Por Paulo Nogueira Batista Jr., na revista CartaCapital:
Volto a invocar Aristóteles. A virtude está no meio, dizia ele – preceito que eu, quando mais jovem, considerava um tédio total. E ainda considero. Devo reconhecer, entretanto, que o preceito pode ter alguma utilidade prática.
Considere, leitor, o debate sobre política fiscal e contas públicas, que se tornou novamente muito agudo no Brasil. Os economistas de esquerda ou centro-esquerda, também chamados de “heterodoxos”, têm uma certa tendência a subestimar a importância da restrição fiscal.
A tendência é muito antiga. Por exemplo, o fracasso do Plano Cruzado em 1986 não pode ser plenamente entendido sem considerar esse aspecto. Todos os economistas envolvidos no programa de estabilização, até mesmo aqueles que depois migraram para a ortodoxia, subestimavam gravemente o problema. Quando a queda da inflação provocada pelo congelamento de preços e salários levou a uma forte expansão do consumo, a falta de um controle compensatório da demanda do governo e das contas do setor público contribuiu para o colapso do Plano Cruzado, menos de um ano depois do seu lançamento.
Outro lado da questão é que muitos economistas heterodoxos tendem a ignorar, ou relegar a segundo plano, uma questão crucial: o ajuste das contas públicas torna o Estado Nacional mais independente da volatilidade dos mercados financeiros internos e externos. Se o Estado mantém déficits elevados e uma dívida de prazo curto, corre sempre o risco de ficar à mercê dos humores cambiantes dos investidores domésticos e estrangeiros.
Em todo o caso, muito pior, nas circunstâncias atuais do Brasil, é o que se propõe e o que se faz sob o manto da ortodoxia econômica. No meu entender, é a propagação organizada da ignorância.
O debate macroeconômico no Brasil, inclusive sobre questões fiscais, está atrasadíssimo. O que se apresenta como economia correta e responsável por aqui foi testado e superado no resto do mundo. O próprio FMI, onde trabalhei por mais de oito anos como diretor-executivo pelo Brasil e outros países, ultrapassou há muito tempo as teses defendidas pelos economistas do governo federal, do mercado e outros representantes da ortodoxia brasileira.
Refiro-me, em especial, à ideia de que se pode promover uma “contração fiscal expansionista” – paradoxo teórico que encontra pouco respaldo na prática. Lamentavelmente, contração fiscal é quase sempre contracionista mesmo. A fantasia ortodoxa é a ideia de que um choque fiscal, isto é, um ajuste drástico de despesas e/ou da carga tributária, sobretudo quando acompanhado de “reformas estruturais”, geraria um choque de confiança. A reversão das expectativas produzida pela recuperação da confiança levaria à retomada do investimento e do consumo do setor privado, tornando o esforço fiscal indolor e até benéfico para o crescimento da economia. É a versão Walt Disney da macroeconomia fiscal.
Não é, leitor, que confiança não seja importante. Toda política econômica tem de levar esse fator em conta. O problema está em colocar todas ou a maior parte das fichas na esperança de recuperá-la de um só golpe ou em prazo curto, com um choque fiscal e reformas estruturais. E ficar aguardando passivamente que a economia responda. É por esse caminho que vai a equipe do governo Bolsonaro, como se sabe.
O último relatório do FMI sobre a economia brasileira apresenta alguns números interessantes. Por exemplo, a partir de 2020, a aplicação do teto constitucional introduzido pelo governo Temer – uma das regras fiscais mais idiotas (desculpe, leitor, não há outra palavra) vistas no Brasil e no mundo – exigirá uma redução ano a ano, até 2022 (para ficar só no mandato do atual governo), de mais de 0,6% do PIB por ano no déficit primário. Isto com a economia combalida, basicamente estagnada, crescendo pouco ou nada em termos per capita. Uma política fiscal contracionista é exatamente o oposto do que se recomenda para uma economia que precisa de alguma recuperação. Os dados mencionados dizem respeito às projeções (sem ajustes cíclicos) do resultado primário do setor público não financeiro. Outros indicadores fiscais confirmam que a política fiscal tenderá a ser pró-cíclica.
A justificativa básica para a política contracionista é o alarmismo fiscal. O governo (estranhamente) e o mercado propagam a ideia de que o setor público brasileiro “quebrou”, “faliu”, “entrou em colapso”. Há dificuldades importantes, não há dúvida, sobretudo nos estados e municípios. Mas não há quebra, nem colapso. Em toda minha vida, nunca vi um ministro da Economia ou da Fazenda propagar tão ardorosamente e sem base, como faz Paulo Guedes, a falência de um governo que está sob sua responsabilidade.
Maravilhosa maneira de recuperar a confiança…
Considere, leitor, o debate sobre política fiscal e contas públicas, que se tornou novamente muito agudo no Brasil. Os economistas de esquerda ou centro-esquerda, também chamados de “heterodoxos”, têm uma certa tendência a subestimar a importância da restrição fiscal.
A tendência é muito antiga. Por exemplo, o fracasso do Plano Cruzado em 1986 não pode ser plenamente entendido sem considerar esse aspecto. Todos os economistas envolvidos no programa de estabilização, até mesmo aqueles que depois migraram para a ortodoxia, subestimavam gravemente o problema. Quando a queda da inflação provocada pelo congelamento de preços e salários levou a uma forte expansão do consumo, a falta de um controle compensatório da demanda do governo e das contas do setor público contribuiu para o colapso do Plano Cruzado, menos de um ano depois do seu lançamento.
Outro lado da questão é que muitos economistas heterodoxos tendem a ignorar, ou relegar a segundo plano, uma questão crucial: o ajuste das contas públicas torna o Estado Nacional mais independente da volatilidade dos mercados financeiros internos e externos. Se o Estado mantém déficits elevados e uma dívida de prazo curto, corre sempre o risco de ficar à mercê dos humores cambiantes dos investidores domésticos e estrangeiros.
Em todo o caso, muito pior, nas circunstâncias atuais do Brasil, é o que se propõe e o que se faz sob o manto da ortodoxia econômica. No meu entender, é a propagação organizada da ignorância.
O debate macroeconômico no Brasil, inclusive sobre questões fiscais, está atrasadíssimo. O que se apresenta como economia correta e responsável por aqui foi testado e superado no resto do mundo. O próprio FMI, onde trabalhei por mais de oito anos como diretor-executivo pelo Brasil e outros países, ultrapassou há muito tempo as teses defendidas pelos economistas do governo federal, do mercado e outros representantes da ortodoxia brasileira.
Refiro-me, em especial, à ideia de que se pode promover uma “contração fiscal expansionista” – paradoxo teórico que encontra pouco respaldo na prática. Lamentavelmente, contração fiscal é quase sempre contracionista mesmo. A fantasia ortodoxa é a ideia de que um choque fiscal, isto é, um ajuste drástico de despesas e/ou da carga tributária, sobretudo quando acompanhado de “reformas estruturais”, geraria um choque de confiança. A reversão das expectativas produzida pela recuperação da confiança levaria à retomada do investimento e do consumo do setor privado, tornando o esforço fiscal indolor e até benéfico para o crescimento da economia. É a versão Walt Disney da macroeconomia fiscal.
Não é, leitor, que confiança não seja importante. Toda política econômica tem de levar esse fator em conta. O problema está em colocar todas ou a maior parte das fichas na esperança de recuperá-la de um só golpe ou em prazo curto, com um choque fiscal e reformas estruturais. E ficar aguardando passivamente que a economia responda. É por esse caminho que vai a equipe do governo Bolsonaro, como se sabe.
O último relatório do FMI sobre a economia brasileira apresenta alguns números interessantes. Por exemplo, a partir de 2020, a aplicação do teto constitucional introduzido pelo governo Temer – uma das regras fiscais mais idiotas (desculpe, leitor, não há outra palavra) vistas no Brasil e no mundo – exigirá uma redução ano a ano, até 2022 (para ficar só no mandato do atual governo), de mais de 0,6% do PIB por ano no déficit primário. Isto com a economia combalida, basicamente estagnada, crescendo pouco ou nada em termos per capita. Uma política fiscal contracionista é exatamente o oposto do que se recomenda para uma economia que precisa de alguma recuperação. Os dados mencionados dizem respeito às projeções (sem ajustes cíclicos) do resultado primário do setor público não financeiro. Outros indicadores fiscais confirmam que a política fiscal tenderá a ser pró-cíclica.
A justificativa básica para a política contracionista é o alarmismo fiscal. O governo (estranhamente) e o mercado propagam a ideia de que o setor público brasileiro “quebrou”, “faliu”, “entrou em colapso”. Há dificuldades importantes, não há dúvida, sobretudo nos estados e municípios. Mas não há quebra, nem colapso. Em toda minha vida, nunca vi um ministro da Economia ou da Fazenda propagar tão ardorosamente e sem base, como faz Paulo Guedes, a falência de um governo que está sob sua responsabilidade.
Maravilhosa maneira de recuperar a confiança…
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