segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Algo se move nas elites contra Bolsonaro

Por Tereza Cruvinel, no site Brasil-247:

As elites brasileiras sempre souberam se livrar dos incômodos, mesmo dos criados por ela mesma.

Alguém já disse algo parecido. Desde que entramos no inverno da democracia, na ladeira dos retrocessos e nas trevas do obscurantismo, com a posse de Bolsonaro, esta é a primeira vez que algo começa a se mover neste sentido, de forma ainda incipiente, não planejada e imposta pelos desatinos do presidente e de seu governo.

Pois ainda que dispostas a aturar ataques à democracia e regressos civilizatórios em nome da agenda neoliberal, as elites podem estar começando a perceber que sob Bolsonaro não haverá reformas, nem ajuste fiscal, nem crescimento.

Ficará o país andando de lado, assustando o mundo e os investidores com a algaravia do radicalismos bolsonaristas, enquanto os conservadores do Congresso tentam montar uma rede de proteção a Guedes, para que não jogue a toalha.

Na percepção das elites, Guedes faz e Bolsonaro desfaz, embora Guedes também dê seus tiros nos pé.

Pediu desculpas às domésticas mas Bolsonaro, que até aqui sabotou a agenda econômica, agora cobra-lhe que dobre o pibinho até julho.

No dia 4 de março o IBGE divulga oficialmente um PIB de algo em torno de 0,90% em 2019.

Menor que o de 1,34% do último ano de Temer, 2018.

Aconteceram coisas graves demais nesta semana pré-carnaval.

Bolsonaro ultrapassou todos os limites da indulgência ao atacar de forma indecorosa uma jornalista, com insultos misóginos, vulgares e machistas.

Violou, como tenho dito, o inciso 7 do capítulo V da Lei 1070/50, a lei que tipifica os crimes de responsabilidade para efeito de impeachment do presidente, dos ministros de estado, de ministros do STF e do Procurador-Geral da República.

Até agora não vingou nenhuma proposição penal, nem mesmo por crimes comuns, que também foram cometidos, como calúnia e difamação, mas algo se trincou.

As condenações uníssonas vieram do Congresso, de toda a mídia, dos artistas, dos jornalistas, dos intelectuais, de toda a sociedade, e dos governadores.

Em seguida o general Heleno, ministro do GSI, foi flagrado chamando os congressistas de chantagistas. Na volta do carnaval os governistas terão de se virar para evitar que seja aprovado o requerimento do líder do PT no Senado, Rogerio Carvalho, convocando Heleno a dar explicações. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, está deixando correr.

O bolsonarismo militante tentará, no dia 15, corresponder ao que Heleno propôs nas redes.

Que Bolsonaro chamasse o povo para explicitar apoio a ele, contra o Congresso.

É a manifestação do “foda-se”, como está sendo chamada, ecoando o xingamento do general ao Congresso.

Esta receita, de Executivo peitando Legislativo, não costuma resultar em boa coisa.

O Congresso voltará do Carnaval querendo garantir o acordo sobre as emendas orçamentárias: deixarão os R$ 31 bilhões em emendas por apenas R$ 20 bilhões mas o governo precisa enviar projeto neste sentido. Se não... derrubam o veto de Bolsonaro.

O Supremo lá está, espantado com o avanço da insubordinação policial, com as reiteradas ofensas ao decoro do cargo e o conflito entre os outros dois poderes.

O amotinamento no Ceará, bem como as ameaças em outros estados, decorre do endosso do bolsonarismo às polícias.

Bolsonaro criticou o senador Cid Gomes pelo uso da retroescavadeira, mas alguém o ouviu criticar os policiais encapuzados? Já seus filhos se solidarizaram: legítima defesa.

O governadores lá estão, tratando de se juntar para resistir à ofensiva anti-federação de Bolsonaro.

Quem poderia imaginar João Dória defendendo o petista Camilo Santana, do Ceará?

E não fica no caso das polícias. O Fundeb, que financia a educação básica, está parado no Congresso. O MEC lhes impõe políticas, como nova metodologia de alfabetização, sem qualquer diálogo. Noves fora a tentativa de Bolsonaro de lhes empurrar a conta pela alta dos preços dos combutíveis. Não haverá reforma tributária contra os governadores.

A mídia deu um sonoro basta em matérias e editoriais na quinta-feira. Globo, Estadão, Folha de São Paulo, IstoÉ, todos descobrindo que Bolsonaro é uma ameaça à democracia.

Já o poder econômico vai concluindo que Bolsonaro é uma ameaça a seus interesses.

O agronegócio vai perder muito dinheiro, por conta de tolices ideológicas, como confrontar os árabes prometendo transferir a embaixada em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém.

Por conta também da política ambiental desastrosa, que transforma o Brasil em vilão global do meio ambiente.

A turma do capital financeiro já teme que, com tanta beligerância, não haverá reformas, nem ajuste fiscal, nem crescimento, nem segurança para investidores.

E todos sabem que Bolsonaro não vai mudar, ele é o que é, e ninguém pode dizer que não sabia. Ele veio para tumultuar, não para harmonizar.

Onde ele quer chegar?

Talvez ao golpe, alegando que Congresso, mídia, governadores, esquerdas e outros mais não o deixam governar.

Mas os outros também podem se antecipar, se enxergarem condições políticas, pois a jurídicas existem. A toda hora ele comete um crime de responsabilidade por conduta.

Agora todos vão se calar para que as baterias toquem.

Mas tenho a impressão de que, após o carnaval, o Brasil terá dobrado uma esquina.

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