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Na música “Banditismo por uma questão de classe”, Chico Science e a Nação Zumbi brincam com as possíveis causas que levam as pessoas a entrarem no mundo do crime. Nela, indagam se a prática do banditismo se daria em função de uma maldade pura, inerente à pessoa, ou de suas necessidades básicas – afinal, com a barriga vazia não é possível dormir, como narra em primeira pessoa o protagonista de “Da lama ao caos”, também do grupo.
A conclusão é que o banditismo decorre, como o próprio título adianta, de uma questão de classe, num inteligente jogo semântico que envolve tanto “classe” quanto substantivo, referente a classe social, como adjetivo, apontando o valor e a qualidade de pessoas que, frutos de uma sociedade marcada pelo abismo entre ricos e pobres, depositam no crime as agruras da invisibilidade que lhes é imposta. Sendo a sobrevivência maior que a lei, a prática delituosa é tida como o grito de “quem era inocente hoje já virou bandido pra poder comer um pedaço de pão todo fudido”, como canta Science em outro trecho.
Embora o banditismo seja uma categoria que o senso comum relaciona às classes desfavorecidas, ele está bastante presente nas pessoas de branca e perfumada epiderme que vibram ao estilo do governador Wilson Witzel quando se deparam com notícias de pretos e pobres abatidos pela polícia. A diferença é que o banditismo, por se tratar de um fenômeno tradicionalmente interpretado sob um olhar de classe, qual seja, o olhar burguês (que, como toda ideologia dominante, captura inclusive quem não é burguês), recebe afagos de justificação moral a depender do lado da cerca em que se encontra.
Vejamos a turma de Deltan e de seu ex-chefe, o ex-juiz Sérgio Moro, eloquentes exemplos de um banditismo que, por uma questão de classe (social), é moralmente aceitável por parcelas da sociedade. Moro e seus ex-subordinados da força tarefa, comandada por Deltan apenas no papel, trucidaram a lei, torturaram a Constituição, extorquiram o Código de Processo Penal e colocaram o Código de Penal em um pau-de-arara para que o desejo de encarcerar o ex-presidente Lula e interditá-lo eleitoralmente nas eleições de 2018 fosse realizado. Nunca é demais lembrar que Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-membro da força tarefa, assumiu que era Jair o candidato do lavajatismo (oh, que grande novidade).
Em termos gerais, define-se corrupção como a ação de, por meios ilícitos, corromper alguém ou algo com o objetivo de obter vantagens em relação aos outros. Hoje, parece difícil existir alguém que, não sendo inimputável, ouse dizer que o conteúdo das conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil não se trata de corrupção. Os malabarismos de Moro para se explicar e as desculpas publicadas pela procuradora Jerusa Viecili em seu Twitter, lamentando a chacota feita em relação aos parentes mortos do ex-presidente Lula, são provas de que nem o mais teimoso lavajatista se atreve a sair em defesa de si próprio.
Há uma espécie de corrupção moral, de valores, respeito e civilidade, nas conversas dos procuradores sobre Lula e seus falecidos parentes. A soberba messiânica dos lavajatistas chega a levá-los a acreditar que foram outorgados do poder divino de decidir sobre o luto de terceiros, questionando a legitimidade do sofrimento de um marido pela morte da esposa, de um irmão pela morte do irmão e de um avô pelo abrupto falecimento do neto. Errou quem achava que a delinquência dos procuradores se limitava ao amontoado de crimes contra a administração pública que foram revelados pelo The Intercept Brasil.
Entretanto, existe sempre uma certa vassalagem, das mais caricatas e indignas, disposta a sujar as mãos. O jornalista Augusto Nunes, que compõe junto com seus colegas da Jovem Pan e de O Antagonista o núcleo do passapanismo da Lava Jato, resolveu atacar Glenn Greenwald e seu marido, o deputado federal David Miranda, sugerindo que agem com negligência quanto à criação de seus filhos. De acordo com ele, o fato de Miranda trabalhar em Brasília e Glenn passar o dia “tendo chiliques no Twitter” seria a prova do pouco zelo com as crianças. Para defender o banditismo da turma de Deltan, chega a pedir a intervenção do “juizado de menores”, que deixou de existir há trinta anos.
Nunes ignora ser comum que, a depender das condições socioeconômicas – percebam como é impossível fugir da questão de classe -, pais trabalhem durante o dia enquanto os filhos ficam em casa ou na escola. Deve o “juizado de menores” investigar todos os casais que fazem isso? Sua sede em defender as indefensáveis práticas dos lavajatistas o faz dizer coisas que, de tão estúpidas, acabam por deixar claro o quão longe pode ir a idolatria religiosa pelo banditismo do responsáveis por essa força tarefa.
Faltou classe – aqui como sinônimo de sensibilidade, educação, valor e respeito – aos procuradores quando debocharam de Lula e pisaram nos cadáveres de dona Marisa, Vavá e Arthur, como escreveu Leandro Demori, do The Intercept Brasil, em resposta às afirmações de Dallagnol de que seriam apenas conversas mundanas, comuns em almoços de família.
Por outro lado, pudemos ver como opera o verdadeiro espírito de uma classe – agora, mais uma vez, no sentido de classe social – ao nos depararmos com pessoas que se veem autorizadas a decidir sobre o luto e os direitos de alguém que, historicamente identificado com as classes subalternas, é alvo de todo o seu ódio.
Os procuradores, agentes de um banditismo pretensamente justificado por seus fins, cometeram seus crimes a partir de sua posição na sociedade, valendo-se não apenas dos privilégios que a igualdade formal, pérola da democracia liberal, lhes concebe ao protegê-los de processos e prisões, mas do uso de uma moral seletiva que poupa gente como banqueiros, Paulo Guedes, FHC e Onyx Lorenzoni, conforme demonstrou João Filho em artigo publicado no The Intercept Brasil no dia 25 de agosto.
Mas mesmo privilegiados como Deltan e cia não estão livres de cedo ou tarde prestarem contas do que fizeram. Atitudes desesperadas como a de Nunes são a comprovação de que as criaturas que se presta a defender, oprimidas e acossadas, estão espremidas no canto, suspirando e resfolegando enquanto começam a perceber que serão inevitavelmente engolidas pela História.
A conclusão é que o banditismo decorre, como o próprio título adianta, de uma questão de classe, num inteligente jogo semântico que envolve tanto “classe” quanto substantivo, referente a classe social, como adjetivo, apontando o valor e a qualidade de pessoas que, frutos de uma sociedade marcada pelo abismo entre ricos e pobres, depositam no crime as agruras da invisibilidade que lhes é imposta. Sendo a sobrevivência maior que a lei, a prática delituosa é tida como o grito de “quem era inocente hoje já virou bandido pra poder comer um pedaço de pão todo fudido”, como canta Science em outro trecho.
Embora o banditismo seja uma categoria que o senso comum relaciona às classes desfavorecidas, ele está bastante presente nas pessoas de branca e perfumada epiderme que vibram ao estilo do governador Wilson Witzel quando se deparam com notícias de pretos e pobres abatidos pela polícia. A diferença é que o banditismo, por se tratar de um fenômeno tradicionalmente interpretado sob um olhar de classe, qual seja, o olhar burguês (que, como toda ideologia dominante, captura inclusive quem não é burguês), recebe afagos de justificação moral a depender do lado da cerca em que se encontra.
Vejamos a turma de Deltan e de seu ex-chefe, o ex-juiz Sérgio Moro, eloquentes exemplos de um banditismo que, por uma questão de classe (social), é moralmente aceitável por parcelas da sociedade. Moro e seus ex-subordinados da força tarefa, comandada por Deltan apenas no papel, trucidaram a lei, torturaram a Constituição, extorquiram o Código de Processo Penal e colocaram o Código de Penal em um pau-de-arara para que o desejo de encarcerar o ex-presidente Lula e interditá-lo eleitoralmente nas eleições de 2018 fosse realizado. Nunca é demais lembrar que Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-membro da força tarefa, assumiu que era Jair o candidato do lavajatismo (oh, que grande novidade).
Em termos gerais, define-se corrupção como a ação de, por meios ilícitos, corromper alguém ou algo com o objetivo de obter vantagens em relação aos outros. Hoje, parece difícil existir alguém que, não sendo inimputável, ouse dizer que o conteúdo das conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil não se trata de corrupção. Os malabarismos de Moro para se explicar e as desculpas publicadas pela procuradora Jerusa Viecili em seu Twitter, lamentando a chacota feita em relação aos parentes mortos do ex-presidente Lula, são provas de que nem o mais teimoso lavajatista se atreve a sair em defesa de si próprio.
Há uma espécie de corrupção moral, de valores, respeito e civilidade, nas conversas dos procuradores sobre Lula e seus falecidos parentes. A soberba messiânica dos lavajatistas chega a levá-los a acreditar que foram outorgados do poder divino de decidir sobre o luto de terceiros, questionando a legitimidade do sofrimento de um marido pela morte da esposa, de um irmão pela morte do irmão e de um avô pelo abrupto falecimento do neto. Errou quem achava que a delinquência dos procuradores se limitava ao amontoado de crimes contra a administração pública que foram revelados pelo The Intercept Brasil.
Entretanto, existe sempre uma certa vassalagem, das mais caricatas e indignas, disposta a sujar as mãos. O jornalista Augusto Nunes, que compõe junto com seus colegas da Jovem Pan e de O Antagonista o núcleo do passapanismo da Lava Jato, resolveu atacar Glenn Greenwald e seu marido, o deputado federal David Miranda, sugerindo que agem com negligência quanto à criação de seus filhos. De acordo com ele, o fato de Miranda trabalhar em Brasília e Glenn passar o dia “tendo chiliques no Twitter” seria a prova do pouco zelo com as crianças. Para defender o banditismo da turma de Deltan, chega a pedir a intervenção do “juizado de menores”, que deixou de existir há trinta anos.
Nunes ignora ser comum que, a depender das condições socioeconômicas – percebam como é impossível fugir da questão de classe -, pais trabalhem durante o dia enquanto os filhos ficam em casa ou na escola. Deve o “juizado de menores” investigar todos os casais que fazem isso? Sua sede em defender as indefensáveis práticas dos lavajatistas o faz dizer coisas que, de tão estúpidas, acabam por deixar claro o quão longe pode ir a idolatria religiosa pelo banditismo do responsáveis por essa força tarefa.
Faltou classe – aqui como sinônimo de sensibilidade, educação, valor e respeito – aos procuradores quando debocharam de Lula e pisaram nos cadáveres de dona Marisa, Vavá e Arthur, como escreveu Leandro Demori, do The Intercept Brasil, em resposta às afirmações de Dallagnol de que seriam apenas conversas mundanas, comuns em almoços de família.
Por outro lado, pudemos ver como opera o verdadeiro espírito de uma classe – agora, mais uma vez, no sentido de classe social – ao nos depararmos com pessoas que se veem autorizadas a decidir sobre o luto e os direitos de alguém que, historicamente identificado com as classes subalternas, é alvo de todo o seu ódio.
Os procuradores, agentes de um banditismo pretensamente justificado por seus fins, cometeram seus crimes a partir de sua posição na sociedade, valendo-se não apenas dos privilégios que a igualdade formal, pérola da democracia liberal, lhes concebe ao protegê-los de processos e prisões, mas do uso de uma moral seletiva que poupa gente como banqueiros, Paulo Guedes, FHC e Onyx Lorenzoni, conforme demonstrou João Filho em artigo publicado no The Intercept Brasil no dia 25 de agosto.
Mas mesmo privilegiados como Deltan e cia não estão livres de cedo ou tarde prestarem contas do que fizeram. Atitudes desesperadas como a de Nunes são a comprovação de que as criaturas que se presta a defender, oprimidas e acossadas, estão espremidas no canto, suspirando e resfolegando enquanto começam a perceber que serão inevitavelmente engolidas pela História.
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