segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O sequestro que antecedeu o golpe na Bolívia

Por Leonardo Severo, no site Correio da Cidadania:

Mi­lí­cias dos cha­mados “Co­mitês Cí­vicos” da re­gião de Co­cha­bamba, na Bo­lívia – em sin­tonia com o fas­cista Luis Fer­nando Ca­macho, de Santa Cruz –, se­ques­traram e es­pan­caram a pre­feita Pa­tricia Arce, do mu­ni­cípio de Vinto, du­rante quatro horas na úl­tima quarta-feira até ser res­ga­tada pela polícia.

Apesar de sur­rada, obri­gada a ca­mi­nhar por três quilô­me­tros de pés des­calços, ter os ca­belos cor­tados e o corpo pin­tado de tinta ver­melha pela fa­lange “Re­sis­tência Co­chala”, a pre­feita, do Mo­vi­mento Ao So­ci­a­lismo (MAS), par­tido de Evo, se man­teve al­tiva. Mesmo di­ante das cres­centes ame­aças de uma turba com paus e pe­dras, Pa­tricia Arce não re­nun­ciou ao man­dato e rei­terou, di­ante das câ­meras, que daria a pró­pria vida pelas trans­for­ma­ções em curso no país an­dino.

“Não tenho medo de dizer a ver­dade. Estou em um país livre. Não vou calar a boca e se eles querem me matar, que me matem. Por esse Pro­cesso de Mu­danças darei minha vida”, en­fa­tizou Pa­tricia.

Evo vitorioso nas urnas

Der­ro­tado nas urnas em 20 de ou­tubro com uma di­fe­rença de mais de 10% dos votos – o que pela legis­lação elei­toral bo­li­viana ga­rante a re­e­leição do pre­si­dente Evo Mo­rales, que su­perou os 47% – o can­di­dato opo­si­ci­o­nista Carlos Mesa, do Co­mu­ni­dade Ci­dadã, disse des­co­nhecer o re­sul­tado e alegou uma su­posta “fraude”. A fan­tasia ime­di­a­ta­mente foi res­pal­dada por Ca­macho, que passou a or­ga­nizar pa­ra­li­sa­ções, per­se­gui­ções e con­fron­ta­ções que já pro­vo­caram ao menos três mortes e duas cen­tenas de fe­ridos.

Di­ante do acir­ra­mento dos ânimos – açu­lado pelos grandes meios de co­mu­ni­cação pri­vados -, pron­ta­mente o go­verno con­cordou com a re­a­li­zação de uma au­di­toria por parte do Tri­bunal Su­pe­rior Elei­toral, com acom­pa­nha­mento da Or­ga­ni­zação dos Es­tados Ame­ri­canos (OEA).
Sem ar­gu­mentos, uma vez que havia che­gado a até mesmo queimar urnas, a opo­sição passou a se negar a re­co­nhecer a au­di­toria, ex­pondo o seu au­to­ri­ta­rismo, como bem de­nun­ci­aram os mo­vi­mentos so­ciais. A ma­ni­fes­tação de 200 mil mu­lheres do mo­vi­mento Bar­to­lina Siza, em Co­cha­bamba, deu a di­mensão do quanto os se­tores gol­pistas são mi­no­ri­tá­rios.

Basta de violência!

Na quinta-feira, o vice-pre­si­dente Ál­varo García Li­nera fez uma con­cla­mação para que a opo­sição acei­tasse a via de­mo­crá­tica e de­ti­vesse a es­ca­lada de vi­o­lência, que só pre­ju­dica os se­tores mais vulne­rá­veis da po­pu­lação. “Se­nhor Mesa, se­nhor Ca­macho, basta de pro­mover a vi­o­lência, aceitem a via ins­ti­tu­ci­onal e de­mo­crá­tica, a au­di­toria da OEA.

Não pro­movam mais vi­o­lência e não pre­ju­di­quem mais às pes­soas, não afetem cam­po­neses, ar­te­sãos, co­mer­ci­antes, ar­tistas, vi­zi­nhos e pe­quenos pro­pri­e­tá­rios que estão sendo mal­tra­tados por estas convo­ca­ções”, res­saltou.

Con­forme Li­nera, o fato de a opo­sição ter in­cen­diado Tri­bu­nais Elei­to­rais em cinco de­par­ta­mentos, ata­cado co­mitês de cam­panha e pro­vo­cado mortes nos en­fren­ta­mentos ocor­ridos no dia 30 de outubro, em Mon­tero (Santa Cruz), e nesta quarta, na ci­dade de Co­cha­bamba, são re­sul­tado do clima es­praiado por Mesa e Ca­macho.

O re­no­mado in­te­lec­tual bo­li­viano também citou o ataque de mo­to­queiros mas­ca­rados a uma marcha pa­cí­fica de mu­lheres das 16 pro­vín­cias de Co­cha­bamba; o fogo co­lo­cado na sede da Pre­fei­tura de Vinto e os cri­mi­nosos abusos co­me­tidos por fa­lan­gistas contra a se­nhora pre­feita como exem­plos de que tais se­tores pas­saram com­ple­ta­mente dos li­mites, “uma ver­gonha mun­dial”.

Frente a tanta con­fron­tação, apontou Li­nera, a me­lhor forma de so­lu­ci­onar o con­flito é es­perar os resul­tados da au­di­toria, já que esta ve­ri­fi­cação está em curso de­vido às de­nún­cias feitas – sem provas – pelo can­di­dato Carlos Mesa.

“Um par­tido ga­nhou, porém o par­tido per­dedor diz que houve fraude e não apre­senta provas, mas as es­conde. Uma au­di­toria foi con­vo­cada para que se ve­ri­fi­quem os re­sul­tados. Assim é como deve ser re­sol­vida a si­tu­ação, pela via ins­ti­tu­ci­onal, foi como apro­varam os países da re­gião e as Na­ções Unidas. Basta de vi­o­lência, basta de jo­vens mal­tra­tados, es­pe­remos o tra­balho da OEA”, acres­centou.

Em re­lação aos pro­testos re­a­li­zados por opo­si­tores no centro da ca­pital, La Paz, o vice-pre­si­dente as­se­gurou que “nunca ha­verá in­ter­venção en­quanto forem pa­cí­ficos”, e “há mar­chas que sobem e descem sem que nin­guém seja mo­les­tado”. O pro­blema, es­cla­receu, é que quando chega a “hora do no­ti­ciário” da te­le­visão, perto das 19 horas, oca­sião em que “apa­recem es­cudos, fogos de ar­ti­fício e di­na­mites”. “Em ma­ni­fes­ta­ções de­mo­crá­ticas não se pode in­tervir. Porém, quando se lançam bombas mo­lotov e ex­plo­sivo mo­di­fi­cado contra a Po­lícia, quando se buscam fe­ridos e mortos, não se tratam de ma­ni­fes­ta­ções. Trata-se de atentar contra a de­mo­cracia”, con­cluiu.

Nota da Re­dação:

Após pres­sões mi­li­tares, os pre­si­dentes dos tri­bu­nais elei­to­rais e das duas casas le­gis­la­tivas renunciaram. Evo Mo­rales re­cebeu ordem de prisão de po­li­ciais e, ao se dar conta da perda total do con­trole, su­geriu novas elei­ções. Mesmo assim, foi de­sa­lo­jado do Pa­lacio Que­mado por um movimento mi­litar e re­nun­ciou à pre­si­dência da Bo­lívia. O líder re­li­gioso Luis Fer­nando Ca­macho afirmou ao pú­blico que a “pa­cha­mama não re­tor­nará. A Bo­lívia é de Cristo”. Não se sabe o que seria de seu des­tino até a pu­bli­cação deste texto.

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