segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Bolsonaro quer o modelo sindical dos EUA

Por Ricardo Paoletti, no site Outras Palavras:

Em agosto de 1989 os trabalhadores na companha telefônica de Nova Iorque, nos Estados Unidos, iniciaram uma greve que iria durar quatro meses. A greve foi contra a tentativa de transferir os custos de planos de saúde da empresa para seus funcionários.

A greve foi vitoriosa. Durante os quatro meses, linhas de piquete não saíram da porta das garagens, em todo o Estado, conforme agendado pela organização local 1122 da CWA, a federação de sindicatos de trabalhadores em comunicação nos EUA, ou Communications Workers of America. Eu estava lá.

Passei uma temporada nos Estados Unidos no final dos anos 80 e, como meu inglês ainda era muito ruim, continuar na minha profissão de jornalista não era opção. Dei mais sorte em ocupação que não exigia tanto no idioma, como trabalhador telefônico. Mas a sorte não durou muito tempo: havia começado na empresa em junho e em agosto, com a greve, já estava sem salário.

Nessa época, escalado para os piquetes, descobri algo de muito valor nos sindicatos da minha categoria. Eles haviam acumulado um bom fundo de greve, ou defense fund, justamente para encarar alguma luta prolongada. Os grevistas que cumpriam sua escala no piquete recebiam um auxílio financeiro semanal. Pagava o supermercado e parte do aluguel. Manter um defense fund era regra de ouro do sindicato e sustentou a greve até a vitória, um grande exemplo para nossos sindicatos no Brasil.

Mas, agora em que se fala em reforma sindical por aqui e se mira no exemplo do sindicalismo americano, sem unicidade, por empresa, o bom exemplo para por aí.

Os sindicatos estão morrendo nos Estados Unidos. Cerca de 10,7% dos trabalhadores são hoje sindicalizados nos EUA, o menor nível em um século. No setor privado, a sindicalização é inferior a 7% dos empregados.

Sindicatos por empresa

Os sindicatos americanos, ou locals, são organizados por empresa. As locals tem poder de barganha muito limitado diante do patronal, quando há sindicato organizado na empresa.

Em geral, as companhias devem aceitar a sindicalização de seus empregados quando a maioria deles assina fichas de sindicalização. E é prática em grandes empresas denunciar que as fichas foram assinadas sob coação, e tê-las anuladas no processo. Se a campanha prossegue, há perseguição, segundo informa o pesquisador Steven Greenhouse ao jornal The Guardian: 20% dos organizadores sindicais, em média, são sistematicamente demitidos quando iniciam campanhas de sindicalização. Essas demissões são ilegais, mas grandes companhias preferem pagar multas pela despedida do que aturar os sindicatos. E como o sindicato é local, por empresa, víamos pouca repercussão desses casos.

A Suprema Corte dos EUA também tem um papel nesse declínio, tendo decidido em vários casos que o direito à propriedade prevalece sobre o direito dos trabalhadores, impedindo a realização de reuniões ou distribuição de panfletos nas empresas.

Não há lei que iniba as empresas de exibir vídeo ou realizar palestras antissindicais no local de trabalho. “Eles geralmente exigem que os funcionários participem de reuniões nas quais consultores caros dizem aos trabalhadores que os sindicatos são corruptos e só querem dinheiro com suas mensalidades e que as empresas fecharam locais de trabalho depois que foram sindicalizadas”, conta Greenhouse em seu livro Beaten Down, Worked Up (‘Derrotados, Explorados’ em tradução livre). É de se imaginar qual seria a reação do STF, aqui no Brasil, se tal situação se repetisse em uma organização sindical pulverizada, por empresa.

Perda de influência política

Uma das razões para o declínio na sindicalização e para a fraqueza das locals no modelo de pluralismo sindical dos Estados Unidos é sua pequena ou praticamente inexistente força de lobby, ou de influência sobre o mundo político, resultado da pulverização sindical ao longo de décadas.

Levantamentos mostram que os sindicatos aplicam muito dinheiro, cerca de 48 milhões de dólares por ano, em ações junto ao Congresso estadunidense para promover legislação favorável aos trabalhadores ou combater medidas antissindicais, enquanto as corporações aplicam muito mais, 2,5 bilhões de dólares anuais, para defender seus pontos de vista.

Mesmo o grande guarda-chuva de centrais de trabalhadores por lá, a AFL-CIO, com abrangência nacional mas que em 2005 rachou com a formação da central Change to Win, CTW, tem tido pouco sucesso na reversão desse quadro.

Demissão em massa

Para reforçar a propaganda antissindical, repete-se à exaustão entre os trabalhadores norte-americanos o resultado da greve dos controladores de vôo do país, em 1981. Presidente na época, Ronald Reagan decidiu demitir todos os grevistas de uma vez e contratar substitutos que faziam filas nos aeroportos. Se isso acontece com uma categoria tão extensa, o que fazer em uma empresa ao se negociar direto com o patrão?

Em tempo: dezessete anos depois da greve vitoriosa dos trabalhadores em comunicação de Nova Iorque, a companhia telefônica decidiu suspender os planos de saúde por completo, em 2006. O sindicato protestou, veementemente, mas já não havia mais ânimo para greve ou piquete naquela época.

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