Por Robson Ribeiro, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
A Revolução Verde, marco do início do processo de transformação agrícola no mundo, que se dá no Brasil a partir da década de 1960, ganha destaque no país e passa inclusive a ser central na agenda governamental e é responsável por impactos expressivos nas relações de trabalho e no aumento de insumos químicos na agricultura.
Uma vez que o crescimento da produção agrícola, por meio do melhoramento genético de sementes, utilização de grande quantidade de produtos químicos e mecanização do meio rural brasileiro passaram a ser destaque nos meios de comunicação, iniciou-se um processo de desagregação da vida no campo e da cultura camponesa, alargando as desigualdades socioterritorais que sempre marcaram o meio rural e intensificando o processo de empobrecimento no campo, iniciando inclusive um processo de favelização do meio rural, sem registros até então.
Pequenos agricultores tiveram que vender suas terras e passaram a ser funcionários de grandes fazendeiros, intensa migração de áreas rurais para centros urbanos em busca de emprego, aumento do número de favela em zonas rurais, intensificação de impactos ambientais devido insumos químicos utilizados em grande escala, para além dos inúmeros casos de contaminação humana e ambiental devido uso de agrotóxicos.
Esse processo permitiu um aumento da concentração de terras e de renda, deixando o pequeno agricultor a mercê do trabalho empregado, sazonal, com poucos direitos e com os riscos oriundos do pacote químico. Esse cenário é impulsionado pela isenção fiscal em alguns produtos químicos e o incentivo, por meio de financiamentos, para a mecanização em massa.
Direitos sociais
Vivemos um momento de intensa fragilidade em relação ao direitos sociais conquistados arduamente pela sociedade civil. A política pública que tem a funcionalidade de propiciar para a população segurança social vem sofrendo sérios ataques e perdendo sua função principal. Destacam-se os recentes debates sobre a Reforma da Previdência, que traz consequências para os que vivem do trabalho rural, e também o aumento da quantidade de agrotóxicos autorizados para comercialização no Brasil, que alargam os quadros de vulnerabilidades sociais e ambientais.
Entre os mais de 63 agrotóxicos, extremamente agressivos, liberados recentemente para comercialização no Brasil, alguns inclusive de uso proibido na União Europeia, estão o sulfoxaflor e o imazipir, com registro de mortandade de abelhas em todo o mundo. Ribeirão Branco, inclusive, faz uso de agrotóxicos ainda proibidos no Brasil.
Mortalidade infantil
No Brasil, a taxa de Mortalidade na Infância foi de 14,4 e na região Sudeste foi de 13,1. Em Ribeirão Branco, esse número foi de 30,51, segundo IBGE (2017), quase três vezes maior do que da região Sudeste. Em 2014, Ribeirão Branco tinha a taxa de MI de 13,29.
As altas taxas de mortalidade na infância no município de Ribeirão Branco colocam a cidade entre as 30 com maior incidência do caso no estado de São Paulo. É possível que especificamente em Ribeirão Branco esses números acompanhem a má qualidade da política de saúde ofertada à população.
O aumento expressivo dos casos de mortalidade na infância no município está aliado ao fechamento de unidades de saúde, que deixaram os bairros mais afastados do centro do município sem atendimento médico. Atualmente, essas unidades de saúde ofereçam apenas atendimento com enfermeiros durante o ano todo, pois segundo relatos coletados no trabalho de campo, o atendimento médico é oferecido apenas em cidades vizinhas.
Além disso, há uma precariedade no atendimento e acompanhamento pré-natal, pois atualmente os profissionais que faziam esse atendimento durante longos anos, foram sendo substituídos nos últimos três anos.
A essa questão deve ser adicionado o fato das inúmeras vulnerabilidades socioterritoriais presentes na região, como ausência de cobertura integral de saneamento básico, ausência de políticas de meio ambiente e serviços públicos de saúde deficitários.
É necessário que sejam realizadas essas conexões, pois as mesmas indicam que não é mera coincidência os casos de mortalidade na infância estarem conectados com os agrotóxicos atualmente mais utilizados nas lavouras no município de Ribeiro Branco, no trechos da entrevista a seguir, esse entrelaçamento dos casos de mortalidade na infância, das diversas doenças e sintomas mencionados dão mais concretude para nossa correlação.
Eu tava grávida, nas primeiras semanas mesmo, daí fui ensaboar as roupas dele que tinha passado veneno lá nos tomates, na hora eu não senti nada, mas quando fui dormir eu tive sangramento e perdi o neném (Agricultora, 56 anos, entrevista concedida em trabalho de campo em 17\10\2019).
Ao todo, eu já tive uns seis abortos. Eu engravidava, ia pra roça normal e antes dos três meses eu já perdia. O médico, falou que era por causa do veneno e eu precisava ficar em casa para conseguir segurar a criança. Do último, eu segurei sete meses, daí não aguentei e fui ajudar a colher tomate. Perdi, mas o médico disse que se nascesse ia ser deficiente. Adotar nem tem como, não passei nos testes, nós vive pra trabalhar, a psicóloga disse que não pode adotar pra deixar com a vizinha pra ela cuidar (Agricultora, 56 anos, entrevista concedida em trabalho de campo em 17\10\2019).
As entrevistas acima desvelam as vulnerabilidades vivenciadas no município de Ribeirão Branco, onde fica evidenciado na fala da agricultora que o próprio corpo de saúde do município reconhece a existência da relação agrotóxicos e mortalidade na infância.
Trabalho precarizado
Ribeirão Branco, atualmente, dispõe relações de trabalho bastante precarizadas, com insuficiência de políticas públicas e expansão do empobrecimento da população. No município, nos períodos de sazonalidade, Programas de Transferência de Renda são os responsáveis pelo sustento da maioria da população.
***
Outra questão alarmante constatada pelas autoridades na ação fiscal foi a remessa de roupas contaminadas para a casa dos empregados das fazendas. Em muitos pontos viu-se a instalação de locais para higienização das vestimentas, mas, em outros, além da inexistência desses lavatórios, os trabalhadores e trabalhadoras também levavam as roupas de aplicação de venenos para casa – e, consequentemente, o agrotóxico para o convívio da família.
Mas não foi apenas na pulverização que foram encontradas irregularidades. A ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) chamou atenção em algumas propriedades visitadas, notadamente no município de Apiaí. Em uma das fazendas, os fiscais encontraram trabalhadores e trabalhadoras descalços.
No Sítio Vale do Sol, que faz limite entre Itapeva e Taquarivaí, foram tomados depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras que trabalhavam mais de 12 horas por dia, de forma que entravam às 7h e iam embora entre 19h e 22h, sem qualquer controle de ponto. Portanto, os colhedores não recebiam horas extras ou hora in itinere. (Assessoria de Comunicação da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, 2010).
***
Em tempos de prevalência do viés mercadológico e intensificação do ideário de crescimento econômico a qualquer custo, a morte pode ser o ônus dessas escolhas realizadas. Observa-se que o tempo entre nascer e morrer se tornou banal, pois as noções de desenvolvimento implementadas no Brasil nas últimas décadas deixaram o lastro inclusive de desagregação de elementos culturais importantes principalmente para as populações que vivem no meio rural.
O modelo de modernização da agricultura, com a adoção dos parâmetros da Revolução Verde, não atendeu às necessidades básicas da grande massa dos trabalhadores rurais, principalmente aqueles que praticavam a agricultura como forma de subsistência, permanecendo então os altos índices de pobreza, enquanto os latifúndios e os complexos agroindustriais são cada vez mais fortalecidos.
Diante dessa crítica ao modelo convencional de desenvolvimento, é possível observar um novo discurso desse mesmo processo e que promete diminuir a pobreza e a desigualdade social, possibilita o desenvolvimento tecnológico em áreas rurais e a oferta de alimentação de qualidade, bem como a erradicação da fome, chamado aqui de terceira revolução verde.
É notório que em territórios onde há grande concentração do agronegócio, as relações políticas e a condução dos modos de vida da população também são direcionadas para atender as finalidades do “desenvolvimento”, cabe então, nos espaços da universidade pautar essa problemática e denunciar que o agrotóxico está interrompendo sonhos e vidas.
O estudo desenvolvido como pesquisa de mestrado em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe na Unesp buscou compreender a relação entre os riscos introduzidos nos territórios rurais com a modernização do campo e o consequente alargamento das desigualdades socioterritoriais, a partir do processo de otimização da produção agrícola, especificamente no cultivo do tomate.
Concomitante a isso, entender as conexões entre a intensificação da precarização do trabalho e a utilização de agrotóxicos visando alavancar a produtividade na relação com o aumento significativo de casos de mortalidades na infância (0 a 5 anos) no município de Ribeirão Branco, região do Vale do Ribeira, São Paulo.
Concomitante a isso, entender as conexões entre a intensificação da precarização do trabalho e a utilização de agrotóxicos visando alavancar a produtividade na relação com o aumento significativo de casos de mortalidades na infância (0 a 5 anos) no município de Ribeirão Branco, região do Vale do Ribeira, São Paulo.
A Revolução Verde, marco do início do processo de transformação agrícola no mundo, que se dá no Brasil a partir da década de 1960, ganha destaque no país e passa inclusive a ser central na agenda governamental e é responsável por impactos expressivos nas relações de trabalho e no aumento de insumos químicos na agricultura.
Uma vez que o crescimento da produção agrícola, por meio do melhoramento genético de sementes, utilização de grande quantidade de produtos químicos e mecanização do meio rural brasileiro passaram a ser destaque nos meios de comunicação, iniciou-se um processo de desagregação da vida no campo e da cultura camponesa, alargando as desigualdades socioterritorais que sempre marcaram o meio rural e intensificando o processo de empobrecimento no campo, iniciando inclusive um processo de favelização do meio rural, sem registros até então.
Pequenos agricultores tiveram que vender suas terras e passaram a ser funcionários de grandes fazendeiros, intensa migração de áreas rurais para centros urbanos em busca de emprego, aumento do número de favela em zonas rurais, intensificação de impactos ambientais devido insumos químicos utilizados em grande escala, para além dos inúmeros casos de contaminação humana e ambiental devido uso de agrotóxicos.
Esse processo permitiu um aumento da concentração de terras e de renda, deixando o pequeno agricultor a mercê do trabalho empregado, sazonal, com poucos direitos e com os riscos oriundos do pacote químico. Esse cenário é impulsionado pela isenção fiscal em alguns produtos químicos e o incentivo, por meio de financiamentos, para a mecanização em massa.
Direitos sociais
Vivemos um momento de intensa fragilidade em relação ao direitos sociais conquistados arduamente pela sociedade civil. A política pública que tem a funcionalidade de propiciar para a população segurança social vem sofrendo sérios ataques e perdendo sua função principal. Destacam-se os recentes debates sobre a Reforma da Previdência, que traz consequências para os que vivem do trabalho rural, e também o aumento da quantidade de agrotóxicos autorizados para comercialização no Brasil, que alargam os quadros de vulnerabilidades sociais e ambientais.
Entre os mais de 63 agrotóxicos, extremamente agressivos, liberados recentemente para comercialização no Brasil, alguns inclusive de uso proibido na União Europeia, estão o sulfoxaflor e o imazipir, com registro de mortandade de abelhas em todo o mundo. Ribeirão Branco, inclusive, faz uso de agrotóxicos ainda proibidos no Brasil.
Mortalidade infantil
No Brasil, a taxa de Mortalidade na Infância foi de 14,4 e na região Sudeste foi de 13,1. Em Ribeirão Branco, esse número foi de 30,51, segundo IBGE (2017), quase três vezes maior do que da região Sudeste. Em 2014, Ribeirão Branco tinha a taxa de MI de 13,29.
As altas taxas de mortalidade na infância no município de Ribeirão Branco colocam a cidade entre as 30 com maior incidência do caso no estado de São Paulo. É possível que especificamente em Ribeirão Branco esses números acompanhem a má qualidade da política de saúde ofertada à população.
O aumento expressivo dos casos de mortalidade na infância no município está aliado ao fechamento de unidades de saúde, que deixaram os bairros mais afastados do centro do município sem atendimento médico. Atualmente, essas unidades de saúde ofereçam apenas atendimento com enfermeiros durante o ano todo, pois segundo relatos coletados no trabalho de campo, o atendimento médico é oferecido apenas em cidades vizinhas.
Além disso, há uma precariedade no atendimento e acompanhamento pré-natal, pois atualmente os profissionais que faziam esse atendimento durante longos anos, foram sendo substituídos nos últimos três anos.
A essa questão deve ser adicionado o fato das inúmeras vulnerabilidades socioterritoriais presentes na região, como ausência de cobertura integral de saneamento básico, ausência de políticas de meio ambiente e serviços públicos de saúde deficitários.
É necessário que sejam realizadas essas conexões, pois as mesmas indicam que não é mera coincidência os casos de mortalidade na infância estarem conectados com os agrotóxicos atualmente mais utilizados nas lavouras no município de Ribeiro Branco, no trechos da entrevista a seguir, esse entrelaçamento dos casos de mortalidade na infância, das diversas doenças e sintomas mencionados dão mais concretude para nossa correlação.
Eu tava grávida, nas primeiras semanas mesmo, daí fui ensaboar as roupas dele que tinha passado veneno lá nos tomates, na hora eu não senti nada, mas quando fui dormir eu tive sangramento e perdi o neném (Agricultora, 56 anos, entrevista concedida em trabalho de campo em 17\10\2019).
Ao todo, eu já tive uns seis abortos. Eu engravidava, ia pra roça normal e antes dos três meses eu já perdia. O médico, falou que era por causa do veneno e eu precisava ficar em casa para conseguir segurar a criança. Do último, eu segurei sete meses, daí não aguentei e fui ajudar a colher tomate. Perdi, mas o médico disse que se nascesse ia ser deficiente. Adotar nem tem como, não passei nos testes, nós vive pra trabalhar, a psicóloga disse que não pode adotar pra deixar com a vizinha pra ela cuidar (Agricultora, 56 anos, entrevista concedida em trabalho de campo em 17\10\2019).
As entrevistas acima desvelam as vulnerabilidades vivenciadas no município de Ribeirão Branco, onde fica evidenciado na fala da agricultora que o próprio corpo de saúde do município reconhece a existência da relação agrotóxicos e mortalidade na infância.
Trabalho precarizado
Ribeirão Branco, atualmente, dispõe relações de trabalho bastante precarizadas, com insuficiência de políticas públicas e expansão do empobrecimento da população. No município, nos períodos de sazonalidade, Programas de Transferência de Renda são os responsáveis pelo sustento da maioria da população.
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Relato Ministério Público do Trabalho e fiscalização rural pressionam produtores de tomate no Vale do Ribeira
Apesar da erradicação do trabalho infantil e da moradia irregular de famílias dentro dos tomatais – em decorrência, principalmente, da migração de mão-de-obra de outros estados e do salário por produção -, ainda há questões de desrespeito aos direitos coletivos dos plantadores, especialmente no tocante à aplicação de defensivos agrícolas.
Procuradores e auditores fiscais flagraram trabalhadores e trabalhadoras sem máscara de proteção contra agrotóxicos, sem treinamento específico para aplicação de veneno e casos de queima de embalagens de defensivos em plena Área de Preservação Permanente – registrados em propriedades de Ribeirão Branco.
Apesar da erradicação do trabalho infantil e da moradia irregular de famílias dentro dos tomatais – em decorrência, principalmente, da migração de mão-de-obra de outros estados e do salário por produção -, ainda há questões de desrespeito aos direitos coletivos dos plantadores, especialmente no tocante à aplicação de defensivos agrícolas.
Procuradores e auditores fiscais flagraram trabalhadores e trabalhadoras sem máscara de proteção contra agrotóxicos, sem treinamento específico para aplicação de veneno e casos de queima de embalagens de defensivos em plena Área de Preservação Permanente – registrados em propriedades de Ribeirão Branco.
Outra questão alarmante constatada pelas autoridades na ação fiscal foi a remessa de roupas contaminadas para a casa dos empregados das fazendas. Em muitos pontos viu-se a instalação de locais para higienização das vestimentas, mas, em outros, além da inexistência desses lavatórios, os trabalhadores e trabalhadoras também levavam as roupas de aplicação de venenos para casa – e, consequentemente, o agrotóxico para o convívio da família.
Mas não foi apenas na pulverização que foram encontradas irregularidades. A ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) chamou atenção em algumas propriedades visitadas, notadamente no município de Apiaí. Em uma das fazendas, os fiscais encontraram trabalhadores e trabalhadoras descalços.
No Sítio Vale do Sol, que faz limite entre Itapeva e Taquarivaí, foram tomados depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras que trabalhavam mais de 12 horas por dia, de forma que entravam às 7h e iam embora entre 19h e 22h, sem qualquer controle de ponto. Portanto, os colhedores não recebiam horas extras ou hora in itinere. (Assessoria de Comunicação da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, 2010).
***
Em tempos de prevalência do viés mercadológico e intensificação do ideário de crescimento econômico a qualquer custo, a morte pode ser o ônus dessas escolhas realizadas. Observa-se que o tempo entre nascer e morrer se tornou banal, pois as noções de desenvolvimento implementadas no Brasil nas últimas décadas deixaram o lastro inclusive de desagregação de elementos culturais importantes principalmente para as populações que vivem no meio rural.
O modelo de modernização da agricultura, com a adoção dos parâmetros da Revolução Verde, não atendeu às necessidades básicas da grande massa dos trabalhadores rurais, principalmente aqueles que praticavam a agricultura como forma de subsistência, permanecendo então os altos índices de pobreza, enquanto os latifúndios e os complexos agroindustriais são cada vez mais fortalecidos.
Diante dessa crítica ao modelo convencional de desenvolvimento, é possível observar um novo discurso desse mesmo processo e que promete diminuir a pobreza e a desigualdade social, possibilita o desenvolvimento tecnológico em áreas rurais e a oferta de alimentação de qualidade, bem como a erradicação da fome, chamado aqui de terceira revolução verde.
É notório que em territórios onde há grande concentração do agronegócio, as relações políticas e a condução dos modos de vida da população também são direcionadas para atender as finalidades do “desenvolvimento”, cabe então, nos espaços da universidade pautar essa problemática e denunciar que o agrotóxico está interrompendo sonhos e vidas.
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