Por Altamiro Borges
A decisão do ex-presidente Lula de recusar o regime semiaberto definido pelos carrascos da Lava-Jato – “não troco minha dignidade pela minha liberdade”, explicou em carta aberta – segue gerando polêmicas entre os que lutam por sua libertação. Todos gostariam de ver o líder popular, preso injustamente há 540 dias numa cela isolada de Curitiba, novamente junto aos seus familiares e amigos e debatendo política pelo país afora. Mas Lula foi taxativo: “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.
Se entre os seus apoiadores há naturais controvérsias, entre os seus algozes o clima é de embaraço. Direitistas notórios, juízes metidos a justiceiros, bedéis metidos a procuradores e “calunistas” da mídia estão indignados com sua altiva decisão. Os procuradores da Lava-Jato, tendo à frente Deltan Dallagnol, agora afirmam que a progressão da pena ao regime semiaberto será imposta na marra. Eles parecem confirmar a suspeita de que temem uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável à libertação sem condicionantes do Lula.
Os “calunistas” da mídia, que sempre nutriram um ódio classista ao líder petista, também estão atordoados. Merval Pereira, o servo “imortal” da famiglia Marinho, irritou-se no jornal O Globo: “Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceitá-la”. Já Míriam Leitão, outra queridinha do império global, decretou na rádio CBN: “Não cabe ao preso escolher ficar na prisão quando a autoridade decide que ele pode sair”. Nas emissoras de rádio e televisão, os comentários daqueles jagunços midiáticos que sempre satanizaram Lula são ainda mais patéticos.
Lula livre; Moro e Dallagnol na cadeia
Mas enquanto se discute a progressão da pena do ex-presidente – o que já é uma vitória parcial –, a situação dos seus carrascos só piora – o que talvez explique a inusitada generosidade dos desalmados. As revelações do site The Intercept, que comprovam os abusos de autoridade da Lava-Jato, e a confissão assassina de Rodrigo Janot, o chefão dos procuradores, podem até acelerar a libertação de Lula. E, como ele mesmo brincou em recente entrevista ao GGN, “o maior prazer seria sair daqui e o Moro entrar no meu lugar. Ele e o Dallagnol”.
Em duas colunas recentes, a jornalista Mônica Bergamo até atiça essa aparente ilusão com a Justiça nativa. Na primeira, publicada na sexta-feira (27), ele informa que “o primeiro teste de Augusto Aras em relação à Lava Jato já tem data certa: em 8 de outubro, o novo procurador-geral participará do julgamento de Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público. É o primeiro caso em que Dallagnol corre o risco de sofrer uma derrota: o placar do caso – um pedido de Renan Calheiros (MDB-AL) para que Dallagnol responda a processo disciplinar por fazer campanha contra ele na internet – já está em 7 a 2, de um total de 14 votos”.
Já na outra nota, publicada nessa segunda-feira (30), ela especula que “a sucessão de reveses do Ministério Público Federal fez com que procuradores passem a defender um novo julgamento para o ex-presidente Lula. De acordo com um dos integrantes do MPF que participou diretamente da Operação Lava Jato na equipe do ex-procurador Rodrigo Janot, seria a única forma de pacificar o país e afastar as inúmeras suspeitas que passaram a pesar sobre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro”.
Juca Kfouri e o “Lula Livre”
Ainda sobre as controvérsias a respeito do semiaberto de Lula, vale conferir o imperdível texto de Juca Kfouri publicado nesta terça-feira (1) na Folha:
*****
Lula livre?
Se eu fosse filho de Lula, irmão dele, seu neto, bisneto, pai, mãe, mulher ou namorada, eu gostaria de vê-lo livre nas condições que lhe oferecem.
Se fosse amigo de Lula, também.
Tanto quanto se lulista fosse.
A namorada, diga-se, discorda.
Como não sou nenhuma das alternativas anteriores, e não sei o que é melhor para ele, deixo aqui apenas o testemunho de quem gosta de Lula.
Há, na imprensa, quem chame de sala VIP o cubículo em que ele está preso há quase um ano e meio.
Estive lá e posso garantir: enlouqueceria em três meses no espaço claustrofóbico em que se encontra.
Esses comunicadores veem razões menores em sua recusa de sair do cárcere, como se porque logo mais terá de voltar em nova condenação.
Lula estaria apenas jogando para a torcida, segundo dizem crer.
Incapazes de reconhecer a grandeza do gesto de alguém que, por indignação, por se considerar injustiçado, diz que não é pombo-correio para usar tornozeleira eletrônica e se recusa a ser solto a não ser inocentado.
Neste país de Silvérios e Paloccis, a cafajestagem tem espaço na mídia para gente tão pequena, incapaz de aceitar o tamanho do adversário.
A história será correta com tais formadores de opinião.
Basta olhar para trás e ver como está nela o advogado Sobral Pinto, que, apesar de ser católico fervoroso a ponto de ir à missa diariamente, defendeu o líder comunista Luís Carlos Prestes.
E nem se trata de exigir generosidade de quem quer que seja, apenas caráter.
Caráter para não ser covarde ao xingar alguém que está preso, lição ensinada pelo jornalista João Saldanha quando o bicheiro Castor de Andrade foi para a prisão, tempos depois de ter invadido seu programa na televisão e ameaçado matá-lo.
Provocado por colega da mesa de debates para criticar Castor, Saldanha respondeu que não falaria de quem não poderia se defender.
Ora, não reconhecer dignidade na recusa de Lula é comportamento de pequenez sem tamanho, com o perdão da aparente contradição.
Vivemos tempos tão sombrios que há quem ofenda a colossal Fernanda Montenegro ou quem cogite não assinar o Prêmio Camões para Chico Buarque de Hollanda – embora ele deva preferir o diploma só com a assinatura do presidente português.
Esses têm a mesma formação dos que se dirigem a Lula como “o presidiário”, como provavelmente fariam em relação a Nelson Mandela se fossem jornalistas na África do Sul em busca das benesses dos que o encarceraram.
Não, não há comparação entre Mandela e Lula, só o registro de comportamentos abjetos, típicos da falta de espinha dorsal.
Nada impede que amanhã Lula resolva ceder aos apelos dos seus, e nem por isso daqui será retirada uma linha sequer. Porque não se deve exigir heroísmo com pescoço alheio, e ninguém melhor que ele para saber o que fazer com o seu.
A pretensão destas linhas se limita a reforçar o direito à dúvida sobre a justiça da sentença, dada a reação do sentenciado e, mais, reconhecer a raridade do gesto, algo jamais visto no Brasil, quiçá no mundo.
Discordo, mas aceito tranquilamente as opiniões dos que o tem como culpado e querem vê-lo morrer na prisão – e na prisão comum.
Entendo os que, intoxicados pela parcialidade, elevaram juízes e procuradores a santos, mesmo que não passem do que as conversas publicadas pelo Intercept Brasil revelam.
Repilo a falta de caráter, a linguagem chula e a desonestidade dos que sabem como a carapuça lhes cabe.
E termino como Sobral Pinto, pedindo a eles a Lei de Proteção aos Animais. Com todo o respeito.
A decisão do ex-presidente Lula de recusar o regime semiaberto definido pelos carrascos da Lava-Jato – “não troco minha dignidade pela minha liberdade”, explicou em carta aberta – segue gerando polêmicas entre os que lutam por sua libertação. Todos gostariam de ver o líder popular, preso injustamente há 540 dias numa cela isolada de Curitiba, novamente junto aos seus familiares e amigos e debatendo política pelo país afora. Mas Lula foi taxativo: “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.
Se entre os seus apoiadores há naturais controvérsias, entre os seus algozes o clima é de embaraço. Direitistas notórios, juízes metidos a justiceiros, bedéis metidos a procuradores e “calunistas” da mídia estão indignados com sua altiva decisão. Os procuradores da Lava-Jato, tendo à frente Deltan Dallagnol, agora afirmam que a progressão da pena ao regime semiaberto será imposta na marra. Eles parecem confirmar a suspeita de que temem uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável à libertação sem condicionantes do Lula.
Os “calunistas” da mídia, que sempre nutriram um ódio classista ao líder petista, também estão atordoados. Merval Pereira, o servo “imortal” da famiglia Marinho, irritou-se no jornal O Globo: “Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceitá-la”. Já Míriam Leitão, outra queridinha do império global, decretou na rádio CBN: “Não cabe ao preso escolher ficar na prisão quando a autoridade decide que ele pode sair”. Nas emissoras de rádio e televisão, os comentários daqueles jagunços midiáticos que sempre satanizaram Lula são ainda mais patéticos.
Lula livre; Moro e Dallagnol na cadeia
Mas enquanto se discute a progressão da pena do ex-presidente – o que já é uma vitória parcial –, a situação dos seus carrascos só piora – o que talvez explique a inusitada generosidade dos desalmados. As revelações do site The Intercept, que comprovam os abusos de autoridade da Lava-Jato, e a confissão assassina de Rodrigo Janot, o chefão dos procuradores, podem até acelerar a libertação de Lula. E, como ele mesmo brincou em recente entrevista ao GGN, “o maior prazer seria sair daqui e o Moro entrar no meu lugar. Ele e o Dallagnol”.
Em duas colunas recentes, a jornalista Mônica Bergamo até atiça essa aparente ilusão com a Justiça nativa. Na primeira, publicada na sexta-feira (27), ele informa que “o primeiro teste de Augusto Aras em relação à Lava Jato já tem data certa: em 8 de outubro, o novo procurador-geral participará do julgamento de Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público. É o primeiro caso em que Dallagnol corre o risco de sofrer uma derrota: o placar do caso – um pedido de Renan Calheiros (MDB-AL) para que Dallagnol responda a processo disciplinar por fazer campanha contra ele na internet – já está em 7 a 2, de um total de 14 votos”.
Já na outra nota, publicada nessa segunda-feira (30), ela especula que “a sucessão de reveses do Ministério Público Federal fez com que procuradores passem a defender um novo julgamento para o ex-presidente Lula. De acordo com um dos integrantes do MPF que participou diretamente da Operação Lava Jato na equipe do ex-procurador Rodrigo Janot, seria a única forma de pacificar o país e afastar as inúmeras suspeitas que passaram a pesar sobre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro”.
Juca Kfouri e o “Lula Livre”
Ainda sobre as controvérsias a respeito do semiaberto de Lula, vale conferir o imperdível texto de Juca Kfouri publicado nesta terça-feira (1) na Folha:
*****
Lula livre?
Se eu fosse filho de Lula, irmão dele, seu neto, bisneto, pai, mãe, mulher ou namorada, eu gostaria de vê-lo livre nas condições que lhe oferecem.
Se fosse amigo de Lula, também.
Tanto quanto se lulista fosse.
A namorada, diga-se, discorda.
Como não sou nenhuma das alternativas anteriores, e não sei o que é melhor para ele, deixo aqui apenas o testemunho de quem gosta de Lula.
Há, na imprensa, quem chame de sala VIP o cubículo em que ele está preso há quase um ano e meio.
Estive lá e posso garantir: enlouqueceria em três meses no espaço claustrofóbico em que se encontra.
Esses comunicadores veem razões menores em sua recusa de sair do cárcere, como se porque logo mais terá de voltar em nova condenação.
Lula estaria apenas jogando para a torcida, segundo dizem crer.
Incapazes de reconhecer a grandeza do gesto de alguém que, por indignação, por se considerar injustiçado, diz que não é pombo-correio para usar tornozeleira eletrônica e se recusa a ser solto a não ser inocentado.
Neste país de Silvérios e Paloccis, a cafajestagem tem espaço na mídia para gente tão pequena, incapaz de aceitar o tamanho do adversário.
A história será correta com tais formadores de opinião.
Basta olhar para trás e ver como está nela o advogado Sobral Pinto, que, apesar de ser católico fervoroso a ponto de ir à missa diariamente, defendeu o líder comunista Luís Carlos Prestes.
E nem se trata de exigir generosidade de quem quer que seja, apenas caráter.
Caráter para não ser covarde ao xingar alguém que está preso, lição ensinada pelo jornalista João Saldanha quando o bicheiro Castor de Andrade foi para a prisão, tempos depois de ter invadido seu programa na televisão e ameaçado matá-lo.
Provocado por colega da mesa de debates para criticar Castor, Saldanha respondeu que não falaria de quem não poderia se defender.
Ora, não reconhecer dignidade na recusa de Lula é comportamento de pequenez sem tamanho, com o perdão da aparente contradição.
Vivemos tempos tão sombrios que há quem ofenda a colossal Fernanda Montenegro ou quem cogite não assinar o Prêmio Camões para Chico Buarque de Hollanda – embora ele deva preferir o diploma só com a assinatura do presidente português.
Esses têm a mesma formação dos que se dirigem a Lula como “o presidiário”, como provavelmente fariam em relação a Nelson Mandela se fossem jornalistas na África do Sul em busca das benesses dos que o encarceraram.
Não, não há comparação entre Mandela e Lula, só o registro de comportamentos abjetos, típicos da falta de espinha dorsal.
Nada impede que amanhã Lula resolva ceder aos apelos dos seus, e nem por isso daqui será retirada uma linha sequer. Porque não se deve exigir heroísmo com pescoço alheio, e ninguém melhor que ele para saber o que fazer com o seu.
A pretensão destas linhas se limita a reforçar o direito à dúvida sobre a justiça da sentença, dada a reação do sentenciado e, mais, reconhecer a raridade do gesto, algo jamais visto no Brasil, quiçá no mundo.
Discordo, mas aceito tranquilamente as opiniões dos que o tem como culpado e querem vê-lo morrer na prisão – e na prisão comum.
Entendo os que, intoxicados pela parcialidade, elevaram juízes e procuradores a santos, mesmo que não passem do que as conversas publicadas pelo Intercept Brasil revelam.
Repilo a falta de caráter, a linguagem chula e a desonestidade dos que sabem como a carapuça lhes cabe.
E termino como Sobral Pinto, pedindo a eles a Lei de Proteção aos Animais. Com todo o respeito.
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