domingo, 1 de março de 2020

A conspiração internacional contra Assange

Por Celso Japiassu, no site Carta Maior:

O processo a que está submetido Julian Assange começou a ser julgado no tribunal de Woolwich Crown Court, em Londres. São milhares de páginas em que o governo americano, acusado de vários crimes no Iraque revelados pelo Wikileaks do australiano Assange, por sua vez o acusa de conspiração e pede sua extradição. O governo inglês foi cúmplice do governo dos Estados Unidos na aventura no Iraque, quando o país foi acusado de possuir armas de destruição em massa, o que na verdade se revelou não um engano mas uma mentira. Foi um pretexto para a invasão que desestabilizou de vez o Oriente Médio, fez milhares de vítimas e transformou-se num atoleiro para as tropas americanas.

Os que defendem Assange pelo mundo afirmam que está em causa a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa e protestam contra a ameaça de uma condenação a 175 anos de prisão, o que equivale na prática a prisão perpétua.

O governo americano acusa o responsável pelo Wikileaks de ser apenas um delinquente que colocou em risco a vida de fontes do serviço secreto e de militares em serviço no Iraque. Além do crime de conspiração, foram adicionadas 17 outras acusações.

O processo não tem prazo para terminar, pode durar vários meses ou vários anos. Enquanto isso Julian Assange continuará preso.

A denúncia
O Wikileaks começou a divulgar crimes americanos no Iraque e no Afeganistão em 2010, depois de receber informações do militar Bradley Edward Manning, transexual que mudou depois sua identidade para Chelsea Elizabeth Manning. Ela foi presa quando ainda servia no Iraque e deu origem ao “Cablegate”, uma referencia aos telegramas que o Wikileaks em parceria com cinco grandes jornais começou a divulgar em 2010.

Manning foi presa naquele mesmo ano, traída por um amigo a quem confidenciou ser a responsável pelo vazamento de 700 mil documentos para o Wikileaks. Passou por torturas e tratamento brutal. Foi condenada num julgamento secreto a 35 anos de prisão. Incomunicável, foi impossibilitada de pedir habeas corpus mas sua pena foi posteriormente comutada para sete anos pelo presidente Barack Obama. Ela já cumpriu a condenação a que foi submetida e libertada em 2017.

O asilo

Julien Assange passou sete anos asilado na Embaixada do Equador em Londres. Pedira abrigo ao presidente Rafael Correa, de quem se tornara amigo após uma entrevista que com ele fizera alguns anos antes. Recebeu também cidadania equatoriana. Com a mudança de governo no Equador, o novo presidente Lenín Moreno que, apesar do nome, é um político de direita, retirou de Assange não só a cidadania equatoriana como também o direito de asilo na embaixada de Londres. Essas duas medidas vieram logo depois de uma visita de Lenín Moreno a Washington. Assange passou o último ano dentro da embaixada, sem internet e praticamente sem comunicação com o mundo exterior.

O ex-presidente Rafael Correa, um líder da esquerda equatoriana, afirma que a retirada a força de Assange da embaixada foi uma vingança pessoal do atual presidente. Correa afirma que a revogação do status de asilo a Assange é ilegal e contraria a constituição do Equador. Ele diz que se trata de um acordo com os Estados Unidos e que a decisão de Lenín Moreno veio imediatamente após o Wikileaks ter revelado indícios de corrupção em seu governo.

Trecho de uma entrevista de Rafael Correa à Agência Pública:

Qual a sua visão sobre a prisão de Assange?

É terrível. O governo equatoriano está rompendo todo o direito internacional, o princípio de asilo, da corte interamericana de direitos humanos. E a Constituição do Equador, porque ele é um cidadão equatoriano. É uma humilhação para o Equador. E além do mais é uma vingança pessoal porque há umas semanas ele [Julian] expôs um caso de corrupção muito grave que envolve Lenin Moreno [atual presidente e sucessor de Correa] e sua família. Foi por isso que Lenin Moreno quis enxotá-lo da embaixada. Lenin Moreno sempre quis expulsá-lo da embaixada, e agora conseguiu.


A perseguição a Assange começou algum tempo antes da acusação de conspiração pelo governo dos Estados Unidos. A justiça da Suécia já havia pedido sua extradição sob uma estranha acusação de estupro. Na origem dessa acusação estava a denúncia de uma namorada sueca de Assange. Ele a obrigara a relações sexuais sem uso de preservativo. Esta acusação foi posteriormente retirada mas só depois da apresentação da denúncia americana de conspiração.

Tudo parece indicar que Julian Assange está, ele sim, a ser vítima de uma forte conspiração internacional em que se entrelaçam os governos dos Estados Unidos, Equador e Reino Unido. O da Suécia já cumpriu o papel inicial.

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