quarta-feira, 11 de março de 2020

Cuba resiste ao cerco criminoso dos EUA

Por Frei Betto, no Correio da Cidadania:

Es­tive três vezes em Cuba neste início do ano, a ser­viço da FAO. O país está se­ri­a­mente afe­tado pelo blo­queio usa­me­ri­cano, agra­vado pela po­lí­tica agres­siva de Trump. Faltam gás de co­zinha e combustível para veí­culos. Os na­vios mer­cantes são ame­a­çados de san­ções caso aportem em Cuba para des­car­regar seus con­tai­ners. Todos os voos dos EUA à ilha estão sus­pensos por ordem da Casa Branca, ex­ceto os que pousam em Ha­vana.

Apesar de tudo, Cuba re­siste. A po­pu­lação tem cons­ci­ência de que o go­verno tudo faz para con­tornar as di­fi­cul­dades, e que a culpa das ca­rên­cias é do blo­queio, que já dura 59 anos.

Em ja­neiro, par­ti­cipei do Cuba Sabe, evento in­ter­na­ci­onal gas­tronô­mico que reuniu chefs e produtores de ali­mentos, com des­taque para as cu­li­ná­rias cu­bana e ita­liana. Em início de fe­ve­reiro estive do se­mi­nário pro­mo­vido pelo mi­nis­tério da Agri­cul­tura da­quele país e a FAO sobre so­be­rania ali­mentar e edu­cação nu­tri­ci­onal. Hoje, Cuba im­porta 60% dos ali­mentos que con­some, a um custo de US$ 2 bi­lhões/ano.

Par­ti­cipei ainda da Feira do Livro, de­di­cada este ano à li­te­ra­tura vi­et­na­mita, que fun­ci­onou a todo vapor. E do 12º Con­gresso In­ter­na­ci­onal de Edu­cação Su­pe­rior, que reuniu, em Ha­vana, representantes de 45 países para de­ba­terem a Agenda 2030 dos Ob­je­tivos do De­sen­vol­vi­mento Susten­tável.

Hoje, para obter di­visas, Cuba de­pende da re­messa de di­nheiro feita por cu­banos que vivem fora do país (cerca de US$ 1 bi­lhão/ano); dos con­tratos ob­tidos com o envio de mé­dicos e pro­fes­sores a mais de 100 países; do tu­rismo, que chegou a quase 5 mi­lhões de vi­si­tantes/ano na época de Obama, e agora sofre re­dução (o que se re­flete na pro­dução de bens e ser­viços); e da ex­por­tação de pro­dutos como va­cinas, cha­rutos e rum.

Em de­zembro de 2019, Diaz-Canel, pre­si­dente do país, re­sumiu o gar­rote que tenta es­tran­gular Cuba: “No 61º ani­ver­sário da Re­vo­lução, ati­raram em nós para matar e, no en­tanto, es­tamos vivos”.

Os EUA nunca se con­for­maram de não ter pleno do­mínio sobre a ilha, como acon­tece a Porto Rico. Por isso, vi­olam o di­reito in­ter­na­ci­onal com de­cla­rado in­tuito ge­no­cida, como disse, em de abril de 1960, Lester D. Mal­lory, do De­par­ta­mento de Es­tado: “A mai­oria da po­pu­lação apoia Castro. O único modo pre­vi­sível de tirar-lhe apoio in­terno é através do de­sen­canto e da in­sa­tis­fação pro­ve­ni­entes do mal-estar econô­mico e das di­fi­cul­dades ma­te­riais. Há que em­pregar ra­pi­da­mente todos os meios possí­veis para de­bi­litar a vida econô­mica de Cuba, de modo a pro­vocar fome, de­ses­pero e a queda do go­verno”.

Os pre­juízos cau­sados pelo blo­queio, nos úl­timos 60 anos, somam US$ 138,843 bi­lhões. De abril de 2018 a março de 2019, houve perdas de US$ 4 bi­lhões, uma média de US$ 12 mi­lhões/dia. Só em 2019, a Casa Branca adotou, contra a ilha, 85 me­didas agres­sivas.

Ao deixar de re­ceber por suas ex­por­ta­ções, Cuba perdeu US$ 2,340 bi­lhões em um ano. Pro­dutos de alta qua­li­dade e re­co­nhe­cida efi­cácia, como cha­rutos e He­ber­prot-P (para re­ge­nerar a pele de diabéticos e evitar a am­pu­tação da parte afe­tada) estão proi­bidos de en­trarem no mer­cado dos EUA. E este país im­pede que os de­mais ex­portem para Cuba qual­quer pro­duto que con­tenha 10% ou mais de com­po­nentes de origem es­ta­du­ni­dense, como ma­té­rias-primas, tec­no­logia, software etc. Isso se reflete em se­tores bá­sicos como ali­men­tação, me­di­ca­mentos e trans­porte.

O blo­queio fi­nan­ceiro im­pede Cuba de obter fi­nan­ci­a­mento ex­terno para ad­quirir in­sumos e ma­té­rias-primas. Um cu­bano que pa­dece de des­com­passo car­díaco grave não pode dispor de equi­pa­mento de apoio ven­tri­cular, o que lhe per­mi­tiria pro­longar a vida até o trans­plante. Os EUA também di­fi­cultam o acesso à in­ternet ao en­ca­recer a co­nexão e con­di­ci­onar o acesso a pla­ta­formas e tec­no­lo­gias.

Na ONU, dos 193 países mem­bros, 190 re­pu­di­aram o blo­queio em 2019, ex­ceto EUA, Is­rael e, agora, Brasil. No en­tanto, quem ha­verá de punir Tio Sam? Mas ele aprendeu, ao ser der­ro­tado pelos vietnamitas, que é pos­sível der­rubar go­vernos, ja­mais um povo unido e de­ci­dido como os cu­banos.

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