Por Almir Felitte, no site Outras Palavras:
Nesta quarta, finalmente foi publicado o resultado do crescimento do PIB brasileiro em 2019. E o índice foi uma verdadeira ducha de água fria para quem ainda nutria alguma esperança de que o país estaria saindo do buraco econômico em que se meteu. Com um crescimento pífio de 1,1%, o primeiro ano do governo Bolsonaro representou uma desaceleração da economia para o Brasil, com um verdadeiro “PIBinho” ainda menor que o do ano anterior, ainda no capenga governo Temer. Com o terceiro ano de crescimento minúsculo, a economia brasileira vai atravessando uma das piores recuperações da sua história, ainda longe de compensar o tombo sofrido na recessão de 2015 e 2016.
A resposta do Presidente para o péssimo resultado não poderia ser mais surreal e humilhante. Logo após a divulgação da notícia, Bolsonaro apareceu em Brasília com um humorista fazendo papel de seu sósia. Ao ser perguntado por jornalistas sobre o preocupante baixo crescimento do PIB, o Presidente indagou “o que é PIB?”, passando a palavra para o palhaço, deixando a imprensa ali presente e todo o povo brasileiro sem qualquer explicação ou satisfação.
Mas não é sobre nenhum destes dois palhaços (nem o humorista, nem o que ocupa a nossa Presidência) que este texto veio falar. A coluna de hoje é dedicada a uma outra classe de humoristas em plena ascensão no Brasil: a dos analistas liberais da economia. Apesar de que “analista” talvez não seja a melhor palavra para se referir a esta classe que promove uma verdadeira torcida em sua incessante mania de impor uma agenda liberal para o país.
E a torcida já parece ter entrado em campo mais uma vez. Após o vexame de mais um ano de crescimento pífio, alguns analistas liberais com cadeira cativa na mídia tradicional correram apressados para apresentar o inteligentíssimo diagnóstico: o Brasil ainda não fez reformas liberais suficientes, é preciso mais. Mas tal análise não é inédita na grande mídia brasileira. Nos jornalões do país, as reformas liberais já se tornaram um grande “na volta a gente compra” do mercado para o povo brasileiro.
Desde 2015, quando Dilma nomeou Levy para a Fazenda, tenta-se implantar uma agenda liberal de austeridade, ajuste e privataria no país, na época, vista como um amargo, mas necessário, remédio. De 2016 para frente, a partir do golpe, um verdadeiro trator de reformas liberais começou a passar por cima do Brasil, mas não mais como um amargo remédio: as medidas, capitaneadas por Maia e Temer, e agora também por Bolsonaro, foram pintadas pela mídia como uma doce solução onde todos sairiam ganhando num Brasil que voltaria a decolar economicamente.
Em 2016, a GloboNews (sempre ela) emprestava o microfone para o então Ministro Henrique Meirelles mentir: “O importante é que, quanto mais cedo for aprovada, melhor. Como a economia vai reagir? No momento em que a PEC é aprovada, nós já teremos movimento relevante, as expectativas começam a melhorar mais rapidamente”. A “fada da confiança”, aliás, seria uma constante a cada reforma liberal proposta nos próximos anos. No fim de 2019, o próprio Grupo Globo já noticiava: “Regra do teto de gastos pode impor perda de R$ 9,46 bilhões à saúde em 2020”. Só um dos muitos efeitos colaterais de uma medida que não trouxe confiança nem crescimento, mas vem causando impactos sociais facilmente previsíveis desde o início.
No ano seguinte, os liberais resolveram eleger um novo inimigo do crescimento para o país: o trabalhador brasileiro e os seus direitos. Para além da ampliação das terceirizações, a Reforma Trabalhista entrou no centro do debate econômico do país. “Mais direitos e menos empregos, ou menos direitos e mais empregos”, já dizia o então deputado Jair Bolsonaro.
Portais da grande mídia reproduziam com alegria exagerada a promessa de Meirelles de que a Reforma geraria 6 milhões de empregos. O Santander, mais comedido, previa 2,3 milhões de postos de trabalho e justificava: “A aprovação da reforma trabalhista é fundamental para acelerar a saída da recessão (via confiança e investimentos), reduzir estruturalmente o desemprego (através de melhora da competitividade da mão de obra brasileira) e diminuir a desigualdade de renda via contenção da informalidade”.
Dois anos depois, os resultados absolutamente nada surpreendentes para os verdadeiros analistas: o desemprego só teria caído 0,6 ponto percentual no fim de 2019. Em contrapartida, a informalidade teria crescido 0,7 ponto percentual em relação ao trabalho formal e o desalento e as taxas de subutilização batiam recordes. Tudo isso para a “fada da confiança” insistir em não aparecer. 2017 seria, assim como seus sucessores, um ano de PIBinho, com crescimento pouco acima do 1%. E o brasileiro ficou sem direitos, sem empregos e sem uma economia aquecida.
Mas os lobistas, digo, analistas liberais não poderiam estar errados. Só havia uma desculpa possível para tanto insucesso: o Brasil ainda não teria feito reformas liberais suficientes e a cereja do bolo, a Previdência, permanecia intocada. Sobre o assunto, um comediante que dá aulas na FEA-USP escreveria assim num panfleto humorístico da direita liberal brasileira, o Infomoney: “Por enquanto, sem a reforma da previdência, a classe empresarial não se sente confortável em comprometer seu capital com investimentos diante do risco real de uma brutal crise financeira e econômica em 4 anos”.
A Reforma, é claro, viria não só com muito terrorismo midiático, mas com promessas ainda mais pomposas. O Governo falava em um crescimento de 2,9% já para 2019. O Grupo Globo noticiava feliz a possível geração de 4,3 milhões de empregos com o corte nos aposentados. Imaginem só isso somado aos 6 milhões de empregos da Reforma Trabalhista?
Mas a “fada da confiança”, pelo visto, resolveu mais uma vez dar o bolo no Brasil e não apareceu. A Reforma da Previdência chegou, os direitos dos aposentados e trabalhadores brasileiros foram embora e o crescimento, mais uma vez, ficou só no PIBinho, mais precisamente, o 1,1% anunciado nesta semana. Nem metade do que o próprio governo havia previsto no início do ano.
Aliás, as previsões de início de ano para o PIB brasileiro têm sido um show à parte nos últimos tempos. Do relatório Focus do BC às humorísticas previsões da XP Investimentos, “erros” que ultrapassavam os 100% de margem se tornaram comuns. Erros entre aspas, porque sabemos bem que as “análises” ali não tinham nenhum compromisso com a verdade. No transcorrer de cada ano, o que se via era o malabarismo dessas agências procurando justificativas para a previsão exagerada que haviam feito.
E foi nesse clima de euforia inexplicável dos analistas liberais que o Brasil foi se encontrando em um buraco cada vez mais fundo de problemas econômicos, sociais e políticos. Analistas estes que, certamente, já procuram a mais nova reforma para dizer que o Brasil ainda não se liberalizou o suficiente. Tudo indica que a Reforma Administrativa seja a bola da vez. E enquanto o povo brasileiro segue sem emprego, sem renda, sem programas sociais, sem serviços públicos, sem crescimento econômico e sem Governo, os analistas liberais seguem sem qualquer sentimento de culpa.
Nesta quarta, finalmente foi publicado o resultado do crescimento do PIB brasileiro em 2019. E o índice foi uma verdadeira ducha de água fria para quem ainda nutria alguma esperança de que o país estaria saindo do buraco econômico em que se meteu. Com um crescimento pífio de 1,1%, o primeiro ano do governo Bolsonaro representou uma desaceleração da economia para o Brasil, com um verdadeiro “PIBinho” ainda menor que o do ano anterior, ainda no capenga governo Temer. Com o terceiro ano de crescimento minúsculo, a economia brasileira vai atravessando uma das piores recuperações da sua história, ainda longe de compensar o tombo sofrido na recessão de 2015 e 2016.
A resposta do Presidente para o péssimo resultado não poderia ser mais surreal e humilhante. Logo após a divulgação da notícia, Bolsonaro apareceu em Brasília com um humorista fazendo papel de seu sósia. Ao ser perguntado por jornalistas sobre o preocupante baixo crescimento do PIB, o Presidente indagou “o que é PIB?”, passando a palavra para o palhaço, deixando a imprensa ali presente e todo o povo brasileiro sem qualquer explicação ou satisfação.
Mas não é sobre nenhum destes dois palhaços (nem o humorista, nem o que ocupa a nossa Presidência) que este texto veio falar. A coluna de hoje é dedicada a uma outra classe de humoristas em plena ascensão no Brasil: a dos analistas liberais da economia. Apesar de que “analista” talvez não seja a melhor palavra para se referir a esta classe que promove uma verdadeira torcida em sua incessante mania de impor uma agenda liberal para o país.
E a torcida já parece ter entrado em campo mais uma vez. Após o vexame de mais um ano de crescimento pífio, alguns analistas liberais com cadeira cativa na mídia tradicional correram apressados para apresentar o inteligentíssimo diagnóstico: o Brasil ainda não fez reformas liberais suficientes, é preciso mais. Mas tal análise não é inédita na grande mídia brasileira. Nos jornalões do país, as reformas liberais já se tornaram um grande “na volta a gente compra” do mercado para o povo brasileiro.
Desde 2015, quando Dilma nomeou Levy para a Fazenda, tenta-se implantar uma agenda liberal de austeridade, ajuste e privataria no país, na época, vista como um amargo, mas necessário, remédio. De 2016 para frente, a partir do golpe, um verdadeiro trator de reformas liberais começou a passar por cima do Brasil, mas não mais como um amargo remédio: as medidas, capitaneadas por Maia e Temer, e agora também por Bolsonaro, foram pintadas pela mídia como uma doce solução onde todos sairiam ganhando num Brasil que voltaria a decolar economicamente.
Em 2016, a GloboNews (sempre ela) emprestava o microfone para o então Ministro Henrique Meirelles mentir: “O importante é que, quanto mais cedo for aprovada, melhor. Como a economia vai reagir? No momento em que a PEC é aprovada, nós já teremos movimento relevante, as expectativas começam a melhorar mais rapidamente”. A “fada da confiança”, aliás, seria uma constante a cada reforma liberal proposta nos próximos anos. No fim de 2019, o próprio Grupo Globo já noticiava: “Regra do teto de gastos pode impor perda de R$ 9,46 bilhões à saúde em 2020”. Só um dos muitos efeitos colaterais de uma medida que não trouxe confiança nem crescimento, mas vem causando impactos sociais facilmente previsíveis desde o início.
No ano seguinte, os liberais resolveram eleger um novo inimigo do crescimento para o país: o trabalhador brasileiro e os seus direitos. Para além da ampliação das terceirizações, a Reforma Trabalhista entrou no centro do debate econômico do país. “Mais direitos e menos empregos, ou menos direitos e mais empregos”, já dizia o então deputado Jair Bolsonaro.
Portais da grande mídia reproduziam com alegria exagerada a promessa de Meirelles de que a Reforma geraria 6 milhões de empregos. O Santander, mais comedido, previa 2,3 milhões de postos de trabalho e justificava: “A aprovação da reforma trabalhista é fundamental para acelerar a saída da recessão (via confiança e investimentos), reduzir estruturalmente o desemprego (através de melhora da competitividade da mão de obra brasileira) e diminuir a desigualdade de renda via contenção da informalidade”.
Dois anos depois, os resultados absolutamente nada surpreendentes para os verdadeiros analistas: o desemprego só teria caído 0,6 ponto percentual no fim de 2019. Em contrapartida, a informalidade teria crescido 0,7 ponto percentual em relação ao trabalho formal e o desalento e as taxas de subutilização batiam recordes. Tudo isso para a “fada da confiança” insistir em não aparecer. 2017 seria, assim como seus sucessores, um ano de PIBinho, com crescimento pouco acima do 1%. E o brasileiro ficou sem direitos, sem empregos e sem uma economia aquecida.
Mas os lobistas, digo, analistas liberais não poderiam estar errados. Só havia uma desculpa possível para tanto insucesso: o Brasil ainda não teria feito reformas liberais suficientes e a cereja do bolo, a Previdência, permanecia intocada. Sobre o assunto, um comediante que dá aulas na FEA-USP escreveria assim num panfleto humorístico da direita liberal brasileira, o Infomoney: “Por enquanto, sem a reforma da previdência, a classe empresarial não se sente confortável em comprometer seu capital com investimentos diante do risco real de uma brutal crise financeira e econômica em 4 anos”.
A Reforma, é claro, viria não só com muito terrorismo midiático, mas com promessas ainda mais pomposas. O Governo falava em um crescimento de 2,9% já para 2019. O Grupo Globo noticiava feliz a possível geração de 4,3 milhões de empregos com o corte nos aposentados. Imaginem só isso somado aos 6 milhões de empregos da Reforma Trabalhista?
Mas a “fada da confiança”, pelo visto, resolveu mais uma vez dar o bolo no Brasil e não apareceu. A Reforma da Previdência chegou, os direitos dos aposentados e trabalhadores brasileiros foram embora e o crescimento, mais uma vez, ficou só no PIBinho, mais precisamente, o 1,1% anunciado nesta semana. Nem metade do que o próprio governo havia previsto no início do ano.
Aliás, as previsões de início de ano para o PIB brasileiro têm sido um show à parte nos últimos tempos. Do relatório Focus do BC às humorísticas previsões da XP Investimentos, “erros” que ultrapassavam os 100% de margem se tornaram comuns. Erros entre aspas, porque sabemos bem que as “análises” ali não tinham nenhum compromisso com a verdade. No transcorrer de cada ano, o que se via era o malabarismo dessas agências procurando justificativas para a previsão exagerada que haviam feito.
E foi nesse clima de euforia inexplicável dos analistas liberais que o Brasil foi se encontrando em um buraco cada vez mais fundo de problemas econômicos, sociais e políticos. Analistas estes que, certamente, já procuram a mais nova reforma para dizer que o Brasil ainda não se liberalizou o suficiente. Tudo indica que a Reforma Administrativa seja a bola da vez. E enquanto o povo brasileiro segue sem emprego, sem renda, sem programas sociais, sem serviços públicos, sem crescimento econômico e sem Governo, os analistas liberais seguem sem qualquer sentimento de culpa.
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