Por Nara Lacerda, no jornal Brasil de Fato:
Ainda nos primeiros dias da atual gestão, em janeiro de 2019, o governo de Jair Bolsonaro já dava mostras de que levaria à prática o tom dado às questões fundiárias durante a campanha eleitoral. Com o passar dos meses, as afirmações bélicas se tornaram atos de governo. As declarações seguiram numa crescente de agressividade que, de acordo com observadores, tornaram ainda mais sensíveis as relações no campo.
No período eleitoral, Bolsonaro defendeu fechar escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dar retaguarda jurídica para quem matasse ocupantes de terra e por fim à desapropriação de áreas de proprietários denunciados por trabalho escravo, além de ter comparou trabalhadores rurais a terroristas.
Em 5 de janeiro, antes mesmo de o governo completar uma semana, o primeiro ato de violência foi registrado. Seguranças privados mataram uma pessoa e feriram outras oito em uma ocupação na Fazenda Agropecuária Bauru, em Colniza (MT). Na ocasião, a fala de um dos seguranças envolvidos já mostrava que o discurso agressivo do governo influenciou o clima de permissividade aos atos violentos.
“Houve invasão dos sem-terra, que agora não é mais sem-terra. Segundo Bolsonaro, são bandidos…morreram dois bandidos e cinco baleados, estão no hospital” – afirmou o chefe dos seguranças ao site de notícias de Cuiabá VG News, em reportagem da jornalista Edina Araújo. Quatro deles foram presos em flagrante por homicídio e tentativa de homicídio. Mas a Justiça liberou os acusados dois dias depois do crime.
Ainda em janeiro, o governo determinou a interrupção de todos os processos para compra e demarcação de terras para assentamentos.
Algumas semanas depois o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, chamou as escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de “fabriquinhas de ditadores” e disse que o governo trabalharia para fechar as instituições, que atendem mais de 200 mil crianças e jovens.
Função social da terra
O doutor em economia pela Universidade de Campinas e membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Guilherme Delgado, avalia que os processos regressivos no campo não são de agora, mas anteriormente eram aparentemente conciliáveis com o estado de direito. Hoje o sistema apela para um quadro de violência explícita.
“Há também outros atos de violência, que não necessariamente se traduzem no imediato em violência direta. Falo por exemplo da proposta de Emenda Constitucional número 80/2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro, que pretende liquidar com a função social da propriedade da terra, promovendo uma espécie de 'liberou geral' às relações de trabalho e relações ambientais, que até o presente, pelo menos conceitualmente limitam o direito de propriedade. Ao escancarar de forma explícita a pretensão dos direitos de propriedade absolutos, algo que se fazia antes de forma disfarçada, o atual governo, se por um lado atende às muitas frações direitistas da chamada economia política do agronegócio, se isola internacionalmente, por outro lado, por se colocar em posição indefensável com relação à questão ambiental.”
Em meio a escalada da retórica violenta do governo federal, administrações estaduais, também conservadoras, começaram a agir.
Na última semana de fevereiro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) determinou o encerramento das atividades da Escola Estadual Eduardo Galeano. A instituição funcionava há três anos no acampamento Quilombo Campo Grande, sem apoio do governo nem mesmo para transporte e alimentação.
Dias depois, na Chapada Diamantina (BA), a Polícia Militar invadiu residências do acampamento Mãe Terra, na Chapada Diamantina, e prendeu dois trabalhadores rurais, mesmo sem mandado.
Em Pernambuco, 450 famílias foram surpreendidas por uma ordem de despejo no acampamento da usina Maravilha, município de Goiana, na região da Mata Norte. O local estava ocupado desde 2012, com produção de alimentos, casas e uma escola e um processo em andamento no Incra, que destinava parte da área para a reforma agrária.
No Oeste do Paraná, a justiça determinou a reintegração de posse do pré-assentamento Jangadinha, no município de Cascavel. Parte das famílias que ocupavam o local tinham promessa de assentamento há vinte anos e o assentamento produzia 2 mil quilos de alimentos por semana.
Frentes de ataque
A tentativa de enfraquecimento dos movimentos sociais que lutam pela terra não ficou só no discurso.
Ainda em fevereiro O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebeu a determinação de cessar negociações com entidades sem CNPJ, o que paralisou diversas frentes de diálogo. Dias depois, sob recomendação do Ministério Público Federal, o governo voltou atrás, com o alerta de que a medida poderia abrir espaço para ilegalidades e inconstitucionalidades.
O recuo, no entanto, foi seguido por uma ordem do general João Carlos de Jesus Corrêa, que determinava a “expressa suspensão” das vistorias nos imóveis rurais, alegando cortes orçamentários.
Isolete Wichinieski, economista e coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, avalia que há uma tentativa de esvaziamento dos processos de assentamento.
“Todos os órgãos relacionados à questão da reforma agrária e à questão da terra foram praticamente desmontados. Todas as políticas que tinham no campo estão praticamente a zero. Para complicar a situação, você tem o desmonte dos processos de posse das comunidades. Assentamentos e acampamentos com mais de dez anos, com processos de emissão de posse, estão sendo expulsos da sua terra.”
No mês de abril, Bolsonaro voltou a atacar o MST diretamente.
Em uma transmissão ao vivo no Facebook, ele afirmou que pretendia tipificar as ocupações do movimento como atos de terrorismo e defendeu que proprietários possam atirar e matar ocupantes sem que a ação seja considerada crime.
Pouco mais de uma semana depois, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que havia acabado de tomar posse, afirmou que o governo pretendia encerrar repasses financeiros a escolas do campo ligadas ao MST, que atendem mais de 200 mil crianças.
“Isso tem que acabar. (A ideia) não é fechar escolinha, é cortar gasolina. Quer fazer, faz com o dinheiro deles, não com o nosso” — afirmou Weintraub.
Mais mortes e despejos
Enquanto isso, a violência o campo se acirrava.
Em março, a coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, Dilma Ferreira Silva, foi assassinada com requintes de crueldade no assentamento Salvador Allende, no Pará.
Foram mortos também o marido dela, Claudionor Costa da Silva e Hilton Lopes, amigo do casal. Acusado de ser o mandante do crime, o fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, de 43 anos, foi preso. Segundo as investigações, o objetivo dele era ocupar parte da terra para grilagem.
Ao longo do ano, ações de despejo continuaram em diversos estados.
Em Mogi Guaçu (SP) mais de 400 famílias foram retiradas de uma área que antes da ocupação servia como desova de carros roubados.
Em Marabá (PA) a justiça autorizou a remoção de mais de 200 trabalhadores rurais. Outras 300 famílias forma obrigadas a deixar uma área em São Gonçalo do Amarante (RN).
Em uma ação violenta, policiais militares e servidores da prefeitura chegaram ao local nas primeiras horas da manhã e deram uma hora para a desocupação. Após o prazo, passaram tratores por cima das barracas e pertences dos acampados. A ação foi realizada sem notificação ao Governo do Estado e ao Comitê de Conflitos Agrários.
Uma das iniciativas mais marcantes e históricas do MST, o Centro de Formação Paulo Freire também se tornou alvo do governo Bolsonaro. Localizado no Assentamento Normandia, em Caruaru (PE), o local tem capacidade para atender centenas de pessoas e oferece cursos, oficinas, palestras e atua em parceria com o governo do Estado para a educação infantil e com diversas universidades.
O pedido de despejo veio do Incra, mesma instituição que orientou a criação do centro de formação há mais de duas décadas.
As investidas do governo de Jair Bolsonaro contra os movimentos sociais que atuam no campo não dão mostras de que vão cessar.
No dia 25 de novembro, Bolsonaro afirmou que pretendia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para permitir operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em ações de reintegração de posse no campo. Na prática, isso significa que agentes federais, inclusive das forças armadas, poderão atuar nessas ocasiões.
Kelli Mafort, da direção nacional do MST, afirma que o discurso de ódio por parte do governo contra os trabalhadores do campo autoriza situações de violência, que partem não só dos agentes de segurança pública, mas também de corporações privadas que têm características de milícia.
“No dia que o Jair Bolsonaro falou em GLO Rural no Palácio do Alvorada, praticamente ao mesmo tempo – quase que sincronizado – estava acontecendo um dos maiores despejos deste ano, que foi lá na Bahia. Esse despejo foi muito diferente, porque nós tivemos um despejo de 1.700 hectares, famílias que já estavam lá, uma área de perímetro irrigado. Este despejo foi solicitado pela empresa governamental responsável, descumprindo acordos e houve a presença da Polícia Federal”
Kelli se refere à ação que atingiu 700 famílias nos acampamentos Abril Vermelho, Dorothy e Irany, nos municípios de Casa Nova e Juazeiro. Além dos agentes da Polícia Federal, corporação que não tem como função participar de ações de reintegração, estavam no local também policiais militares e seguranças privados.
Houve tiros, uso de spray de pimenta e bombas de efeito moral. As famílias estavam no local há mais de dez anos, com base em um acordo firmado entre o Governo Federal, o Governo Estadual, o Incra, Ouvidoria Agrária, a Codevasf e o Ministério Público.
Em dezembro, novas ações violentas. Os acampamentos Zequinha e Pátria Livre, na região metropolitana de Belo Horizonte foram tomados por viaturas da Polícia Militar sem nenhum mandado. Os agentes montaram um cerco e intimidaram mais de 1.200 famílias que vivem na região.
A agressividade marcou até mesmo a saída da PM do local, três dias após a invasão. Houve relatos de atropelamentos, destruição de patrimônio e de plantações e até mesmo assédio sexual.
Ruralistas e grileiros
Poucos dias antes, Bolsonaro havia assinado a Medida Provisória do Programa de Regularização Fundiária, que em teoria simplifica o processo de entrega de títulos de propriedade. Mas especialistas avaliam que a MP está alinhada a interesses de ruralistas e coloca em risco a proteção ambiental.
Em entrevista recente ao Brasil de Fato, a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), avalia que o texto estimula o desmatamento ilegal.
"Isso porque ela altera a data que diz até quando uma terra pública pode ter sido ocupada para ter direito a um título, cumprindo certos requisitos. Toda vez que essa data é mudada a mensagem que se passa é de que é possível sempre mudar a lei para beneficiar quem está roubando terra pública".
Em meio à violência, mortes e tentativa de enfraquecimento dos movimentos no campo, a produção não para.
O MST é hoje o maior produtor de alimentos orgânicos do Brasil. São centenas de cooperativas, mais de 90 agroindústrias e 1,9 mil associações. Os produtos estão não apenas em território brasileiro, mas são exportados também para outros países da América Latina, América do Norte, Europa e Oceania.
Ainda nos primeiros dias da atual gestão, em janeiro de 2019, o governo de Jair Bolsonaro já dava mostras de que levaria à prática o tom dado às questões fundiárias durante a campanha eleitoral. Com o passar dos meses, as afirmações bélicas se tornaram atos de governo. As declarações seguiram numa crescente de agressividade que, de acordo com observadores, tornaram ainda mais sensíveis as relações no campo.
No período eleitoral, Bolsonaro defendeu fechar escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dar retaguarda jurídica para quem matasse ocupantes de terra e por fim à desapropriação de áreas de proprietários denunciados por trabalho escravo, além de ter comparou trabalhadores rurais a terroristas.
Em 5 de janeiro, antes mesmo de o governo completar uma semana, o primeiro ato de violência foi registrado. Seguranças privados mataram uma pessoa e feriram outras oito em uma ocupação na Fazenda Agropecuária Bauru, em Colniza (MT). Na ocasião, a fala de um dos seguranças envolvidos já mostrava que o discurso agressivo do governo influenciou o clima de permissividade aos atos violentos.
“Houve invasão dos sem-terra, que agora não é mais sem-terra. Segundo Bolsonaro, são bandidos…morreram dois bandidos e cinco baleados, estão no hospital” – afirmou o chefe dos seguranças ao site de notícias de Cuiabá VG News, em reportagem da jornalista Edina Araújo. Quatro deles foram presos em flagrante por homicídio e tentativa de homicídio. Mas a Justiça liberou os acusados dois dias depois do crime.
Ainda em janeiro, o governo determinou a interrupção de todos os processos para compra e demarcação de terras para assentamentos.
Algumas semanas depois o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, chamou as escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de “fabriquinhas de ditadores” e disse que o governo trabalharia para fechar as instituições, que atendem mais de 200 mil crianças e jovens.
Função social da terra
O doutor em economia pela Universidade de Campinas e membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Guilherme Delgado, avalia que os processos regressivos no campo não são de agora, mas anteriormente eram aparentemente conciliáveis com o estado de direito. Hoje o sistema apela para um quadro de violência explícita.
“Há também outros atos de violência, que não necessariamente se traduzem no imediato em violência direta. Falo por exemplo da proposta de Emenda Constitucional número 80/2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro, que pretende liquidar com a função social da propriedade da terra, promovendo uma espécie de 'liberou geral' às relações de trabalho e relações ambientais, que até o presente, pelo menos conceitualmente limitam o direito de propriedade. Ao escancarar de forma explícita a pretensão dos direitos de propriedade absolutos, algo que se fazia antes de forma disfarçada, o atual governo, se por um lado atende às muitas frações direitistas da chamada economia política do agronegócio, se isola internacionalmente, por outro lado, por se colocar em posição indefensável com relação à questão ambiental.”
Em meio a escalada da retórica violenta do governo federal, administrações estaduais, também conservadoras, começaram a agir.
Na última semana de fevereiro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) determinou o encerramento das atividades da Escola Estadual Eduardo Galeano. A instituição funcionava há três anos no acampamento Quilombo Campo Grande, sem apoio do governo nem mesmo para transporte e alimentação.
Dias depois, na Chapada Diamantina (BA), a Polícia Militar invadiu residências do acampamento Mãe Terra, na Chapada Diamantina, e prendeu dois trabalhadores rurais, mesmo sem mandado.
Em Pernambuco, 450 famílias foram surpreendidas por uma ordem de despejo no acampamento da usina Maravilha, município de Goiana, na região da Mata Norte. O local estava ocupado desde 2012, com produção de alimentos, casas e uma escola e um processo em andamento no Incra, que destinava parte da área para a reforma agrária.
No Oeste do Paraná, a justiça determinou a reintegração de posse do pré-assentamento Jangadinha, no município de Cascavel. Parte das famílias que ocupavam o local tinham promessa de assentamento há vinte anos e o assentamento produzia 2 mil quilos de alimentos por semana.
Frentes de ataque
A tentativa de enfraquecimento dos movimentos sociais que lutam pela terra não ficou só no discurso.
Ainda em fevereiro O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebeu a determinação de cessar negociações com entidades sem CNPJ, o que paralisou diversas frentes de diálogo. Dias depois, sob recomendação do Ministério Público Federal, o governo voltou atrás, com o alerta de que a medida poderia abrir espaço para ilegalidades e inconstitucionalidades.
O recuo, no entanto, foi seguido por uma ordem do general João Carlos de Jesus Corrêa, que determinava a “expressa suspensão” das vistorias nos imóveis rurais, alegando cortes orçamentários.
Isolete Wichinieski, economista e coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, avalia que há uma tentativa de esvaziamento dos processos de assentamento.
“Todos os órgãos relacionados à questão da reforma agrária e à questão da terra foram praticamente desmontados. Todas as políticas que tinham no campo estão praticamente a zero. Para complicar a situação, você tem o desmonte dos processos de posse das comunidades. Assentamentos e acampamentos com mais de dez anos, com processos de emissão de posse, estão sendo expulsos da sua terra.”
No mês de abril, Bolsonaro voltou a atacar o MST diretamente.
Em uma transmissão ao vivo no Facebook, ele afirmou que pretendia tipificar as ocupações do movimento como atos de terrorismo e defendeu que proprietários possam atirar e matar ocupantes sem que a ação seja considerada crime.
Pouco mais de uma semana depois, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que havia acabado de tomar posse, afirmou que o governo pretendia encerrar repasses financeiros a escolas do campo ligadas ao MST, que atendem mais de 200 mil crianças.
“Isso tem que acabar. (A ideia) não é fechar escolinha, é cortar gasolina. Quer fazer, faz com o dinheiro deles, não com o nosso” — afirmou Weintraub.
Mais mortes e despejos
Enquanto isso, a violência o campo se acirrava.
Em março, a coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, Dilma Ferreira Silva, foi assassinada com requintes de crueldade no assentamento Salvador Allende, no Pará.
Foram mortos também o marido dela, Claudionor Costa da Silva e Hilton Lopes, amigo do casal. Acusado de ser o mandante do crime, o fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, de 43 anos, foi preso. Segundo as investigações, o objetivo dele era ocupar parte da terra para grilagem.
Ao longo do ano, ações de despejo continuaram em diversos estados.
Em Mogi Guaçu (SP) mais de 400 famílias foram retiradas de uma área que antes da ocupação servia como desova de carros roubados.
Em Marabá (PA) a justiça autorizou a remoção de mais de 200 trabalhadores rurais. Outras 300 famílias forma obrigadas a deixar uma área em São Gonçalo do Amarante (RN).
Em uma ação violenta, policiais militares e servidores da prefeitura chegaram ao local nas primeiras horas da manhã e deram uma hora para a desocupação. Após o prazo, passaram tratores por cima das barracas e pertences dos acampados. A ação foi realizada sem notificação ao Governo do Estado e ao Comitê de Conflitos Agrários.
Uma das iniciativas mais marcantes e históricas do MST, o Centro de Formação Paulo Freire também se tornou alvo do governo Bolsonaro. Localizado no Assentamento Normandia, em Caruaru (PE), o local tem capacidade para atender centenas de pessoas e oferece cursos, oficinas, palestras e atua em parceria com o governo do Estado para a educação infantil e com diversas universidades.
O pedido de despejo veio do Incra, mesma instituição que orientou a criação do centro de formação há mais de duas décadas.
As investidas do governo de Jair Bolsonaro contra os movimentos sociais que atuam no campo não dão mostras de que vão cessar.
No dia 25 de novembro, Bolsonaro afirmou que pretendia enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para permitir operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em ações de reintegração de posse no campo. Na prática, isso significa que agentes federais, inclusive das forças armadas, poderão atuar nessas ocasiões.
Kelli Mafort, da direção nacional do MST, afirma que o discurso de ódio por parte do governo contra os trabalhadores do campo autoriza situações de violência, que partem não só dos agentes de segurança pública, mas também de corporações privadas que têm características de milícia.
“No dia que o Jair Bolsonaro falou em GLO Rural no Palácio do Alvorada, praticamente ao mesmo tempo – quase que sincronizado – estava acontecendo um dos maiores despejos deste ano, que foi lá na Bahia. Esse despejo foi muito diferente, porque nós tivemos um despejo de 1.700 hectares, famílias que já estavam lá, uma área de perímetro irrigado. Este despejo foi solicitado pela empresa governamental responsável, descumprindo acordos e houve a presença da Polícia Federal”
Kelli se refere à ação que atingiu 700 famílias nos acampamentos Abril Vermelho, Dorothy e Irany, nos municípios de Casa Nova e Juazeiro. Além dos agentes da Polícia Federal, corporação que não tem como função participar de ações de reintegração, estavam no local também policiais militares e seguranças privados.
Houve tiros, uso de spray de pimenta e bombas de efeito moral. As famílias estavam no local há mais de dez anos, com base em um acordo firmado entre o Governo Federal, o Governo Estadual, o Incra, Ouvidoria Agrária, a Codevasf e o Ministério Público.
Em dezembro, novas ações violentas. Os acampamentos Zequinha e Pátria Livre, na região metropolitana de Belo Horizonte foram tomados por viaturas da Polícia Militar sem nenhum mandado. Os agentes montaram um cerco e intimidaram mais de 1.200 famílias que vivem na região.
A agressividade marcou até mesmo a saída da PM do local, três dias após a invasão. Houve relatos de atropelamentos, destruição de patrimônio e de plantações e até mesmo assédio sexual.
Ruralistas e grileiros
Poucos dias antes, Bolsonaro havia assinado a Medida Provisória do Programa de Regularização Fundiária, que em teoria simplifica o processo de entrega de títulos de propriedade. Mas especialistas avaliam que a MP está alinhada a interesses de ruralistas e coloca em risco a proteção ambiental.
Em entrevista recente ao Brasil de Fato, a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), avalia que o texto estimula o desmatamento ilegal.
"Isso porque ela altera a data que diz até quando uma terra pública pode ter sido ocupada para ter direito a um título, cumprindo certos requisitos. Toda vez que essa data é mudada a mensagem que se passa é de que é possível sempre mudar a lei para beneficiar quem está roubando terra pública".
Em meio à violência, mortes e tentativa de enfraquecimento dos movimentos no campo, a produção não para.
O MST é hoje o maior produtor de alimentos orgânicos do Brasil. São centenas de cooperativas, mais de 90 agroindústrias e 1,9 mil associações. Os produtos estão não apenas em território brasileiro, mas são exportados também para outros países da América Latina, América do Norte, Europa e Oceania.
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