Nesta sexta-feira (17), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tirou da pauta a Medida Provisória (MP) 905, sobre contrato de trabalho “verde e amarelo”, que perderá a validade se não for votada até a próxima segunda-feira (20). Pela manhã, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, presente na cerimônia de posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, declarou a jornalistas: “Está tudo sob controle, não sabemos de quem”.
O isolamento do presidente Jair Bolsonaro, no contexto de crescimento da pandemia de coronavírus, é claro. Mesmo assim, ele continua a desafiar atores políticos de peso e as orientações científicas e médicas mundiais para combatê-la.
Na quinta, Bolsonaro disse que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), conspira para derrubá-lo. Nesta sexta, voltou a defender a reabertura do comércio, contra o isolamento social, exatamente no momento em que os governadores em seus estados fazem o contrário.
Nesse “caldo” político, lideranças da oposição têm dito que a hora de Bolsonaro chegou e que seu governo tem que ter um fim, para que o país recupere os valores democráticos. Um processo de impeachment poderia, finalmente, estar maduro.
O cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC), lembra que as condições que normalmente desencadeiam um processo de impeachment são o isolamento e a incapacidade de articulação política, crise econômica e perda de popularidade, pressupostos que, de maneira geral, estavam presentes nos impedimentos de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016), cuja votação no plenário da Câmara completou quatro anos hoje.
No entanto, para o analista, a última condição, a falta de popularidade, é a única que ainda não favorece a tese da oposição de que a hora do impeachment do atual presidente chegou.
“Vamos demorar para sair da crise econômica e sanitária. Isso vai afetar emprego e economia. Bolsonaro de fato está isolado politicamente. Mas falta saber por quanto tempo ele vai conseguir manter a base popular, já que tem mostrado fôlego para mobilizar sua base sem entregar resultado concreto de política pública”, diz. “Essa é a chave da questão.”
Bolsonaro ainda mantém para si o apoio de cerca de 30% do eleitorado. Para Marchetti, com as consequências econômicas da pandemia, é preciso considerar nas próximas semanas qual será o movimento desse apoio popular e qual a velocidade de um possível “derretimento” desse apoio. “Como a população brasileira vai se comportar diante desse cenário é uma incógnita. É uma população que já acreditou em mamadeira de piroca e em terra plana”, observa.
Confrontos
A tendência é Bolsonaro se isolar cada vez mais. “Ele entra em confronto aberto com atores políticos importantes, como os governadores João Doria e Wilson Witzel, para falar só em governadores que foram seus aliados de primeira hora, assim como confronta Mandetta e Maia.” A briga com o presidente da Câmara e o ex-ministro da Saúde, aliás, mais do que problemas de caráter pessoal, reflete um conflito com o DEM, observa o professor da UFABC.
Com tudo isso, ao longo da pandemia, é pouco provável que um processo de impeachment prospere. Para Marchetti, o fator decisivo é o uso que Bolsonaro e seu grupo fazem das redes sociais, inclusive considerando que a força nas redes é certamente inflada artificialmente por robôs. “O que eles desenvolveram do ponto de vista das mídias sociais, acho que ninguém ainda tinha conseguido no país. Eles dão agenda para suas bases.”
De acordo com o cientista político, um monitoramento, feito por colegas de universidade, de grupos bolsonaristas na rede percebeu que, no começo da pandemia, eles estavam perdidos. “Cada um apontando para um lado. Mas o primeiro pronunciamento de Bolsonaro organizou a ‘tropa’. Isso é técnica de big data, de uso de rede social e de comunicação que poucos grupos políticos dominam como eles.”
Seja pela tese de impeachment, defendida abertamente pela oposição, seja pelo pragmatismo e habilidade política de Rodrigo Maia, o fim do governo Bolsonaro, para o analista, ainda não está desenhado.
A adoção da linha de impeachment implica saber, por parte de seus defensores, que estão lidando com alguém que ainda tem apoio popular e que sabe mobilizar a “tropa”. A outra saída, pontua o professor da UFABC, mais no campo da direita, seria a velha estratégia de deixar Bolsonaro “sangrar” até 2022, paralelamente articulando uma alternativa eleitoral viável.
“A decisão de quem está no Congresso Nacional não é simples. São variáveis muito incertas em jogo”, diz. Inclusive porque um lance mal jogado em direção ao impeachment poderia ter o efeito contrário e acabar fortalecendo o presidente.
E o braço de ferro com governadores que, no conjunto, configuram uma força poderosa contra Bolsonaro, também é um jogo arriscado, de apostas altas e dramáticas . A economia vai sofrer com a pandemia. “Mas, lá na frente, ele poderá dizer que os governadores é que levaram a situação até aquele ponto. Por outro lado, vai haver muitos mortos pela pandemia.”
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