Por Antonio Martins, no site Outras Palavas:
Parte da esquerda brasileira atribuiu sua própria fraqueza, no combate ao bolsonarismo, a um fenômeno global. Estaríamos presenciando, em todo o mundo, o avanço de uma onda conservadora irresistível. A potência da avalanche tornaria quase impossível mobilizar as sociedades em sentido oposto. O mais prudente seria esperar que a maré de devastação perca seu ímpeto. Esta interpretação já era incapaz de explicar as revoltas contra o neoliberalismo que eclodiram, ao longo de 2019, em países como Chile, França, Equador, Colômbia, Argélia ou Líbano – ou as derrota eleitoral que o sistema sofreu na vizinha Argentina. Agora, tudo indica que ela terá de lidar com outro fato “incômodo”. Nos próprios Estados Unidos, as eleições presidenciais serão polarizadas por Bernie Sanders, que sustenta posições claramente pós-capitalistas.
O ascenso de Sanders, já previsto por Outras Palavras há uma semana, ampliou-se nos últimos dias. Uma série de sondagens dá ao senador a dianteira sobre os demais candidatos do Partido Democrata, nos dois primeiros estados a realizar primárias: Iowa (3/2) e New Hampshire (11/2). Hoje, pela primeira vez, uma pesquisa nacional – realizada pela CNN – deu-lhe a liderança: 27%, contra 24% de Joe Biden, o postulante mais identificado com o establishment. O avanço é extraordinário: há poucas semanas, Bernie tinha apenas 15%.
Um texto do repórter e analista Nate Cohn, no New York Times, tenta explicar os fatores demográficos de crescimento. Sanders assumiu a dianteira entre os eleitores latinos. Embora ainda esteja atrás de Biden, entre os negros (cuja tendência a seguir a liderança do Partido Democrata é histórica), a distância é muito menor que em 2016, em face de Hillary Clinton – e Sanders já está 12 pontos à frente, entre os negros jovens. Sua debilidade maior é ainda entre os brancos de origem europeia.
Mas as causas mais profundas da onda Bernie são políticas – e terão enorme repercussão internacional, ao logo do ano. Sua candidatura escancara três grandes tendências da política atual: a) a crise da representação – ou seja, a percepção generalizada de que as instituições “democráticas” submeteram-se ao grande poder econômico – abre espaço tanto para a ultradireita quanto para uma crítica radical do capitalismo; b) há um enorme desconforto diante da desigualdade; para enfrentá-la, o eleitor médio está disposto a ouvir e dialogar com propostas que sempre rejeitou; c) a esquerda tradicional, voltada ao passado e aprisionada por seus cacoetes, fracassa principalmente por não compreender estas mudanças.
Examine o programa de Sanders e compare-o, por exemplo, com as posturas que a esquerda brasileira adota ao menos desde 2015. Nos EUA, o candidato pós-capitalista conquista multidões ao dizer que tornará a Saúde pública (e gratuita para todos), controlará os aluguéis, desenvolverá um vastíssimo programa de obras públicas para construir uma economia limpa e gerar, ao mesmo tempo, 20 milhões de postos de trabalho de todos os níveis. Não se envergonha de dizer que estas ações custarão 13 trilhões de dólares. No Brasil, a maior parte dos governadores de “oposição” está empenhada em realizar, em seus Estados, “reformas” da Previdência de sentido similar à que Bolsonaro e Paulo Guedes impuseram ao país. Passados cinco anos do ruinoso “ajuste fiscal” de Dilma Rousseff, não surgiu nem um reexame desta política, nem, muito muito menos, indicação sobre o que um novo governo de esquerda faria, ao invés dela.
Se o avanço de Sanders prosseguir, como parece provável, os partidos de esquerda adormecidos terão de examinar a sério ideias que hoje veem como irrealistas ou quiméricas. Estão entre elas a garantia de ocupações formais, a todos os que as solicitem; a Teoria Monetária Moderna, que alarga a possibilidade de emissão de moeda pelo Estado e, ao fazê-lo, expande sua capacidade de distribuir riqueza e direcionar a economia; o controle rigoroso do sistema financeiro, com possível estatização; a livre circulação do conhecimento, com limites à “propriedade intelectual” e às patentes; o questionamento dos modelos hoje hegemônicos na industria (baseada no petróleo) e agricultura (apoiada na grande propriedade e nos agrotóxicos).
O senador rebelde norte-americano sustenta tudo isso e, ao contrário da esquerda “sensata” de outras partes de mundo, dialoga com setores sociais cada vez mais amplos; mobiliza-os (é, de longe, o candidato que realiza os maiores comícios e quem mais arrecada, embora a contribuição média de sua campanha seja de apenas 18 dólares); demonstra-lhes que, diante da crise da democracia, há a opção de reinventá-la em nome do futuro coletivo– não apenas a de corroê-la com a bile do ressentimento.
Nas crises civilizatórias agudas, abrem-se novos espaços para o acaso e o inusitado. Faltava um senador quase octagenário, no centro do império, para abrir certos horizontes. Que o vento renovador lançado por Sanders espalhe-se pelo mundo, arraste multidões e remova velhas certezas encarquilhadas.
Parte da esquerda brasileira atribuiu sua própria fraqueza, no combate ao bolsonarismo, a um fenômeno global. Estaríamos presenciando, em todo o mundo, o avanço de uma onda conservadora irresistível. A potência da avalanche tornaria quase impossível mobilizar as sociedades em sentido oposto. O mais prudente seria esperar que a maré de devastação perca seu ímpeto. Esta interpretação já era incapaz de explicar as revoltas contra o neoliberalismo que eclodiram, ao longo de 2019, em países como Chile, França, Equador, Colômbia, Argélia ou Líbano – ou as derrota eleitoral que o sistema sofreu na vizinha Argentina. Agora, tudo indica que ela terá de lidar com outro fato “incômodo”. Nos próprios Estados Unidos, as eleições presidenciais serão polarizadas por Bernie Sanders, que sustenta posições claramente pós-capitalistas.
O ascenso de Sanders, já previsto por Outras Palavras há uma semana, ampliou-se nos últimos dias. Uma série de sondagens dá ao senador a dianteira sobre os demais candidatos do Partido Democrata, nos dois primeiros estados a realizar primárias: Iowa (3/2) e New Hampshire (11/2). Hoje, pela primeira vez, uma pesquisa nacional – realizada pela CNN – deu-lhe a liderança: 27%, contra 24% de Joe Biden, o postulante mais identificado com o establishment. O avanço é extraordinário: há poucas semanas, Bernie tinha apenas 15%.
Um texto do repórter e analista Nate Cohn, no New York Times, tenta explicar os fatores demográficos de crescimento. Sanders assumiu a dianteira entre os eleitores latinos. Embora ainda esteja atrás de Biden, entre os negros (cuja tendência a seguir a liderança do Partido Democrata é histórica), a distância é muito menor que em 2016, em face de Hillary Clinton – e Sanders já está 12 pontos à frente, entre os negros jovens. Sua debilidade maior é ainda entre os brancos de origem europeia.
Mas as causas mais profundas da onda Bernie são políticas – e terão enorme repercussão internacional, ao logo do ano. Sua candidatura escancara três grandes tendências da política atual: a) a crise da representação – ou seja, a percepção generalizada de que as instituições “democráticas” submeteram-se ao grande poder econômico – abre espaço tanto para a ultradireita quanto para uma crítica radical do capitalismo; b) há um enorme desconforto diante da desigualdade; para enfrentá-la, o eleitor médio está disposto a ouvir e dialogar com propostas que sempre rejeitou; c) a esquerda tradicional, voltada ao passado e aprisionada por seus cacoetes, fracassa principalmente por não compreender estas mudanças.
Examine o programa de Sanders e compare-o, por exemplo, com as posturas que a esquerda brasileira adota ao menos desde 2015. Nos EUA, o candidato pós-capitalista conquista multidões ao dizer que tornará a Saúde pública (e gratuita para todos), controlará os aluguéis, desenvolverá um vastíssimo programa de obras públicas para construir uma economia limpa e gerar, ao mesmo tempo, 20 milhões de postos de trabalho de todos os níveis. Não se envergonha de dizer que estas ações custarão 13 trilhões de dólares. No Brasil, a maior parte dos governadores de “oposição” está empenhada em realizar, em seus Estados, “reformas” da Previdência de sentido similar à que Bolsonaro e Paulo Guedes impuseram ao país. Passados cinco anos do ruinoso “ajuste fiscal” de Dilma Rousseff, não surgiu nem um reexame desta política, nem, muito muito menos, indicação sobre o que um novo governo de esquerda faria, ao invés dela.
Se o avanço de Sanders prosseguir, como parece provável, os partidos de esquerda adormecidos terão de examinar a sério ideias que hoje veem como irrealistas ou quiméricas. Estão entre elas a garantia de ocupações formais, a todos os que as solicitem; a Teoria Monetária Moderna, que alarga a possibilidade de emissão de moeda pelo Estado e, ao fazê-lo, expande sua capacidade de distribuir riqueza e direcionar a economia; o controle rigoroso do sistema financeiro, com possível estatização; a livre circulação do conhecimento, com limites à “propriedade intelectual” e às patentes; o questionamento dos modelos hoje hegemônicos na industria (baseada no petróleo) e agricultura (apoiada na grande propriedade e nos agrotóxicos).
O senador rebelde norte-americano sustenta tudo isso e, ao contrário da esquerda “sensata” de outras partes de mundo, dialoga com setores sociais cada vez mais amplos; mobiliza-os (é, de longe, o candidato que realiza os maiores comícios e quem mais arrecada, embora a contribuição média de sua campanha seja de apenas 18 dólares); demonstra-lhes que, diante da crise da democracia, há a opção de reinventá-la em nome do futuro coletivo– não apenas a de corroê-la com a bile do ressentimento.
Nas crises civilizatórias agudas, abrem-se novos espaços para o acaso e o inusitado. Faltava um senador quase octagenário, no centro do império, para abrir certos horizontes. Que o vento renovador lançado por Sanders espalhe-se pelo mundo, arraste multidões e remova velhas certezas encarquilhadas.
NA ÚLTIMA ELEIÇÃO para presidente do império ianque aconteceu isso mesmo no início, não é novidade. o candidato democrata deverá ser o binden e o que tem mais chance de derrotar o bárbaro louco
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