclusões e resoluções da Comissão da Verdade, que apresentou seu relatório no final de 2014 – na presença da então presidenta, Dilma Rousseff, e de todos os ex-presidentes da República desde a redemocratização: Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney. A exceção foi Itamar Franco, que morreu em 2011.
Momento histórico

O secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella, reiterou as diferentes “origens, histórias e maneiras de ler a realidade” das instituições que participam do ato. “Essas entidades estão todas conscientes de que o interesse da nação, pelo povo brasileiro, em especial pelos pobres, pelos sofredores, pelos abandonados, pelos esquecidos, é maior do que qualquer diferença que possa existir entre nós”, afirmou. Segundo ele, o momento histórico é diferente das pessoas citadas por Dias (como dom Paulo Evaristo Arns, o reverendo Jaime Wright, os juristas Sobral Pinto, Raymundo Faoro, Seabra Fagundes e Márcio Thomaz Bastos). “Mas elas foram fiéis ao seu momento histórico. Sejamos fiéis também ao nosso tempo, dando uma resposta de união e diálogo.”

Portella citou o Papa Francisco, que em 2013 foi à ilha de Lampedusa, na Itália, e falou sobre a “globalização da indiferença” durante sua homilia. “Não podemos ficar indiferentes diante de tanta dor, diante de tanto sofrimento, diante de tantas lágrimas. A indiferença é uma forma aguda e intensa de violência que precisa ser enfrentada.” Existem várias formas de enfrentá-la, acrescentou, falando em desejo humanitário “num mundo em que ser diferente é considerado inimigo a ser abatido e destruído”.

Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sargento da PM Elisandro Lotin de Souza disse que ainda existe um “mito” em parte dos ativistas da área sobre um “antagonismo entre polícia e direitos humanos”. “A gente vem tentando quebrar esse muro”, afirmou, falando também em nome da Associação Brasileira de Praças, do instituto Sou da Paz e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). Segundo ele, os profissionais da segurança, como sargentos e praças, têm “seus direitos todos os dias aviltados por um modelo de segurança pública falido”, marcado pelo desrespeito à jornada e tortura física e psicológica. De acordo com Souza, “40% das mulheres policiais são vítimas de assédio moral e sexual dentro das unidades em que trabalham”.

Confira a íntegra do documento lido hoje:

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Por uma Mesa Nacional de Diálogo contra a Violência

O Brasil tem sofrido, com crescente horror, o recrudescimento de um dos piores traços da formação nacional: a violência incorporada ao cotidiano, especialmente das camadas de baixa renda. Segundo o Atlas da Violência, em 2017 houve uma taxa de 31,6 mortes violentas por 100 mil habitantes, a maior da história do país. Dos 65 mil assassinados, a maioria absoluta era composta de jovens e negros.

Às chacinas gratuitas, como a de Suzano (SP) no início deste ano, e aos morticínios planejados, como o de Altamira (PA) em julho passado, somam-se as balas, endereçadas e perdidas, que a cada dia ceifam o futuro e tornam infernal a vida dos indivíduos. Nada menos que 74% dos homicídios são cometidos por armas de fogo, um dos maiores indicadores do mundo. Propostas de facilitar o acesso a armas de fogo tornarão o quadro ainda mais grave. A escalada armamentista coloca em risco toda a população, e em particular a classe policial, que tem por dever estar na linha de frente dos conflitos.

Para piorar, recentemente têm proliferado os discursos de ódio, ajudando a conformar subjetividades violentas e intolerantes, e declarações públicas que legitimam a letalidade de órgãos oficiais. Ativistas e profissionais que repudiam tais pontos de vista se encontram em situação de crescente insegurança.

Está na hora de gritar basta! As entidades representativas da sociedade civil precisam mobilizar pessoas e instituições para construir uma agenda propositiva de segurança que respeite os direitos humanos e uma cultura cidadã capaz de refazer os laços de sociabilidade em dissolução.

Imbuídos de tal espírito, convidamos de maneira ampla organizações, movimentos e associações de variados credos e ideologias para sentarem-se juntos e discutir o que fazer. Se nos perguntarem agora como iremos nos organizar e como faremos para reduzir os índices que hoje assustam e envergonham a cidadania, responderemos com honestidade que não sabemos. Porém, estamos convencidos que a paz só será alcançada com o respeito aos direitos humanos e a promoção da participação democrática. Acreditamos que a mobilização desde baixo saberá inventar os caminhos necessários para chegar lá.

Por isso, lançamos hoje a iniciativa de uma Mesa Nacional de Diálogo contra a Violência. A Mesa não tem definições prévias, que serão construídas pelos que a ela aderirem. A única função das entidades que aqui convidam as demais é a de levantar as bandeiras da tolerância profunda, do respeito entranhado ao direito do outro e da busca da união na diversidade. Apostamos que em torno destes princípios poderemos contrapor ao monstro da violência a energia viva da sociedade mobilizada.

Brasília, 15 de agosto de 2019.

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