A edição de 27 de dezembro de 2019 do Jornal Nacional, dia em que o IBGE divulgou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) do trimestre móvel encerrado em novembro, enalteceu o dito melhor desempenho do mercado de trabalho desde 2016. Segundo a reportagem, o “desemprego” teria caído à menor taxa observada no triênio.
Amplamente repercutido na imprensa, o otimismo da reportagem teve como ponto de partida o fato de que a desocupação atingiu 11,2% da força de trabalho nacional, o que se refere a 11,8 milhões de pessoas. Antes, de acordo com a série abrangida pela pesquisa, iniciada em 2012, o mercado de trabalho brasileiro só havia encontrado uma menor taxa no primeiro trimestre de 2016, quando foi de 10,9%, com 11 milhões de pessoas desocupadas.
É importante que se discuta a abrangência dos conceitos utilizados neste tipo de matéria. A Pnad-C não adota o termo “desemprego” para se referir às pessoas que não possuem trabalho no momento em que a amostra é coletada. Para aferir a quantidade de indivíduos que não encontraram trabalho nos 30 dias que antecedem o inquérito domiciliar, o que a pesquisa verifica é a “desocupação”, indicador que compõe a força de trabalho quando somado à “ocupação”.
Mercado de trabalho brasileiro
Por um outro lado, é estatisticamente considerado “emprego” o conjunto de vínculos nos setores privado e público, com ou sem CTPS, inclusive estatutário e militar, sendo este apenas um dos feixes ocupacionais verificados ao lado do trabalho doméstico (com e sem CTPS), de empregadores, por conta própria (estes últimos com e sem CNPJ) ou trabalho familiar auxiliar.
Este detalhamento tem a sua pertinência no contexto em que se insere o mercado de trabalho brasileiro, originária e estruturalmente marcado pela miríade de indicadores de precariedade e heterogeneidade, tais quais o excedente estrutural da força de trabalho, altos níveis de rotatividade e informalidade, baixos salários, quantidade expressiva de vínculos em micro e pequenas empresas e no trabalho por conta própria.
Em que pese o movimento de redução de 2,5% na taxa de desocupação entre o primeiro trimestre de 2017 (13,7%) e o trimestre móvel encerrado em novembro de 2019 (11,2%), equivalente à absorção de 2,2 milhões de pessoas, os dados revelam que, neste mesmo período, houve um acréscimo de 3,8 milhões de indivíduos (3,6% da força de trabalho) a três grupos ocupacionais ligados diretamente ao cenário da informalidade: emprego sem CTPS no setor privado, trabalho doméstico sem CTPS e por conta própria sem CNPJ.
Informalidade
Reunindo os três indicadores com o trabalho familiar auxiliar, que em geral não representa assalariamento, é possível dizer que os últimos dados da Pnad-C sinalizam uma informalidade de 40,3% da população ocupada, o que equivale a cerca de 38 milhões de pessoas. Ou seja, o ano de 2019 encerrou com quase metade da população ocupada inserida ao campo da informalidade, indissociável de uma maior suscetibilidade à precarização das condições de trabalho.
No esquadro daquilo que se tem comemorado em um mercado de trabalho desregulamentado e com grande contingenciamento para o trabalho, há de se observar criticamente se, de fato, o desemprego decresceu, ou se, a partir de uma utilização pirotécnica das estatísticas, foi substituído por claras expressões de precariedade ocupacional.
Sob a perspectiva da regulação do trabalho, o legislador prometeu impulsionar o movimento de formalização do emprego através da chamada “reforma” trabalhista de 2017, aprovada a toque de caixa no momento de maior instabilidade política dos últimos anos, a partir da retórica que apregoa a incompatibilidade da legislação trabalhista com os novos tempos da economia global.
Contudo, ao longo dos últimos dois anos, tempo de vigência da lei 13.467, o que se tem observado é exatamente o oposto: os dados revelam que a dinâmica do mercado de trabalho tem expulsado os trabalhadores dos vínculos formais. A esta altura, a crença na existência de alguma correlação entre lei trabalhista e nível do emprego haveria de conciliar-se, a fim de garantir a sua coerência, com a constatação de que a “reforma” da legislação do trabalho teria debilitado o emprego formal, com CTPS, socialmente protegido; que a “reforma” da CLT teria devastado o vínculo empregatício.
Convém reservar toda essa energia de aclamação para o momento social em que trabalhar por conta e risco próprios, sujeito à própria sorte, não seja a única opção à sobrevivência; em que, aliás, seja uma opção. Para quando a pauperização generalizada e politicamente fomentada deixar de ser um fato da vida social, senão sob um olhar retrospectivo.
* Pedro Daniel Blanco Alves é advogado e membro do GPTC-USP e do GT Mundos do Trabalho do CESIT-Unicamp.
Reunindo os três indicadores com o trabalho familiar auxiliar, que em geral não representa assalariamento, é possível dizer que os últimos dados da Pnad-C sinalizam uma informalidade de 40,3% da população ocupada, o que equivale a cerca de 38 milhões de pessoas. Ou seja, o ano de 2019 encerrou com quase metade da população ocupada inserida ao campo da informalidade, indissociável de uma maior suscetibilidade à precarização das condições de trabalho.
No esquadro daquilo que se tem comemorado em um mercado de trabalho desregulamentado e com grande contingenciamento para o trabalho, há de se observar criticamente se, de fato, o desemprego decresceu, ou se, a partir de uma utilização pirotécnica das estatísticas, foi substituído por claras expressões de precariedade ocupacional.
Sob a perspectiva da regulação do trabalho, o legislador prometeu impulsionar o movimento de formalização do emprego através da chamada “reforma” trabalhista de 2017, aprovada a toque de caixa no momento de maior instabilidade política dos últimos anos, a partir da retórica que apregoa a incompatibilidade da legislação trabalhista com os novos tempos da economia global.
Contudo, ao longo dos últimos dois anos, tempo de vigência da lei 13.467, o que se tem observado é exatamente o oposto: os dados revelam que a dinâmica do mercado de trabalho tem expulsado os trabalhadores dos vínculos formais. A esta altura, a crença na existência de alguma correlação entre lei trabalhista e nível do emprego haveria de conciliar-se, a fim de garantir a sua coerência, com a constatação de que a “reforma” da legislação do trabalho teria debilitado o emprego formal, com CTPS, socialmente protegido; que a “reforma” da CLT teria devastado o vínculo empregatício.
Convém reservar toda essa energia de aclamação para o momento social em que trabalhar por conta e risco próprios, sujeito à própria sorte, não seja a única opção à sobrevivência; em que, aliás, seja uma opção. Para quando a pauperização generalizada e politicamente fomentada deixar de ser um fato da vida social, senão sob um olhar retrospectivo.
* Pedro Daniel Blanco Alves é advogado e membro do GPTC-USP e do GT Mundos do Trabalho do CESIT-Unicamp.
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