Por Michael Fertik, no site Carta Maior:
Imagine uma Internet onde mãos invisíveis façam uma curadoria de toda a sua experiência. Onde terceiros escolham as notícias, os produtos e preços que você vê – e até as pessoas que você encontra. Um mundo em que você pensa estar fazendo escolhas, mas onde, na realidade, suas opções são reduzidas e refinadas e o seu controle é apenas uma ilusão.
Isso não está longe do que acontece hoje. Graças à tecnologia que permite ao Google, Facebook e outros coletar informações sobre nós e usá-las para adaptar a experiência do usuário aos nossos gostos, hábitos e renda pessoais, a Internet se tornou um lugar diferente para os ricos e para os pobres. Muitos de nós nos tornamos atores inconscientes em um conto de duas Internets. Há a sua e a minha, a deles e a nossa.
Funciona assim: a publicidade dirige a grande maioria da indústria da Internet em volume de receita. O Vale do Silício é excelente em fundar e financiar empresas que oferecem aplicativos gratuitos e coletam e vendem seus dados quando você os utiliza. Na maior parte da curta história da Internet, o objetivo principal dessa coleta de dados era o marketing de produtos clássico: por exemplo, os anunciantes podem querer mostrar Nikes para mim e Manolo Blahniks para a minha esposa. Porém, cada vez mais, a coleta de dados vai muito além da publicidade estrita, permitindo com que empresas de seguros, de saúde e outras se beneficiem da análise de seu histórico pessoal e altamente detalhado de "Big Data" sem o seu conhecimento. Com base nessa análise, essas empresas tomam decisões sobre você – incluindo se vale a pena mostrar anúncios para você.
Como resultado, 99% de nós vivemos do lado errado de um espelho de mão única, no qual o outro 1% manipula nossas experiências. Alguns elogiam essa tendência como "personalização" – que parece algo inócuo e divertido, e dando a ideia de que os anúncios que vemos podem aparecer em nossas cores favoritas. Mas estamos falando de muito mais profundo e com consequências muito mais significativas.
Por exemplo, segundo as leis federais (americanas), é ilegal discriminar o preço do acesso ao crédito com base em determinados atributos pessoais. Mas, como Natasha Singer relatou recentemente no New York Times, avanços técnicos na garimpagem de dados online e offline tornaram possível contornar o espírito da lei: as empresas podem simplesmente não fazer oferta alguma a populações menos atraentes ao crédito. Se você mora do lado errado dos trilhos digitais, nem vai ver uma oferta das principais instituições de crédito e não saberá que existem empréstimos disponíveis para ajudá-lo com seus projetos pessoais ou profissionais.
Na última década, os sites de comércio eletrônico alteraram preços com base em seus hábitos na Web e atributos pessoais. Qual é a sua localização e seu histórico de compras anteriores? Como chegou ao site? Em que hora do dia está navegando? Uma grande literatura surgiu sobre a ética, legalidade e promessa econômica de otimização de preços. E o campo está avançando rapidamente: em setembro (de 2012), o Google recebeu uma patente sobre tecnologia que permite que uma empresa precifique dinamicamente o conteúdo eletrônico. Por exemplo, ela pode aumentar o preço base de um e-book se determinar que você tem maior probabilidade de comprar esse item específico do que um usuário médio; por outro lado, pode ajustar o preço para baixo, como um incentivo, se você tiver menor probabilidade de comprar. E você nem saberá que está pagando mais do que outros pelo mesmo item.
Essas paredes cegas também estão presentes em nossas vidas políticas digitais. Como Eli Pariser observou, a Internet nos mostra "o que acha que queremos ver", exibindo conteúdo que corresponde aos perfis ocultos criados sobre nós com base em nossas interações virtuais diárias. Essa curadoria de bastidores reforça nossos pontos de vista políticos por meio de “câmaras de eco” on-line que confirmam, em vez de desafiar, aquilo em que já acreditamos. Como escreveu o estudioso da Universidade de Harvard Cass Sunstein, liberais e conservadores que debatem abertamente apenas com pessoas da mesma linha política se tornam mais confiantes e extremos em suas opiniões.
A segregação e a separação estão em ascensão. A diversão da personalização tem um lado sombrio.
* Publicado originalmente em scientificamerican.com. Tradução de Clarisse Meireles.
Imagine uma Internet onde mãos invisíveis façam uma curadoria de toda a sua experiência. Onde terceiros escolham as notícias, os produtos e preços que você vê – e até as pessoas que você encontra. Um mundo em que você pensa estar fazendo escolhas, mas onde, na realidade, suas opções são reduzidas e refinadas e o seu controle é apenas uma ilusão.
Isso não está longe do que acontece hoje. Graças à tecnologia que permite ao Google, Facebook e outros coletar informações sobre nós e usá-las para adaptar a experiência do usuário aos nossos gostos, hábitos e renda pessoais, a Internet se tornou um lugar diferente para os ricos e para os pobres. Muitos de nós nos tornamos atores inconscientes em um conto de duas Internets. Há a sua e a minha, a deles e a nossa.
Funciona assim: a publicidade dirige a grande maioria da indústria da Internet em volume de receita. O Vale do Silício é excelente em fundar e financiar empresas que oferecem aplicativos gratuitos e coletam e vendem seus dados quando você os utiliza. Na maior parte da curta história da Internet, o objetivo principal dessa coleta de dados era o marketing de produtos clássico: por exemplo, os anunciantes podem querer mostrar Nikes para mim e Manolo Blahniks para a minha esposa. Porém, cada vez mais, a coleta de dados vai muito além da publicidade estrita, permitindo com que empresas de seguros, de saúde e outras se beneficiem da análise de seu histórico pessoal e altamente detalhado de "Big Data" sem o seu conhecimento. Com base nessa análise, essas empresas tomam decisões sobre você – incluindo se vale a pena mostrar anúncios para você.
Como resultado, 99% de nós vivemos do lado errado de um espelho de mão única, no qual o outro 1% manipula nossas experiências. Alguns elogiam essa tendência como "personalização" – que parece algo inócuo e divertido, e dando a ideia de que os anúncios que vemos podem aparecer em nossas cores favoritas. Mas estamos falando de muito mais profundo e com consequências muito mais significativas.
Por exemplo, segundo as leis federais (americanas), é ilegal discriminar o preço do acesso ao crédito com base em determinados atributos pessoais. Mas, como Natasha Singer relatou recentemente no New York Times, avanços técnicos na garimpagem de dados online e offline tornaram possível contornar o espírito da lei: as empresas podem simplesmente não fazer oferta alguma a populações menos atraentes ao crédito. Se você mora do lado errado dos trilhos digitais, nem vai ver uma oferta das principais instituições de crédito e não saberá que existem empréstimos disponíveis para ajudá-lo com seus projetos pessoais ou profissionais.
Na última década, os sites de comércio eletrônico alteraram preços com base em seus hábitos na Web e atributos pessoais. Qual é a sua localização e seu histórico de compras anteriores? Como chegou ao site? Em que hora do dia está navegando? Uma grande literatura surgiu sobre a ética, legalidade e promessa econômica de otimização de preços. E o campo está avançando rapidamente: em setembro (de 2012), o Google recebeu uma patente sobre tecnologia que permite que uma empresa precifique dinamicamente o conteúdo eletrônico. Por exemplo, ela pode aumentar o preço base de um e-book se determinar que você tem maior probabilidade de comprar esse item específico do que um usuário médio; por outro lado, pode ajustar o preço para baixo, como um incentivo, se você tiver menor probabilidade de comprar. E você nem saberá que está pagando mais do que outros pelo mesmo item.
Essas paredes cegas também estão presentes em nossas vidas políticas digitais. Como Eli Pariser observou, a Internet nos mostra "o que acha que queremos ver", exibindo conteúdo que corresponde aos perfis ocultos criados sobre nós com base em nossas interações virtuais diárias. Essa curadoria de bastidores reforça nossos pontos de vista políticos por meio de “câmaras de eco” on-line que confirmam, em vez de desafiar, aquilo em que já acreditamos. Como escreveu o estudioso da Universidade de Harvard Cass Sunstein, liberais e conservadores que debatem abertamente apenas com pessoas da mesma linha política se tornam mais confiantes e extremos em suas opiniões.
A segregação e a separação estão em ascensão. A diversão da personalização tem um lado sombrio.
* Publicado originalmente em scientificamerican.com. Tradução de Clarisse Meireles.
Excelente artigo.
ResponderExcluirAinda que muitos reclamem das novas leis de proteção de dados, em especial GDPR (UE) e LGPD (Brasil), elas vieram com o intuito de reduzir esse tipo de interferência sem conhecimento/consentimento.
Vai conseguir fazer frente aos poderosos, ou como cita o artigo, o 1% que está do lado certo (?) do espelho?
Aguardemos os próximos capítulos.
Grato