segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A cultura incomoda, Bolsonaro?

Por Jandira Feghali, no site Mídia Ninja:

As rodas do jongo ritmado, dos tambores alucinados, as cavalhadas na terra vermelha do Centro-Oeste, as danças indígenas em roda, o tecido branco das saias rendadas e os turbantes estampados do Ilê, as fitas em movimento no frio dos pampas, a congada, os pretos-velhos em círculo, os santos, os milhares de pontos potentes que se manifestam, a nudez e todas as obras de drama ou comédia que ocupam os palcos, a produção cada vez mais diversificada e poderosa das telas, os grafites que impressionam, as imagens desenhadas, pintadas, impressas ou esculpidas surgidas da imaginação ou da vida, a pluralidade musical impactante e emocionante, os textos, histórias e poemas que voam das páginas e gargantas, os sabores e saberes, as igrejas, templos, terreiros… Alguém imagina que alguma dessas expressões possa ou deva ser impedida?

Alguém que ouve música ou pisa num teatro, numa sala de cinema, que viaja nas páginas de um livro consegue anular esses fatos da vida? Pode apoiar a asfixia financeira ou a destruição de obras e espaços em nome de um único gosto, ideia ou religião? Usar dinheiro público, de toda a sociedade, para apoiar uma só forma de arte e pensamento? Para o Governo Bolsonaro, de base ideológica autoritária, a liberdade incomoda, e muito, seus atrasos, seus recalques, suas miopias de mundo e abstinências.

Conhecimento, identidade, potência e capacidade crítica são elementos transformadores. Cultura é além do que se vê ou se toca, mas o que se é. Possibilitar que o povo seja potencializado pelo trinômio educação, ciência e cultura é emancipador e transformador. E é justamente por isso que o governo estabeleceu seus alvos ideológicos e atirou suas mordaças.

Nas últimas semanas foi a gota d’água. Um péssimo intérprete de Goebbels (responsável pela propaganda nazista) num vídeo institucional da Secretaria Especial de Cultura. Anunciava “uma nova era”, uma “nova Cultura” e “civilização”. Foi aí que revelou demais a própria face e do Governo. Grande e péssima repercussão, inclusive na comunidade judaica, e foi expulso do jogo. Resolveu? Não. É só recuperar o histórico das opiniões e ações deste governo para entender sua essência. Desprezo pela maioria do povo, desemprego, anulação de direitos, extinção de todos os órgãos democráticos de controle social, elogios constantes à tortura, ao AI-5, agressão à memória de mortos e desaparecidos, aumento da letalidade policial sobre a população negra, misoginia, armas, preconceito, ódio ao diferente, ao que diverge, à Esquerda.

São apenas alguns registros entre tantos para que vejamos que os sinais sempre foram bem fortes.

E lá vem Regina, atriz nacionalmente conhecida não só pelos trabalhos na dramaturgia, mas também por sua identidade com as posições mais conservadoras de Bolsonaro. Lamentável! Na realidade, a atriz ainda não disse a que veio. Não trouxe perspectivas, projetos, metas em todas as suas falas e posicionamentos públicos. Circula pelo extinto MINC entregando apenas sorrisos. De nós, da Oposição, de muitos artistas e sociedade civil, terá a luta diária pela defesa e manutenção das liberdades individuais, de expressão, de fomento à Cultura sem olhar a quem, sem que o Estado decida o que é cultura, sem proibições ideológicas ou cortes estratégicos no setor. O Brasil não pode se curvar aos atrasos do bolsonarismo, muito menos a arte.

Atitude democrática e comportamento republicano é o mínimo que se espera da futura-quem-sabe-gestora da Cultura. Porque deste Governo, ah! Sabemos o que esperar. Do escrúpulo fascista de repousar o livro de um torturador na principal mesa do Palácio do Planalto a impropérios e ações diárias contra o trabalhador brasileiro, contra as mulheres, os negros, as minorias étnicas, lideranças sociais da cidade e do campo, jornalistas, intelectuais da academia e do povo.

Nós, os que fazemos ou defendemos a Cultura e a diversidade brasileiras, continuaremos a tocar mentes, corações e almas com nossas ideias, bandeiras, certezas e incertezas. Seja nas redes ou nas ruas. Com nossas cores, rendas, vestidos, nudez, corpos, pinturas, palavras, desenhos, danças, molejos, rebolados. Com o santo, com o axé, com a macumba, ou com a não-fé. Incomodando, fazendo pensar, criando, expressando, cantando. E, acima de tudo, resistindo e transformando.

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