quinta-feira, 26 de março de 2020

CNN Brasil e o jornalismo dócil ao Planalto

Imagem captada do Youtube
Por Marcos Urupá, na revista CartaCapital:

No último dia 15 de março, já em meio ao avanço do novo coronavírus no Brasil, a CNN estreou suas transmissões no País, mostrando todo o seu arsenal de apresentadores e repórteres. Depois das primeiras horas no ar, exclusivamente dedicadas a uma autocelebração da sua chegada aos lares brasileiros, a CNN embarcou no principal tema que tem pautado os meios de comunicação por aqui, explorando na primeira edição de todos os seus programas a pandemia do coronavírus).

Direto da porta do Palácio da Alvorada, o tema rendeu, naquele final de semana, uma entrevista exclusiva com Jair Bolsonaro. O repórter tinha em mãos a oportunidade de questionar o presidente sobre sua conduta, horas antes, de atropelar as orientações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e participar de uma manifestação que pediu o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Enquanto o Ministério pedia que todos os brasileiros evitassem aglomerações, Bolsonaro foi ao encontro de apoiadores. E o repórter o ouviu passivamente.

Em resposta às críticas que recebeu de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, Bolsonaro declarou ser contra a adoção de medidas de restrição de circulação de pessoas e de realização de eventos. “Devemos respeitar, tomar as medidas sanitárias cabíveis, mas não podemos tratar como uma neurose, como se fosse um fim do mundo”, ressaltou. Na entrevista, classificou como muito rígidas as políticas de restrições de mobilidade social.

No estúdio da CNN, Reinaldo Gottino e Monalisa Perrone não destacaram que, naquele mesmo dia, governadores tinham emitido decretos justamente em sentido contrário, tentando conter a proliferação do coronavírus em seus estados. Se limitaram a fazer uma menção sutil ao ato irresponsável do Presidente.

Enquanto isso, na concorrente GloboNews, Maia e Alcolumbre foram ouvidos em entrevistas, criticando a postura do chefe do Executivo. Os presidentes das Casas legislativas haviam, afinal, sido alvos da manifestação de que Bolsonaro participou, fazendo todo sentido, do ponto de vista jornalístico, serem ouvidos. Na CNN, isso não aconteceu.

Os panelaços noturnos contra Bolsonaro, que começaram no dia 15, também receberam registros tímidos do novo canal de notícias. Já na Vênus platinada, tanto o canal aberto quanto o fechado da empresa tem dado espaço significativo às manifestações espontâneas da população contra o governo.

Aliança na direção

Ainda é cedo para afirmar se a linha editorial da CNN em relação ao governo Bolsonaro será essencialmente dócil. Mas o CEO da emissora, Douglas Tavolaro, pode ser uma pista neste sentido. Sobrinho de Edir Macedo, Tavolaro foi vice-presidente da TV Record durante 14 anos. É coautor da biografia “O Bispo – A história revelada de Edir Macedo”, dedicada ao líder da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da emissora paulista.

Quando tomou posse, Bolsonaro fez alterações na distribuição de verbas publicitárias governamentais para as TVs abertas. A chamada mídia técnica, baseada na audiência de cada canal, deixou de ser o principal indicador para a destinação dos recursos, e o volume de anúncios federais veiculados pela Record disparou.

Já na época da campanha eleitoral, em 2018, a Record sinalizava que abdicaria de fiscalizar o poder Executivo, como outras empresas de mídia estão fazendo. No último desfile de 7 de Setembro, Bolsonaro convidou para o camarote de autoridades os donos da Recordo, e também do SBT e da RedeTV. As três empresas alcançaram um local que na história sempre foi reservado à Globo, que agora é acusada pelo Presidente de perseguição.

Com este histórico de relações do Planalto com a emissora em que trabalhou por 14 anos e que segue sendo de seu tio, não é de se estranhar uma postura menos crítica ao governo do novo canal de Douglas Tavolaro. Mas ainda é cedo para concluir tal raciocínio.

Por outro lado

Mesmo que alguém queira trilhar o caminho do raciocínio lógico que aponta a CNN como mais uma emissora do rol daquelas não críticas ao governo, alguns episódios da primeira semana do canal no ar vão no sentido contrário.

No quadro “O Grande Debate”, que vai ao ar no CNN Novo Dia, de segunda a sexta às 7h, a comentarista Gabriela Prioli tem feito contrapontos, mostrando com informações precisas as contradições e erros que o Presidente e seus defensores cometem. O programa é comandado por Reinaldo Gottino e Taís Lopes, e tem como proposta trazer comentaristas da emissora para uma espécie de confronto sobre determinado tema conjuntural. Uma excelente proposta, diga-se de passagem.

No primeiro dia do “Grande Debate”, o tema era a relação entre governo e o Congresso. O comentarista Caio Coppola, bolsonarista declarado, teceu uma série de críticas ao Congresso Nacional pela aprovação de emendas parlamentares individuais. Coppola seguiu a linha do discurso já conhecido da crítica à “velha política”, amplamente propagado por Bolsonaro. Gabriela Prioli, por sua vez, seguiu na contramão. Com calma, traçou uma linha do tempo que desmascarou o presidente e desconstruiu os argumentos do colega, relembrando que, à época, o então deputado Bolsonaro apoiou as emendas.

“Primeiro Bolsonaro apoia as emendas impositivas, o governo diz que é uma vitória e que há certa harmonia com o Parlamento. Aí come bola com relação à LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], faz um acordo com o Congresso por detrás das cortinas e vai para as redes sociais inflar o público”, afirmou.

A postura de Gabriela Prioli, de propor abertamente reflexões sobre a postura do Presidente da República, tem lhe rendido muitos elogios, mas também críticas. O que já está claro é que o confronto de ideias e opiniões sobre a conjuntura política brasileira, tão raro na história da nossa televisão, é fundamental.

Com um time de primeira linha de profissionais da imprensa, a CNN chega, assim, com potencial de oxigenar o telejornalismo de notícias no país. Mas tal empreitada dependerá de qual será a postura da nova emissora diante dos atropelos de Jair Bolsonaro na gestão do país.

Se servir de exemplo, nos Estados Unidos, Donaldo Trump odeia a CNN.

* Marcos Urupá é jornalista, doutorando em Comunicação da UnB e integra o Intervozes.

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