terça-feira, 17 de março de 2020

A embromação de Paulo Guedes

Por José Luis Oreiro, no site A terra é redonda:

Na noite do dia 16 de março, sua majestade o czar da economia brasileira anunciou seu plano de enfrentamento da crise do coronavírus. Sua apresentação de incríveis seis, isso mesmo, seis slides (onde o primeiro é a capa) já mostra o grau de despreparo do maior enrolador da história da República. No primeiro slide vemos “medidas estruturantes” onde se inclui “pacto federativo”, “PL da Eletrobrás” e “Plano Mansueto”, seja lá o que isso signifique.

Me chamou especialmente atenção um PL com o objetivo de vender a Eletrobrás no momento em que as bolsas de valores no Brasil e no mundo acumulam baixa de mais de 40% nos últimos dois meses. Só pode ser um plano para vender, na bacia das almas, o que restou do patrimônio do povo brasileiro, sabe-se lá para atender quais interesses. Qualquer gestor minimamente responsável diria que este não é o momento adequado para se desfazer de ativos, mas o czar da economia quer aproveitar esse momento para fazer a privatização de uma empresa estratégica para os interesses nacionais (Esperar o que de uma pessoa que diz que ama os Estados Unidos?).

Nos slides seguintes lê-se “até 147,3 bilhões em medidas emergenciais”. Quando se lê no detalhe o que está sendo proposto pelo Ministério da Economia vemos claramente que as medidas propostas se resumem apenas a antecipações de gasto que seriam realizados ao longo de todo o ano de 2020, mas que serão antecipados para o primeiro semestre de 2020. Segundo a assessoria do Senador José Serra o pacote de Guedes prevê um aumento do gasto orçamentário de apenas R$ 3 bilhões ao longo do ano de 2020. Para termos uma ideia de montantes é como tentar parar um trem bala com o disparo de uma bala de revolver.

Enquanto o Ministro Guedes fica brincando de enrolar a sociedade brasileira com medidas cosméticas, os países desenvolvidos montam programas colossais de aumento do gasto público, entre os quais destacam-se o programa francês de cancelamento das contas de aluguel, luz e água (as quais deverão ser pagas pelo Estado) ou ainda a proposta do Senador Mitt Rommey do Partido Republicano dos EUA de dar US$ 1.000 para cada americano adulto. O enorme contraste entre a embromação de Paulo Guedes e as medidas radicais que estão sendo postas em prática pelos países desenvolvidos mostra o grau de despreparo e amadorismo do Ministro da Economia.

A proposta de Rommey poderia e deveria ser adotada no Brasil. As medidas restritivas a locomoção de pessoas e realização de eventos irão afetar pesadamente os trabalhadores informais e por conta própria que serão, do dia para a noite, desprovidos de seus rendimentos e não terão acesso aos benefícios sociais proporcionados aos trabalhadores formais como o seguro desemprego, FGTS e etc. Uma alternativa possível – tal como sugeri as assessorias econômicas do PSDB, PT e PSOL – seria a implementação de um Programa Emergencial de Renda Universal, no qual cada brasileiro adulto, sem emprego formal e com idade entre 14 e 65 anos, teria direito a sacar um valor equivalente a um salário mínimo por mês, durante três meses, em qualquer agência da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil ou lotéricas, apresentando apenas a sua identidade e CPF.

Um programa com essa abrangência poderia custar o equivalente a R$ 300 bilhões em um ano. Considerando um valor de 1.5 para o multiplicador dos gastos do governo, o acréscimo de PIB gerado por esse programa seria de R$ 450 bilhões. Como o setor público como um todo arrecada cerca de 33% da renda na forma de impostos e contribuições, a arrecadação adicional (relativamente ao cenário em que nada é feito) seria de R$ 150 bilhões, de forma que o déficit primário aumentaria, coeteris paribus, em R$ 150 bilhões ou 2% do PIB. Considerando a severidade da crise que o Brasil irá enfrentar – a exemplo do que outros países já estão enfrentando – trata-se de um programa barato e com cobertura bastante ampla.

A alternativa a esse programa é seguir com a embromação de Paulo Guedes e esperar a economia brasileira entrar em colapso, sem ter uma rede de proteção social capaz de impedir que milhões de brasileiros, nossos irmãos, caiam na miséria absoluta. O resultado será caos social, saques a supermercados e milhares de mortos. A escolha é bem clara. Cabe ao povo brasileiro realizá-la.

* José Luis Oreiro é professor de economia na UnB.

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