Por Chico D’Angelo, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Governos autoritários temem o poder de expressão e o anseio de liberdade manifestado pela criação artística através dos tempos. Ditaduras costumam tentar exercer forte controle ideológico sobre as manifestações artísticas, submetendo a criação ao crivo da censura ou tentando domesticá-la a partir da lógica da propaganda.
A censura federal atuou durante a ditadura militar instaurada em 1964, por exemplo, vendo na criação artística inimigo em potencial que poderia fomentar a subversão. Especialmente após o lançamento do Ato Institucional 5 (AI-5), em 1968, o cinema, as artes plásticas, a literatura e o teatro foram constante e ostensivamente acossados por censores desvairados. A máquina de tortura dos porões também atuou contra dezenas de artistas brasileiros.
Mas não são apenas ditaduras explícitas que atacam a criação artística, quando não agridem fisicamente os próprios artistas. Durante o governo Fernando Collor, a febre neoliberal, misturada a um discurso moralista rasteiro e autoritário, expressou-se na extinção de órgãos que fomentavam a cultura, estrangulando a produção cinematográfica e a dramaturgia sob o duvidoso argumento da necessidade de se enxugar o estado.
O atual governo de Bolsonaro não faz questão de esconder seu desprezo – ou será medo? – em relação à produção artística brasileira. Recentemente duas grandes damas do teatro, do cinema e da televisão – Marieta Severo e Fernando Montenegro – deram declarações contundentes sobre o clima de autoritarismo, temperado por um hipócrita moralismo de ocasião, difundido por setores obscurantistas que apoiam o presidente da República.
Confirmam essa impressão sobre o autoritarismo moralista do governo as recentes pressões da embaixada brasileira em Montevidéu para que um documentário sobre Chico Buarque não fosse exibido no Uruguai e a tentativa de desidratar a Agência Nacional do Cinema (Ancine), expressa na absurda tentativa de inviabilizar a exibição do filme Marighella, de Wagner Moura, baseado na obra de Mário Magalhães.
Para denunciar o moralismo primário e a burrice da censura do regime militar, o jornalista Sérgio Porto escreveu o “Febeapá: Festival de Besteira que Assola o País”. Dentre os absurdos relatados está o ocorrido em 1965, na estreia da peça Electra, no Teatro Municipal de São Paulo.
Agentes de segurança do regime simplesmente invadiram o teatro atrás do autor da peça, procurado por fomentar a subversão contra os valores da família brasileira. O problema era que o autor em questão, o grego Sófocles, morrera quatro séculos antes de Cristo.
Nesses tempos sombrios que vivemos no Brasil, parece que todo dia surgem fartos exemplos para a edição de um novo “Febeapá”. Denunciar a censura, o autoritarismo, o moralismo retrógrado, a demonização da arte e dos artistas, é tarefa urgente para todos nós, que somos comprometidos com a democracia e a liberdade.
* Chico D’Angelo é deputado federal (PDT-RJ), membro da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.
Governos autoritários temem o poder de expressão e o anseio de liberdade manifestado pela criação artística através dos tempos. Ditaduras costumam tentar exercer forte controle ideológico sobre as manifestações artísticas, submetendo a criação ao crivo da censura ou tentando domesticá-la a partir da lógica da propaganda.
A censura federal atuou durante a ditadura militar instaurada em 1964, por exemplo, vendo na criação artística inimigo em potencial que poderia fomentar a subversão. Especialmente após o lançamento do Ato Institucional 5 (AI-5), em 1968, o cinema, as artes plásticas, a literatura e o teatro foram constante e ostensivamente acossados por censores desvairados. A máquina de tortura dos porões também atuou contra dezenas de artistas brasileiros.
Mas não são apenas ditaduras explícitas que atacam a criação artística, quando não agridem fisicamente os próprios artistas. Durante o governo Fernando Collor, a febre neoliberal, misturada a um discurso moralista rasteiro e autoritário, expressou-se na extinção de órgãos que fomentavam a cultura, estrangulando a produção cinematográfica e a dramaturgia sob o duvidoso argumento da necessidade de se enxugar o estado.
O atual governo de Bolsonaro não faz questão de esconder seu desprezo – ou será medo? – em relação à produção artística brasileira. Recentemente duas grandes damas do teatro, do cinema e da televisão – Marieta Severo e Fernando Montenegro – deram declarações contundentes sobre o clima de autoritarismo, temperado por um hipócrita moralismo de ocasião, difundido por setores obscurantistas que apoiam o presidente da República.
Confirmam essa impressão sobre o autoritarismo moralista do governo as recentes pressões da embaixada brasileira em Montevidéu para que um documentário sobre Chico Buarque não fosse exibido no Uruguai e a tentativa de desidratar a Agência Nacional do Cinema (Ancine), expressa na absurda tentativa de inviabilizar a exibição do filme Marighella, de Wagner Moura, baseado na obra de Mário Magalhães.
Para denunciar o moralismo primário e a burrice da censura do regime militar, o jornalista Sérgio Porto escreveu o “Febeapá: Festival de Besteira que Assola o País”. Dentre os absurdos relatados está o ocorrido em 1965, na estreia da peça Electra, no Teatro Municipal de São Paulo.
Agentes de segurança do regime simplesmente invadiram o teatro atrás do autor da peça, procurado por fomentar a subversão contra os valores da família brasileira. O problema era que o autor em questão, o grego Sófocles, morrera quatro séculos antes de Cristo.
Nesses tempos sombrios que vivemos no Brasil, parece que todo dia surgem fartos exemplos para a edição de um novo “Febeapá”. Denunciar a censura, o autoritarismo, o moralismo retrógrado, a demonização da arte e dos artistas, é tarefa urgente para todos nós, que somos comprometidos com a democracia e a liberdade.
* Chico D’Angelo é deputado federal (PDT-RJ), membro da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.
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