terça-feira, 5 de novembro de 2019

Ditadura à vista no Brasil de Bolsonaro?

Por Liszt Vieira, no site Carta Maior:

Creio que não resta mais dúvida de que há um método na loucura do presidente e de seu governo. Eu diria que é um método de aproximações sucessivas a um regime ditatorial. Relembrando a famosa frase da peça Hamlet, de Shakespeare, Há Um Método Nessa Loucura.

Toda vez que surge no noticiário uma acusação séria de crime ou desvio ético do presidente e seu governo, um membro da familícia Bolsonaro faz uma declaração bombástica, de caráter autoritário, que chama a atenção da mídia e leva para o segundo plano o crime ou desvio ético que em geral atinge pessoalmente o presidente ou um importante ministro do seu governo.

Os exemplos são inúmeros, sendo o último um dos mais graves. Para desviar a atenção do depoimento do porteiro do condomínio onde mora o presidente e um dos assassinos da vereadora Marielle, o deputado Eduardo Bolsonaro, o 03 indicado pelo papai para ser embaixador nos EUA, ameaça o país com o retorno do AI-5.

Em termos militares, essas atitudes assemelham-se a manobras de diversificação. Têm sido adotadas não só pelo presidente, mas principalmente pelos seus filhos 02 e 03, já que o 01 anda calado com medo de o STF reabrir o processo contra ele no caso Queiroz, paralisado por liminar do ministro Toffoli, em visível afago à famiglia presidencial.

Além de desviar a atenção de um ato ilegal que pode abalar o governo, essas manobras de diversificação têm a vantagem de testar os limites da democracia. E também de agradar os “incondicionais” que apoiam uma ditadura sugerida pelo presidente, fortalecendo com isso o segmento antidemocrático de sua base de apoio, que parece ser bastante expressivo entre os 20 a 25% do eleitorado que ainda apoiam o presidente.

A declaração insensata do 03 ameaçando o país com outro AI-5 deve ser vista nesse contexto. Os apoiadores exaltados do presidente acham que só uma ditadura resolve o problema do Brasil. Daí ele ter dito, há não muito tempo, que bastava mandar um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal. Essas bazófias, muitas vezes alardeadas pelo filho 02, trazem uma clara mensagem já dita e repetida: só uma ditadura salva o Brasil. Daí a guerra travada contra as instituições democráticas.

Se o Legislativo tem repelido essas iniciativas e escaramuças antidemocráticas, o Judiciário tem se comportado de maneira ambígua. Como se viu nas revelações do Intercept sobre as decisões da Lava Jato, o juiz Sergio Moro e os membros do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, bem como todos os Procuradores envolvidos no processo que condenou, sem provas, o ex-presidente Lula, decidiram contra a lei, contra a Constituição, seguindo perfidamente seus interesses políticos.

Em todo os níveis, encontramos operadores do Direito – Juízes, Procuradores, Promotores – defendendo os interesses políticos e o projeto autoritário do presidente, sendo que muitos deles foram ativistas durante a campanha eleitoral. Tal é o caso, por exemplo, da Promotora bolsonarista do Ministério Público do RJ Carmen Eliza Bastos de Carvalho que usou camiseta do então candidato Bolsonaro e postou foto ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim, um dos responsáveis por quebrar a placa que fazia homenagem à vereadora Marielle. A promotora Carmen Eliza acusou o porteiro do condomínio onde moram Jair Bolsonaro e o assassino, já preso, Ronie Lessa, de haver mentido quando afirmou que o comparsa do assassino disse na portaria que iria na casa do “Seu Jair”. Em tempo record, sem fazer nenhuma perícia no sistema de gravação da portaria do condomínio, apressou-se a defender Bolsonaro, acusando o porteiro. Afinal, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Posteriormente, em atitude surpreendente, Bolsonaro declarou que retirou os áudios das ligações gravadas pela portaria do condomínio, o que implica em reconhecimento de crime, em admitir interferência ilícita em investigação criminal para proteger interesses pessoais.

A Polícia Federal, sob o comando do ministro Sergio Moro, decretou a suspeição do porteiro, antes mesmo de analisar o caso. E o Procurador Geral do Bolsonaro (da República é que ele não é) quer enquadrar o porteiro na Lei de Segurança Nacional. O Estado de Exceção avança, com a conivência do Ministério Público e do Poder Judiciário que, com honrosas exceções, se curva aos desígnios autoritários do Chefe do Executivo e de sua famiglia que não escondem mais seu projeto de implantar uma ditadura no Brasil.

Como ele próprio já disse, ele veio para destruir, não para construir. Está destruindo a educação, a saúde, a pesquisa científica, o meio ambiente, a política externa, a possibilidade de aposentadoria digna aos trabalhadores, está destruindo a autonomia das instituições democráticas do país. Destina recursos previstos a projetos sociais para o mercado, transferindo assim renda dos pobres para os ricos.

Mas são tantos os disparates e aberrações que começa a perder terreno nos setores que ainda lhe apoiam: o mercado, os militares, os evangélicos, os parlamentares que surfaram na onda Bolsonaro da eleição passada.

Compete ao STF fixar os limites ao projeto autoritário do presidente e seu desgoverno de transformar o atual Estado de Exceção em ditadura. Para tanto, o STF deverá superar alguns obstáculos. O primeiro será defender o texto claro da Constituição Federal que só permite prisão após condenação transitada em julgado, isto é, da qual não cabe mais recurso. Isso não impede a prisão preventiva, a qualquer momento, nos casos previstos em lei.

O segundo obstáculo será decidir a liberação do ex-presidente Lula, preso injustamente porque condenado sem provas. O terceiro será autorizar, em vez de proibir, as investigações a respeito dos filhos do presidente, principalmente o 01, atual senador, pela corrupção descarada de desviar recursos públicos para pagar membros das milícias criminosas do Rio de Janeiro.

Mas nem só ao Poder Judiciário cabe esse papel de defesa da democracia. Compete ao Poder Legislativo elaborar e desenvolver uma agenda democrática, superando os setores atrasados e comprometidos com a regressão cultural e política em curso.

Last, but not least, as organizações representativas da sociedade civil devem cerrar fileiras na defesa das liberdades democráticas e na proteção dos direitos individuais, sociais, culturais, econômicos e difusos que formam o tecido vivo das democracias modernas. Cabe à sociedade civil organizada e aos movimentos sociais pressionar as instituições do Estado no sentido de garantir a efetividade dos direitos assegurados pela Constituição e que se encontram agora ameaçados pelo projeto autoritário de um Governo que pretende ir além do Estado de Exceção em direção a uma Ditadura, o paraíso sonhado pela famiglia miliciana de Bolsonaro e seus cúmplices.

Estamos ainda em pleno confronto entre as forças que apoiam o projeto autoritário do presidente e as forças que defendem a democracia. A proposta de um novo AI-5 reflete o que pensam Bolsonaro e seus asseclas que foram obrigados a soprar depois de morder. O próprio filho 03, autor da proposta, retirou o que disse, mas já tinha marcado posição.

Em reação à leviana acusação formulada a toque de caixa contra o porteiro do condomínio onde moram o assassino de Marielle e o “Seu Jair”, a promotora do RJ foi obrigada a se afastar do caso depois que ficou comprovado que não foi pedida perícia oficial das gravações da portaria do condomínio. E uma comissão do Senado, articulada pela oposição, propôs o enquadramento do porteiro no programa de proteção à testemunha.

Como diz o famoso quadro do pintor espanhol Goya, “O Sono da Razão Produz Monstros”, e no Brasil de hoje os monstros estão no poder. Mas há sinais de que a sociedade está despertando e oferece resistência em sua luta pela liberdade e pelos direitos hoje ameaçados. Para tanto, terá de superar os interesses particularistas e as paixões ressentidas e buscar um programa democrático amplo que combine a agenda socioeconômica, a agenda ambiental e a agenda de identidades, integrando-as em um novo projeto político para o Brasil.

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