Por Marcelo Zero
A Cúpula do BRICS em Brasília sinalizou uma clara mudança de rumo na recente geopolítica do Brasil.
Em vez das declarações altissonantes olavistas em defesa da Civilização Ocidental e do Messias Trump e contra o “globalismo” e o “marxismo cultural”, o que se viu foi o reconhecimento pragmático das lideranças da China, da Rússia e do próprio BRICS.
Bolsonaro, o enamorado de Trump, teve de curvar-se à realidade e chegou até mesmo a pedir desculpas à China.
Pode tê-lo feito a contragosto, com sentimento de culpa pela traição ao ídolo.
Mas o fez. Melhor: foi obrigado a fazê-lo.
É evidente que tal mudança não veio das cabeças ocas de Bolsonaro e Ernesto Araújo, que enxergam o mundo com as lentes distorcidas e terraplanistas providas por Olavo de Carvalho e Steve Bannon.
A mudança veio impulsionada pelos interesses objetivos do agronegócio e econômicos de um modo geral, representados no Ministério da Agricultura e no Ministério da Economia, que sabem bem que, hoje em dia, a China é mais importante para o Brasil que os EUA.
Exportamos mais do dobro para a China que para os EUA e temos com ela um superávit dez vezes maior do que com os EUA. Os chineses também investem bem mais no Brasil. É uma questão matemática simples.
Para quem observa o mundo com um mínimo de racionalidade essa mudança era esperada, praticamente inexorável. Por quê?
Por que não há registro, na história da humanidade, de um Império que tenha podido se expandir e se manter sem uma agressiva e consistente política de expansão de seu domínio econômico.
Do Império Romano ao Império Britânico, sempre que as bases econômicas da dominação se fragilização ou ruíram, os impérios ruíram ou encolheram.
Não há império que possa se manter apenas com pressão política e militar.
Pois bem, a geoestratégia da administração Trump tem uma inconsistência fatal.
Os EUA pretendem fazer a “grande disputa pelo poder mundial com China e Rússia”, mas, ao mesmo tempo, vivem um período de forte protecionismo, o qual implica congelamento, fragilização ou encolhimento de sua presença econômica no mundo.
Trump não quer saber de livre comércio ou de expansão econômica internacional.
Não quer saber de novos acordos de livre comércio e pretende revisar os já existentes.
Também quer obrigar as grandes empresas norte-americanas a não mais fazerem grandes investimentos no mundo, mas sim voltar a investir no mercado interno dos EUA. É o America First.
Em outra época e em outra administração, os EUA teriam aproveitado um governo entreguista como o de Bolsonaro para celebrar correndo acordos de livre comércio e fazer investimentos facilitados em áreas estratégicas.
À exceção da Embraer, não o fizeram. Sequer apoiaram a revindicação do Brasil de entrar na OCDE.
Não era do seu interesse. Provavelmente, Trump e Bannon acharam que bastaria a medieval ideologia olavista, o amor de Bolsonaro e alguma aliança militar para assegurar o domínio do Brasil. Quebraram a cara.
Em contraste, a China pratica, há bastante tempo, uma agressiva política de forte expansão de sua presença econômica no mundo. No princípio, essa expansão era basicamente comercial, mas depois se alastrou para os investimentos e, agora, também para área financeira, inclusive com o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS.
A iniciativa da Nova Rota da Seda é uma demonstração dessa expansão avassaladora. Num mundo capitalista em crise permanente, devorado pela renda financeira, a China é a grande locomotiva da economia real.
No Brasil, a China, aproveitando-se da crise e da fragilização proposital do BNDES, que liquidou a única fonte de financiamento pesado de longo prazo, vai entrar com tudo para financiar grandes projetos de infraestrutura.
A China tende a ser, assim, a grande financiadora do nosso desenvolvimento.
Os EUA, protecionistas e nacionalistas, voltados para o America First, não vão competir com os chineses.
O FMI e o Banco Mundial também não vão competir com os bancos chineses.
Não deixa de ser uma grande ironia da História. A China, que durante muito tempo esteve voltada para si mesma, agora tende a ocupar o espaço vazio deixado pelos EUA e aliados.
Até o século XVI, a China era o principal país do mundo, mas, com sua introspecção econômica e política, não disputou a hegemonia geoeconômica e geopolítica mundial com as emergentes potências europeias. Pagou um preço muito caro. Foi invadida, subjugada e humilhada pela Grã-Bretanha e, mais tarde, também pelo Japão.
Aprendeu a lição e não cometerá o mesmo erro. Vem para a disputa e vem para ganhar.
Claro está que os EUA continuarão a ser, por muito tempo, um player muito relevante, especialmente na América Latina. Mas, a não ser que haja uma mudança substancial na geoestratégia incongruente e inconsistente adotada por Trump, eles tendem a encolher, e a China e aliados, como a Rússia, a crescer em sua presença no mundo.
Para o Brasil e outros países a ascensão da China tem uma grande vantagem: ela se apoia num pragmatismo absoluto e se desenvolve sem condicionalidades políticas e ideológicas. Os gatos podem ser pretos ou brancos, podem ser o Lula ou o Bolsonaro. Desde que se disponham a caçar os ratos, está tudo bem.
Para os chineses, o mercado em si é uma entidade politicamente neutra. Eles definem seu sistema como um “socialismo de mercado”. Não é capitalismo porque lá quem manda não são os capitalistas, mas sim o Estado, que usa os mecanismos de mercado para implantar o socialismo. Pelo menos, essa é a tese chinesa.
Agora, se o mercado brasileiro vai funcionar para toda população ou apenas para uma minoria, isso é um problema do Brasil. Eles não costumam interferir na política interna dos países, como os EUA sempre fizeram e fazem.
Contudo, como bem observa Paulo Nogueira Batista Júnior, o Brasil não cabe no quintal de ninguém.
Não podemos ser dependentes de país algum. Somo muito grandes para tanto.
A China, que era, até o início dos anos 80, um país muito pobre, com uma indústria bem menos relevante que a brasileira, tornou-se o que é hoje porque recusou-se a ser dependente. Recusou-se a ser quintal. Criou um modelo que exige joint ventures e parcerias com investidores e países estrangeiros. Usou o mercado a seu favor.
Já Guedes, o ultraneoliberal pinochetista, ficou tão empolgado com a oferta chinesa de disponibilizar US$ 100 bilhões para investimentos no Brasil que logo propôs um acordo de livre comércio com a China. Guedes é um ideólogo extremado do neoliberalismo, não um economista pragmático, com os pés na realidade, como os chineses.
Se fosse, saberia que um acordo desse tipo com a China acabaria de vez com o que sobrou da nossa indústria.
Mas isso mostra a diferença abissal entre o pensamento estratégico da China e a total ausência de pensamento no Brasil de Bolsonaro.
Os chineses pensam o mundo daqui a 50, 100 anos.
Os bolsonaristas não conseguem sequer pensar o mundo de hoje.
Vivem na terra plana do curto prazo.
Com China ou com os EUA, o Brasil vai precisar de um novo governo para voltar a ser soberano e para usar o mercado em benefício de toda a população.
Creio que a maioria já percebeu isso. O resto vai terminar seus dias lendo Olavo de Carvalho.
A Cúpula do BRICS em Brasília sinalizou uma clara mudança de rumo na recente geopolítica do Brasil.
Em vez das declarações altissonantes olavistas em defesa da Civilização Ocidental e do Messias Trump e contra o “globalismo” e o “marxismo cultural”, o que se viu foi o reconhecimento pragmático das lideranças da China, da Rússia e do próprio BRICS.
Bolsonaro, o enamorado de Trump, teve de curvar-se à realidade e chegou até mesmo a pedir desculpas à China.
Pode tê-lo feito a contragosto, com sentimento de culpa pela traição ao ídolo.
Mas o fez. Melhor: foi obrigado a fazê-lo.
É evidente que tal mudança não veio das cabeças ocas de Bolsonaro e Ernesto Araújo, que enxergam o mundo com as lentes distorcidas e terraplanistas providas por Olavo de Carvalho e Steve Bannon.
A mudança veio impulsionada pelos interesses objetivos do agronegócio e econômicos de um modo geral, representados no Ministério da Agricultura e no Ministério da Economia, que sabem bem que, hoje em dia, a China é mais importante para o Brasil que os EUA.
Exportamos mais do dobro para a China que para os EUA e temos com ela um superávit dez vezes maior do que com os EUA. Os chineses também investem bem mais no Brasil. É uma questão matemática simples.
Para quem observa o mundo com um mínimo de racionalidade essa mudança era esperada, praticamente inexorável. Por quê?
Por que não há registro, na história da humanidade, de um Império que tenha podido se expandir e se manter sem uma agressiva e consistente política de expansão de seu domínio econômico.
Do Império Romano ao Império Britânico, sempre que as bases econômicas da dominação se fragilização ou ruíram, os impérios ruíram ou encolheram.
Não há império que possa se manter apenas com pressão política e militar.
Pois bem, a geoestratégia da administração Trump tem uma inconsistência fatal.
Os EUA pretendem fazer a “grande disputa pelo poder mundial com China e Rússia”, mas, ao mesmo tempo, vivem um período de forte protecionismo, o qual implica congelamento, fragilização ou encolhimento de sua presença econômica no mundo.
Trump não quer saber de livre comércio ou de expansão econômica internacional.
Não quer saber de novos acordos de livre comércio e pretende revisar os já existentes.
Também quer obrigar as grandes empresas norte-americanas a não mais fazerem grandes investimentos no mundo, mas sim voltar a investir no mercado interno dos EUA. É o America First.
Em outra época e em outra administração, os EUA teriam aproveitado um governo entreguista como o de Bolsonaro para celebrar correndo acordos de livre comércio e fazer investimentos facilitados em áreas estratégicas.
À exceção da Embraer, não o fizeram. Sequer apoiaram a revindicação do Brasil de entrar na OCDE.
Não era do seu interesse. Provavelmente, Trump e Bannon acharam que bastaria a medieval ideologia olavista, o amor de Bolsonaro e alguma aliança militar para assegurar o domínio do Brasil. Quebraram a cara.
Em contraste, a China pratica, há bastante tempo, uma agressiva política de forte expansão de sua presença econômica no mundo. No princípio, essa expansão era basicamente comercial, mas depois se alastrou para os investimentos e, agora, também para área financeira, inclusive com o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS.
A iniciativa da Nova Rota da Seda é uma demonstração dessa expansão avassaladora. Num mundo capitalista em crise permanente, devorado pela renda financeira, a China é a grande locomotiva da economia real.
No Brasil, a China, aproveitando-se da crise e da fragilização proposital do BNDES, que liquidou a única fonte de financiamento pesado de longo prazo, vai entrar com tudo para financiar grandes projetos de infraestrutura.
A China tende a ser, assim, a grande financiadora do nosso desenvolvimento.
Os EUA, protecionistas e nacionalistas, voltados para o America First, não vão competir com os chineses.
O FMI e o Banco Mundial também não vão competir com os bancos chineses.
Não deixa de ser uma grande ironia da História. A China, que durante muito tempo esteve voltada para si mesma, agora tende a ocupar o espaço vazio deixado pelos EUA e aliados.
Até o século XVI, a China era o principal país do mundo, mas, com sua introspecção econômica e política, não disputou a hegemonia geoeconômica e geopolítica mundial com as emergentes potências europeias. Pagou um preço muito caro. Foi invadida, subjugada e humilhada pela Grã-Bretanha e, mais tarde, também pelo Japão.
Aprendeu a lição e não cometerá o mesmo erro. Vem para a disputa e vem para ganhar.
Claro está que os EUA continuarão a ser, por muito tempo, um player muito relevante, especialmente na América Latina. Mas, a não ser que haja uma mudança substancial na geoestratégia incongruente e inconsistente adotada por Trump, eles tendem a encolher, e a China e aliados, como a Rússia, a crescer em sua presença no mundo.
Para o Brasil e outros países a ascensão da China tem uma grande vantagem: ela se apoia num pragmatismo absoluto e se desenvolve sem condicionalidades políticas e ideológicas. Os gatos podem ser pretos ou brancos, podem ser o Lula ou o Bolsonaro. Desde que se disponham a caçar os ratos, está tudo bem.
Para os chineses, o mercado em si é uma entidade politicamente neutra. Eles definem seu sistema como um “socialismo de mercado”. Não é capitalismo porque lá quem manda não são os capitalistas, mas sim o Estado, que usa os mecanismos de mercado para implantar o socialismo. Pelo menos, essa é a tese chinesa.
Agora, se o mercado brasileiro vai funcionar para toda população ou apenas para uma minoria, isso é um problema do Brasil. Eles não costumam interferir na política interna dos países, como os EUA sempre fizeram e fazem.
Contudo, como bem observa Paulo Nogueira Batista Júnior, o Brasil não cabe no quintal de ninguém.
Não podemos ser dependentes de país algum. Somo muito grandes para tanto.
A China, que era, até o início dos anos 80, um país muito pobre, com uma indústria bem menos relevante que a brasileira, tornou-se o que é hoje porque recusou-se a ser dependente. Recusou-se a ser quintal. Criou um modelo que exige joint ventures e parcerias com investidores e países estrangeiros. Usou o mercado a seu favor.
Já Guedes, o ultraneoliberal pinochetista, ficou tão empolgado com a oferta chinesa de disponibilizar US$ 100 bilhões para investimentos no Brasil que logo propôs um acordo de livre comércio com a China. Guedes é um ideólogo extremado do neoliberalismo, não um economista pragmático, com os pés na realidade, como os chineses.
Se fosse, saberia que um acordo desse tipo com a China acabaria de vez com o que sobrou da nossa indústria.
Mas isso mostra a diferença abissal entre o pensamento estratégico da China e a total ausência de pensamento no Brasil de Bolsonaro.
Os chineses pensam o mundo daqui a 50, 100 anos.
Os bolsonaristas não conseguem sequer pensar o mundo de hoje.
Vivem na terra plana do curto prazo.
Com China ou com os EUA, o Brasil vai precisar de um novo governo para voltar a ser soberano e para usar o mercado em benefício de toda a população.
Creio que a maioria já percebeu isso. O resto vai terminar seus dias lendo Olavo de Carvalho.
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